Intervenção de Miguel Viegas, Deputado ao Parlamento Europeu, Sessão «A situação em Portugal e na Europa pós-eleições para o Parlamento Europeu. A luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País»

Continuaremos a pautar a nossa intervenção por uma forte ligação ao território nacional, levando para Bruxelas as consequências catastróficas das políticas da UE

Estamos aqui hoje para assinalar o início de mais um mandato do PCP no Parlamento. Um mandato reforçado na medida em que a CDU, nas últimas eleições aumentou a sua votação, elegendo um terceiro deputado, demonstrando assim uma grande confiança do povo português no PCP e no seu trabalho em defesa dos interesses nacionais.

Como é do conhecimento público, o PCP estará representado, entre outras, na comissão dos assuntos económicos e monetários e na comissão da agricultura e desenvolvimento rural. São duas comissões de enorme importância, na medida em que, como iremos ver, por elas passarão pastas fundamentais para o nosso país e para o nosso povo.

A União Europeia, com as suas orientações neoliberais, federalistas e militaristas, encerra uma matriz ideológica clara que pretende impor o mercado como solução suprema para todos os domínios da esfera social e económica. Estes princípios, inscritos com todas as letras nos tratados da UE, são depois vertidos em todas as políticas impostas aos estados membros, independentemente da sua especificidade ou grau de desenvolvimento. Este é o ponto de partido para compreender todo o processo de integração e é também a partir desta premissa que importa denunciar e combater estas políticas que, com a conivência dos partidos da governação, PSD, CDS e PS, está na origem de uma estagnação sem precedentes desde a grande crise de 1930.

O sector agrícola português representa um exemplo claro do desastre das políticas da UE. Com efeito, a história da presença de Portugal na UE testemunha um trajecto de destruição da nossa agricultura, com o desaparecimento de dezenas de milhares de explorações agrícolas e uma balança agro-alimentar cujo défice foi crescendo até à actual situação em que importamos quase 80% do que comemos. Este fenómeno decorre essencialmente de dois factores. Em primeiro lugar decorre de uma PAC contrárias aos nossos interesses que sempre privilegiou as grandes explorações em detrimento das pequenas e médias explorações familiares e que sempre foi altamente favorável ao perfil produtivo do norte da Europa onde se concentram os grandes centros cerealíferos. Apesar das inúmeras propostas do PCP procurando equilibrar a PAC e modular e criar limites às ajudas assegurando uma mais justa distribuição, a UE, sempre com o apoio de PS, PSD e CDS, persistiu nas suas políticas, pagando para não produzir e subsidiando o abandono da actividade. Em segundo lugar, as dificuldades do nosso sector agrícola deve-se igualmente a um processo de liberalização das trocas comerciais com países terceiros em rondas negociais conduzidas pelas potenciais do centro da Europa e destinadas a favorecer os seus sectores exportadores. Tal é o caso do resultado das negociações da OMC e dos vários tratados bilaterais.
No que toca aos assuntos agrícolas, iremos ser confrontados a breve prazo com duas pastas de grande importância e que deverão merecer uma atenção especial do PCP. A primeira tem a ver com o fim das quotas leiteiras e a segundo com o acordo de livre comércio com os Estados Unidos da América.

O fim das quotas leiteiras decorre mais uma vez de um alegado processo visando a liberalização do sector, introduzindo a concorrência como elemento gerador de produtividade e de ganhos de eficiência. Nada mais falso. Sabemos que por traz destas propostas estão mais uma vez os interesses da grande indústria agro-alimentar, sempre ávida de sugar a mais-valia criada na produção e conquistar com isto novos mercados. Assim, visando posicionar-se no quadro de um previsível aumento da procura de produtos lácteos por parte das novas economias emergentes, o que a grande indústria agro-alimentar europeia pretende é aniquilar o actual sistema de quotas que introduzia alguns elementos de justiça na distribuição da capacidade produtiva pelos vários estados membros da UE, liberalizando por completo a produção leiteira. As consequências destas medidas não deixarão de fazer-se sentir no curto prazo. A produção irá aumentar de forma exponencial no norte da Europa onde os custos de contexto (incluindo a energia, as matérias primas, os juros e também o clima) são substancialmente mais baixos. Os preços irão diminuir e esmagar os já parcos rendimentos de milhares de produtores (são actualmente cerca de 7000, mas foram já muito mais no passado) nas nossas várias bacias de produção. Confrontado com esta realidade, o comissário fez um número que é habitual nestas questões. Inaugurou um mais um observatório do mercado do leite para acompanhar a situação. Ainda esta semana dirigimos uma questão à comissão sobre os trabalhos deste observatório. Veremos a resposta.

A segunda questão que irá preencher a actualidade deste próximo mandato e que terá forte impacto na nossa agricultura tem a ver com o já célebre tratado de comércio livre entre a União Europeia e os Estados Unidos. Há já vários anos que decorrem negociações entre estes dois blocos. Os resultados ou os avanços permanecem quase sempre no segredo dos deles. Nas belas páginas do site da União Europeia, apenas são descritas as grandes vantagens e os estudos encomendados pela comissão europeia que, obviamente confirmam as grandes vantagens económicas e sociais para todos os países. Estudos que, sob uma capa alegadamente científica, apontam para um efeito de 2 a 3% no PIB e a criação de 2 milhões de postos de trabalho. Naturalmente que nestes mesmos sites, não encontramos outros estudo, igualmente científicos, mas que apontam precisamente numa direcção contrária, com a destruição de sectores inteiros da nossa economia, desemprego em massa e retrocessos brutais em termos sociais. Com efeito, o que este acordo pretende é um nivelamento por baixo de todo os direitos sociais e laborais, com o falso argumento de que só assim será possível garantir uma concorrência sã e não falseada.

O que este acordo nega é que a agricultura norte-americana é das mais subsidiada do mundo. Fruto do poder das grandes empresas agro-alimentares americanas, são permitidas, no território norte-americano, práticas agrícolas que foram banidas do espaço europeu em nome da segurança alimentar das pessoas e da protecção do meio ambiente. Perguntamos assim como é possível falar de livre comércio com países que usam de forma desregrada hormonas de crescimento em praticamente todos os ramos agropecuários? Como é possível concorrer de forma livre com países onde não existem restrições ao uso de sementes geneticamente modificadas? Estas são apenas algumas questões que não deixarão de ser levantadas em sede própria e para as quais serão exigias respostas claras. Ainda este semana o PCP dirigiu já outra pergunta escrita à Comissão Europeia apelando a divulgação dos resultados da sétima ronda de negociação entre a UE e os Estados Unidos que decorreu nos passados dias 14-17 de Julho último. Esperamos que desta vez estes resultados não fiquem mais uma vez escondidos.

Os assuntos económicos e monetários representam outra frente de combate à qual o PCP procurará dedicar parte importante e do seu esforço. A agenda desta comissão, como já foi possível antever, prende-se fundamentalmente com a crise económica e financeira e com as receitas que a UE vai tentando implementar para remediar o que já não tem cura. Olhando para o passado recente e designadamente para o deflagrar da crise com as primeiras tensões sentidas no verão de 2007 e posteriormente com a falência do Lehman Brother em Setembro 2008, o conjunto dos países da UE já desembolsou fortunas colossais para recapitalizar a banca, nacionalizando assim prejuízos à custa dos trabalhadores e do povo. Para se ter uma ideia, o montando global usado pelos Estados e recapitalizar a banca ascende a 3% do PIB global da UE. E se incluímos as garantias bancárias destinadas a avalizar empréstimos da banca junto de credores internacionais e designadamente junto do BCE, então esta quantia ascende a 13% do PIB global da UE.

Note-se ainda que o problema parece estar ainda longe de estar solucionado a avaliar pelas recentes intervenções do Banco Central Europeu. Esta instituição, destinada a ser a cereja em cima do bolo neoliberal da União Europeia tem sido obrigado a actuar à revelia do mandato usual de qualquer banco central, prescrito pelo credo neoliberal. Assim de financiador de curto prazo, destinado a suprir faltas pontuais de liquidez, o BCE passou a ser um autêntico banco de investimento alargando progressivamente a maturidade dos seus empréstimos a 3 meses, depois a 4, a 6, e mais tarde a 2 e 4 anos, em operações intituladas de “não convencionais”. Em Junho último, o BCE anunciou a injecção de mais 400 mil milhões de euros, dizendo alto e bom som que o mesmo se destina ao tecido produtivo, visando a criação de postos de trabalho e o retomar do crescimento económico. Ou seja, o BCE reconhece que os milhares de milhões de euros postos à disposição da banca nos últimos anos não têm chegado a quem deles efectivamente necessita. Ou seja, que estes milhões que tanta falta fazem à economia tem sido usado para tapar as imparidades da banca e para especular na roleta da finança. Em Portugal, tal como na Europa, os dados do Banco de Portugal, divulgados num estudo recente do economista Eugénio Rosa, a recapitalização da banca tem servido fundamentalmente para esta aumentar a sua carteira de aplicações financeiras ao mesmo tempo que decresce o crédito concedido ao sector privado (famílias e empresas).

Mas voltando aos 400 mil milhões de euros que o BCE vai emprestar à banca europeia, a uma taxa de juro irrisória de 0,5%, diz este que vai criar mecanismos para garantir que este dinheiro chegue à economia real. Como? Primeiro, vedando a possibilidade deste dinheiro financiar entidades do sector público, apesar de ser reconhecido que, a título de exemplo, as autarquias locais constituírem uma alavanca fundamental da economia com o seu investimento em infraestruturas e equipamentos fundamentais. Depois anunciando que irão obrigar a banca a garantir que 7% desta liquidez seja aplicada no sector empresarial privado. Perguntamos nós, e então os outros 93%? São para continuar a especular? Ou são para pagar empréstimos semelhantes concedidos pelo BCE entretanto vencidos? Procurando obter respostas a estas dúvidas, o PCP já endereçou à comissão uma pergunta escrita cuja resposta não deixaremos de dar conta.

Desta forma, a crise financeira cujo fim ainda permanece longe de estar no horizonte, apesar do optimismo forçado das instituições europeias, continuará na ordem do dia. E continuará, nas nossas previsões, em dois eixos fundamentais. Um primeiro será voltado para a supervisão bancária e para os mecanismos de resolução bancária. Um segundo direccionado para um maior controle e ingerência nas políticas orçamentais dos estados membros e para a tentativa de forçar as chamadas reformas estruturais.

A supervisão bancária é sintomática do desvario a que se chegou. A verdade é que estamos perante a completa falência dos modelos de liberalização dos mercados financeiros, apresentados inicialmente como a pedra angular que iria permitir olear os circuitos de capital e garantir que estes seriam aplicados onde eram efectivamente mais eficientes. De acordo com a UE, e contando com as habituais anuências acríticas de PS, PSD e CDS, a solução passa pela criação de entidades de supervisão, criando a ilusão de que estes poderão, num quadro completamente globalizados, onde são os próprios Estados Membros como o Luxemburgo ou o RU a funcionar como paraísos fiscais, travar os desvarios da banca e coloca-las ao serviço da economia. Registe-se aliás não sem alguma ironia, que na discussão do orçamento comunitário para 2015, os deputados ficaram perplexos com a diminuição das verbas atribuídas às três agências de supervisão actualmente em exercícios. Pois se o orçamento global baixou, é caso para perguntar o que esperavam estes senhores indignados?

Relativamente ao semestre europeu, importa dizer que ele não é mais do que a continuação da troika, apenas sob nova designação. A Comissão Europeia esforça-se para dizer que estamos a sair do atoleiro, e portanto que valeu a pena. Há que continuar então a austeridade e acelerar as reformas estruturais, designadamente ao nível do mercado laboral, mas não só. Há que continuar a desmantelar tudo o que for público para depois vender a retalho as partes mais rentáveis, Que ninguém tenha ilusões acerca de uma alegada aplicação flexível do tratado orçamental. As palavras do comissário finlandês que assumiu a passa dos assuntos económicos e monetários desmentem o discurso de posse de Junker que tentou dar às suas palavras um rosto mais humanizado.

Pela parte do PCP e dos seus eleitos, continuaremos a denunciar estas políticas, defendendo o interesse nacional e a soberania do povo português.
Continuaremos a pautar a nossa intervenção por uma forte ligação ao território nacional, levando assim para Bruxelas as consequências catastróficas das políticas da União Europeia. Fá-lo-emos com a seriedade que nos é reconhecida e com o rigor que se impõe perante matérias da mais alta importância e com efeitos direitos da vida das populações. Continuamos assim com a firme convicção de que a luta por uma outra Europa passará por uma ampla mobilização do povo português contra as política neoliberais desta União Europeia não deixando de denunciar as óbvias cumplicidade do PS, PSD e CDS com estas orientações e em particular com o pacto de agressão que completou recentemente três anos mas que se irá prolongar agravando a situação já frágil social e económica. Temos no entanto confiança que mais cedo que tarde, à medida que amplas camadas do povo português e da classe trabalhadores compreenderem melhor a natureza exploradoras deste processo de integração europeia, serão criadas em Portugal condições para um ruptura com estas política e para implementação de um política patriótica e de esquerda de que Portugal tanto precisa para novamente encontrar o rumo que Abril abriu.

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