Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP

Contacto com utentes do Centro de Saúde de Marvila

A primeira palavra é para agradecer esta possibilidade de aqui estar aqui com os utentes daqui, estar com aqueles que todos os dias têm que passar por isto que aqui vimos com os nossos olhos. Uma saudação a todos os presentes, em particular ao conjunto dos utentes desta unidade de saúde, mas também aos profissionais, aos médicos, aos enfermeiros, aos auxiliares, aos técnicos, todos aqueles que procuram todos os dias tentar minimizar os problemas que aqui identificámos.

Nós temos afirmado várias vezes que há uma diferença brutal entre aquilo que é a realidade, a vida e a realidade dura da vida, e depois a propaganda com o qual somos confrontados todos os dias. E se dúvidas houvessem desta discrepância, desta brutalidade, desta diferença, a fila que aqui assistimos hoje de manhã, antes do portão abrir, as palavras que ouvimos dos utentes demonstram exactamente essa brutal, essa profunda contradição entre a propaganda e uma suposta realidade que nos é vendida e depois a vida dura de todos os dias. E essa realidade é a que é: esta realidade de 14.000 utentes sem médico de família, uma realidade para a qual não há condições também de trabalho, nem de valorização, nem de respeito dos seus profissionais, quer sejam médicos, quer sejam auxiliares, quer sejam técnicos, quer sejam enfermeiros. E para os utentes e para os profissionais que trabalham, sobram sempre as promessas e promessas atrás de promessas. Aliás, como já foi aqui dito, ainda há um ano atrás nos prometeram mais e melhores cuidados de saúde, prometeram exames de diagnóstico, prometeram serviços especializados em saúde materno-infantil, medicina dentária, nutrição, psicologia, análises, assistência ao domicílio. Foi um rol chorudo de promessas que fizeram aqui há um ano. Ainda há pouco na conversa que tivemos ali com um utente que dizia "Mas porquê? Mas porque é que não se faz isso tudo, aqui nestas instalações?" Pelos vistos têm boas condições. Porque essa é que é a questão fundamental que é preciso responder.

Mas lá está: há diferença entre a propaganda e a promessa e depois a realidade como sempre impões. E de tudo aquilo que foi prometido há um ano, cumprido. 

E, caros amigos, nós sabemos que as coisas não podem ser feitas de um dia para o outro. Nós não podemos prometer que amanhã vamos resolver tudo, mas aqui a questão não é aquilo que se consegue resolver, é qual é o caminho que se trilha para poder resolver os problemas. Ora, nós estamos perante uma situação em que o caminho que está a ser trilhado é exactamente contrário aquilo que é necessário.

Para os utentes e para os funcionários desta unidade de saúde, sobraram as promessas. Mas não foi só as promessas. Sobrou o sol, sobrou a chuva, sobrou a espera, sobrou a eventualidade de ter ou não ter consulta e essa é que a grande questão que está colocada. 

Mas nós, cada um de nós, não se cuida com promessas. Cada um de nós só se pode cuidar com saúde e com acesso à saúde.

E mais, a saúde não é negociável e a saúde não pode ser um negócio.

Fazem falta aqui mais médicos de família, pelo 10, como foi identificado, fazem falta mais profissionais, mais meios de diagnóstico, fazem falta coisas tão simples como condições para as pessoas, já que não têm alternativa, poderem estar aqui à espera, os acessos, como foi aqui colocado, faz falta aqui mais saúde, mais acesso à saúde para as populações aqui de Marvila

E a infraestrutura não resolve o problema. Mas até podiamos estar perante um problema de infraestrutura, que não é o caso. Pelos vistos, há condições de infraestrutura para responder aos problemas, então que se respondam aos problemas.

É porque a saúde é um direito e é um direito, não pode nem ser negado, nem muito menos pode ser transferido. E a saúde é um direito que é incompatível com intermitências, com "abra hoje, fecha amanhã", com incapacidade de dar resposta na hora que é preciso

E caros amigos, só um aparte, porque aquilo que se está a passar nas urgências de obstetrícia com "abre hoje, fecha amanhã" com toda a imprevisibilidade que isso coloca quando nós estamos a falar de uma situação muito particular (grávidas, bebés, etc) é algo de muito grave, de muito grave e que alguém vai ter que ser responsabilizado por essa situação. Isso não pode continuar assim. É uma inconstância que é incompatível com a vida das pessoas. 

E não vale a pena virem com a conversa que não há dinheiro. O problema não é não haver dinheiro. Há dinheiro. Ele está a ser desviado dos bolsos de cada um de nós para o sector da doença.

Este é que é o problema com que nós estamos confrontados. Porque se não houvesse dinheiro, não havia nenhuma possibilidade de ser retirado dos nossos bolsos do Orçamento de Estado (6 mil milhões de euros)  para serem transferidos diretamente para o sector privado da doença. Não é um problema de falta de dinheiro, não é um problema de falta de infraestruturas, como está aqui dito.

É um problema de opções, opções erradas que condicionam o nosso acesso à saúde. O caminho é este: desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, a transferência de valências e de serviços para o sector privado. Este é que é o caminho que está em curso e é um caminho que nós temos que interromper. 

A saúde não é um negócio. A nossa saúde, a nossa saúde, a nossa vida não é uma mercadoria. E cada uma daquelas pessoas que tiveram hoje de manhã e aqueles estão aqui agora não são números, são pessoas com vidas, com direitos. Nalguns casos, trabalharam uma vida inteira, têm direito a viver com dignidade e têm direito a viver com acesso à saúde.

Nós temos direito à saúde e não estamos a pedir nada de mais. Quem pede mais médicos, quem pede mais cuidados, quem defende o Serviço Nacional de Saúde está a defender a sua própria saúde, mas também está a defender a saúde económica, social, política, democrática do país. Quem está nesta luta aqui está na luta pelo acesso à sua saúde, mas também pelo acesso à saúde de todos os que vivem e trabalham no nosso país. 

E permitam-me, para finalizar, uma valorização muito grande, mas muito grande, da luta que se tem desenvolvido aqui, a partir da Comissão de Utentes, com várias iniciativas, várias ações, abaixo-assinados, uma grande mobilização das populações e que não acabou e que vai continuar, aliás, como foi aqui referido, já na próxima sexta-feira, com um cordão humano, que envolverá certamente o conjunto dos utentes aqui da unidade de saúde.

Mobilizar, envolver as populações, forçar o Governo, salvar o SNS. É essa a responsabilida de cada um de nós. É essa a responsabilidade dos profissionais, é essa a responsabilidade dos utentes, é essa a responsabilidade da Comissão de Utentes aqui em Marvila. O conjunto de ações, a forma como elas se têm desenvolvido, a forma como os utentes se têm envolvido, mais cedo ou mais tarde terão resultados.

É um apelo para que não se desista. Pelo contrário: se intensifique se anime, porque esta determinação, esta força, estas necessidades objectivas, estas pessoas que aqui estão todos os dias, merecem melhor e o nosso esforço, o nosso trabalho vai ter resultados. Contem com o PCP, como sempre, para esta justa e necessária luta pelo direito à saúde, aqui estamos, com as necessidades, com os utentes e com os seus profissionais e estamos certos que a vossa luta dará frutos e os frutos da vossa luta são primeiramente para os utentes aqui de Marvila, mas também são para todos os utentes do nosso país e para o país em geral. 

Muito obrigado!

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