Intervenção de

Combate à Fraude e Evasão Fiscais - Intervenção de Honório Novo na AR

Debate de interesse relevante sobre o "Combate à Fraude e Evasão Fiscais"

 

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

Era inevitável, «fatal como o Destino», como se diz na minha terra, que o PSD viesse aqui levantar a questão da equipa do Dr. Paulo Macedo.

De facto, não temos essa visão individualista da política nem do exercício dos cargos públicos e, Sr. Ministro, a verdade é que, para nós, antes do Dr. Paulo Macedo não era o vazio e depois do Dr. Paulo Macedo não será certamente o abismo.

Estamos completamente convictos disso, porque por trás do Dr. Paulo Macedo e da sua equipa, independentemente do seu valor e do seu profissionalismo está uma enorme equipa de dirigentes e de milhares de funcionários da administração fiscal, esses, sim, que «dão o corpo ao manifesto» e são, de facto e em grande medida, os responsáveis pelos resultados positivos que se têm verificado nos últimos anos.

Sr. Ministro, faz hoje exactamente um ano que debatemos um relatório como este

relativamente ao ano anterior e repete-se a ausência de respostas a algumas questões que levantámos na altura.

Por exemplo, quanto ao nível das prescrições fiscais, por que é que não há uma palavra sobre isto no relatório deste ano? Por que é que já não havia no do ano passado? De que é que o Governo tem medo? Tem algum problema em falar sobre isto, em explicar a sua origem, a sua evolução?

É verdade que, em 2005, prescreveram processos fiscais no valor de 230 milhões de euros? E qual o valor das prescrições em 2006? Diminuiu? Aumentou? Em que áreas e em que impostos? Por que é que o Governo não trata disto no relatório? A questão não o merece, não tem importância?

Outra questão que não é abordada no relatório, e devia ser, Sr. Ministro, é a da evolução da dívida ao Estado.

Outra questão que não é abordada no relatório, e devia ser, Sr. Ministro, é a da evolução da dívida ao Estado.

Como é que a mesma tem evoluído? Tem aumentado ou diminuído? Sabe-se, foi dito pelo Ministro, que o valor da dívida ao Estado é de cerca de 17 000 milhões de euros, mais ou menos metade da receita líquida cobrada em 2006. Mas como é que evoluiu? Aumentou ou diminuiu?

É verdade que o saldo é negativo e que representa 200 milhões de euros a acrescer à dívida relativamente a 2005? Isto é, o valor das execuções fiscais, que aumentaram, somado ao das prescrições fiscais é inferior à dívida contraída no ano 2006? É isto verdade?

Se é verdade, Sr. Ministro, não acha que reflecte algo que não está bem na administração fiscal, que algo continua a funcionar mal e que tal tinha de estar espelhado, obrigatoriamente, no relatório?

Sr. Ministro, ousarei colocar-lhe uma questão final, e também central, que não é bem respondida neste relatório, a qual tem a ver com os instrumentos que o Governo quer ou não usar no combate à grande fraude fiscal e ao branqueamento de capitais.

No ano passado, o Governo mostrava disponibilidade para alargar as condições do segredo fiscal; hoje, passado um ano, percebe-se que os avanços do Governo são avanços de Pirro, insignificativos, que apenas

buscam os «pilha-galinhas», digamos, que apenas querem condicionar os contribuintes que, no fundamental, não fogem ao fisco. Portanto, parece que o Governo está mais interessado em caçar os «pilha-galinhas» do que em colocar, de facto, os verdadeiros instrumentos ao lado do Estado para combater o grande crime fiscal, o grande crime de fuga ao fisco e de branqueamento de capitais. Enquanto o Governo não optar, de certeza que os avanços vão ser muito pouco significativos, Sr. Ministro.

(...)

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

A melhor forma de analisar o relatório que o Governo apresenta sobre a evolução do combate à fraude e evasão fiscais é proceder a uma comparação global com o que aqui foi dito e ficou escrito há um ano quando debatemos igual relatório referente ao ano de 2005.

Nessa altura o Governo considerou - e bem - "uma prioridade nacional" o combate à fraude e à evasão fiscais, o alargamento da base tributária, partindo de uma base quantificada finalmente estimada e consensualmente reconhecida.

Confirmava então o Governo que a economia subterrânea em Portugal representava qualquer coisa como 22% do PIB, um fenómeno só comparável ao existente na Itália e na Grécia, muito acima dos valores médios estimados para a União e os países da OCDE.

É verdade que o Governo nunca fixou metas e procurou na altura fugir aos desafios que esta bancada lhe dirigiu para definir objectivos - certamente aproximados - para a redução do peso da economia subterrânea. Mas é também verdade que - esperava o PCP - que o Governo fizesse o "trabalho de casa" e acompanhasse a evolução global do fenómeno, definindo critérios que permitissem quantificar (ou pelo menos estimar) os ganhos obtidos neste combate nacional contra a evasão fiscal.

Concluímos agora - pela leitura do relatório este ano - que o Governo se esqueceu deste relevante pormenor.

Um ano depois nada sabemos sobre isto. O peso da economia paralela no PIB português diminuiu ou aumentou? E se diminuiu em quantos pontos percentuais é que se estima essa diminuição?

Esta omissão é significativa e pode mesmo comprometer ou frustrar os resultados positivos de alguns indicadores deste Relatório, sejam na justiça tributária, na execução fiscal ou na evolução da correcção e do pagamento voluntários por parte dos contribuintes.

O Governo não pode nem deve fugir à avaliação quantificada da evolução global do combate à evasão fiscal. E por mais qualidade técnica que tenha este relatório ele perde boa parte da sua validade política quando não diz uma palavra, não aponta um indicador global, não dá um pequeno sinal que comprove os resultados globais do combate à evasão fiscal, só possíveis de concluir através da redução real dos níveis e do peso da economia paralela em Portugal.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

Duas outras notas críticas que queremos fazer.

Uma primeira referência para a falta de ambição e de coragem com que o Governo combate os crimes fiscais de maior complexidade e relevância.

Não discutimos a forma como o Governo está a encarar este combate do ponto de vista da articulação funcional, das acções concretas ou mesmo da evolução ao nível de certa produção legislativa.

Mesmo que o PCP considere preocupante que os serviços especiais de investigação (DSIFAE) contem apenas com um limitado quadro de 34 inspectores, (num contexto em que o número destes funcionários - e bem - tem aumentado de forma significativa), mesmo que registemos como negativo que, das 18 medidas legislativas descritas no relatório referente a 2006, 17 delas (i.e., todas menos uma) só entrem em vigor em 2007, julgamos que, nesta matéria, o pior é mesmo a falta de ambição e coragem do Governo. Quanto a nós, o combate à grande fraude fiscal só pode produzir efeitos significativos com uma acção decidida para eliminar de forma generalizada o segredo bancário.

Também neste aspecto a comparação com o relatório de há um ano deixa o Governo em maus lençóis.

Dizia o Governo que estava a realizar estudos de avaliação das melhores práticas europeias e da aplicação de novas medidas no contexto português. Dizia o Governo que estava disposto a avançar mais!... Mas neste aspecto a "montanha pariu um rato". As medidas legislativas que o Governo apresentou - e que serão proximamente aprovadas pela maioria -, vão servir certamente para aliviar os tribunais tributários, vão servir sobretudo para condicionar os contribuintes cumpridores que venham a ser alvo de cálculos errados de imposto, vão talvez servir para aumentar os números verdadeiramente ridículos de levantamento do sigilo bancário em Portugal, mas em pouco ou nada servirão para combater o grande crime fiscal ou o branqueamento de capitais.

O Governo não tem coragem. Mas o PCP insistirá e estamos convencidos que, mais tarde ou mais cedo, a administração fiscal irá poder aceder sem entraves a informações bancárias de relevância fiscal, a informações sobre transferências para off‑shores ou a informações sobre dividendos e lucros resultantes da aplicação total (e não parcial) da Directiva Poupança em Portugal.

Uma segunda nota crítica tem a ver com a omissão expressa no Relatório deste ano de alguns elementos e indicadores relevantes. Por exemplo quanto á evolução da receita líquida de reembolsos (e que em 2005 tinha sido de 6,4%) ou quanto aos níveis da eficiência fiscal em 2006 (em 2005 tinha sido de 3,3 pontos percentuais).

Mas o que causa mais estranheza ainda é a ausência total e reiterada de informação e de dados quantitativos relativos aos valores das prescrições fiscais. Não se entende porque é que, reiteradamente, o Governo se recusa a abordar este tema de forma clara. Não o fez em 2006, volta a não fazê-lo este ano. De que é que o Governo tem medo?

Uma outra questão relacionada com esta e de que o Governo também tem fugido. Qual é a evolução líquida da dívida fiscal? Sabemos que ela atinge em 2006 entre 16 e 17 mil milhões de euros, cerca de 50% da receita arrecadada. Mas nada é dito sobre a sua evolução, se tem aumentado ou diminuído (isto é, se as execuções fiscais mais as prescrições são na globalidade maiores ou menores que a dívida contraída no próprio ano). E o que parece é que o saldo é negativo, e que a dívida contraída supera em muito o valor das cobranças coercivas com o valor das prescrições, fazendo com que o stock da dívida aumente em termos líquidos.

Se assim for, este dado tem enorme relevância política porque mostra que o Governo, não obstante este tipo de relatórios e da sua importância, não encontrou afinal respostas eficazes para obter níveis de cobrança efectiva capazes de impedir níveis anuais inaceitáveis de acumulação de dívidas ao Estado. Todos sabemos as consequências que a manutenção desta situação acarreta, designadamente ao nível do tecido económico e, sobretudo, ao nível da sobrecarga fiscal desnecessária sobre quem trabalha e cumpre as suas obrigações fiscais.

Há que encarar este combate com determinação, com ambição e com coragem para afrontar interesses instalados e práticas retrógradas. E é esta postura política que o Governo não quer assumir!

Disse.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados,

Sr. Ministro:

Ousava terminar este debate lançando alguns desafios ao Governo, que, se os aceitasse, melhoraria, com certeza, daqui a um ano, a qualidade dos resultados do combate à fraude e evasão fiscais.

O primeiro desafio é o de que o próximo relatório aborde de forma clara, extensa e rigorosa a questão das prescrições fiscais, permitindo-nos conhecer o seu montante e a sua origem, isto é, saber se ocorrem em sede de IVA, de IRC ou de IRS ou de outros impostos. Gostaria ainda que o próximo relatório nos permitisse conhecer a forma como a administração tributária tem tratado esta questão das prescrições fiscais, que todos os anos tem atingido valores superiores a 200 000 000 €.

O segundo desafio é o de que o próximo relatório aborde, pela primeira vez na sua história curta de dois anos, a evolução da dívida global ao Estado, permitindo-nos saber o que é maior, se o volume de prescrições e de execuções fiscais ou se o valor da dívida contraída. O próximo relatório poderia ainda permitir-nos saber qual é, em termos globais, a evolução líquida da dívida em termos anuais, que é a melhor forma de termos uma ideia aproximada da eficácia global da administração tributária.

O terceiro desafio é o de que o próximo relatório volte a apresentar estimativas sobre o peso da economia paralela em Portugal. É que o relatório deste ano, apesar de o Sr. Deputado Victor Baptista o considerar o melhor dos últimos 50 anos, lamentavelmente, abandonou estas estimativas.

 Gostaria ainda que pudéssemos saber qual é a evolução deste flagelo desde 2004. Suponho que tal não seja difícil, Sr. Ministro! Em 2004, a economia paralela representava, segundo o governo, 22% do PIB. Queremos saber, mesmo que de forma estimada, que peso é que a economia paralela vai representar em 2007, Sr. Ministro. Queremos que o Governo adopte indicadores que permitam estimar este valor, deixando o País, com o próximo relatório, conhecer a verdade.

Quarto e último desafio: que no próximo relatório o Governo abandone o jogo virtual de enfatizar o número de derrogações do sigilo bancário. Isto porque 800 casos de levantamento do segredo bancário por ano é um número quase ridículo, se o compararmos com o que sucede na Europa, nomeadamente nos países onde há boas práticas nesta matéria, Sr. Ministro.

Ufanar com 837 casos de levantamento do sigilo bancário é absolutamente ridículo!

Queremos que a polémica termine de vez, que o Governo se dote de todos os instrumentos de informação bancária genérica que permitam ao Estado um combate eficaz e a obtenção de resultados significativos no combate à grande fraude fiscal. Sem estes instrumentos, estamos convencidos, Sr. Ministro, pouco ou nada se fará em relação ao combate ao crime organizado. O Governo continuará a detectar os «pilha-galinhas», mas certamente que deixará fugir, por «entre as malhas da rede», o «peixe graúdo», que importaria «pescar».

Que o Governo tenha a coragem para combater as visões retrógradas de uma direita «arqueológica», de uma direita ultramontana,  e que o Governo tenha a ambição de encetar um caminho decisivo para uma maior justiça fiscal em Portugal.

 

 

 

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