Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

Com o IVA 0 o Governo lavou a cara e ajudou as cadeias da grande distribuição

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Senhor Presidente

Senhoras e senhores deputados,

Senhores membros do Governo,

 

O IVA Zero foi apresentado como se fosse uma panaceia para o problema dos preços dos bens alimentares essenciais.

Numa altura em que os lucros da Jerónimo Martins, Sonae e outras aumentava exponencialmente, à custa dos baixos preços pagos aos produtores, e dos altos preços cobrados aos consumidores, como aliás continua a acontecer, o Governo procurou, com esta medida, lavar a face da grande distribuição, e fazer mais uma vez política de direita.

Política de direita, porque considerar que as margens de lucro são intocáveis, que o Estado nada pode fazer para controlar margens e preços – nem numa situação de excecionalidade mais que justificada – e colocar toda a tónica nos impostos, é servir a lógica da direita e os interesses da grande distribuição.

Política de direita, porque o Governo não quis ir ao fundo do problema: é que estes grupos, como a Jerónimo Martins ou a Sonae, têm um demasiado domínio sobre toda a cadeia – da produção ao consumo – e por isso usam a sua posição dominante, e mesmo de cartel, para esmagar produtores e consumidores, para fazer concorrência desleal ao pequeno comércio, para pagar salários de miséria aos seus trabalhadores, e assim garantir milhões de lucro.

E aí estão os lucros: Em 2021, 2022 e no que já se conhece de 2023, a Sonae fez 885 milhões de euros de lucro; e a Jerónimo Martins fez 1.454 milhões de euros de lucro: 1 milhão e 500 mil euros de lucro POR DIA ao longo destes anos de enormes dificuldades para a esmagadora maioria da população.

O IVA Zero tocou ZERO nos lucros da grande distribuição.

Na verdade, muitos preços continuaram a aumentar; outros baixaram, mas não no montante da redução de IVA.

O cabaz de preços da DECO custava 138,78€ no dia 17 de abril de 2023, dois dias antes da entrada em vigor do IVA Zero.

Hoje, o mesmo cabaz está a 133,58€, ou seja, apenas menos 3,7 pontos percentuais. Portanto menos do que os 6 pontos percentuais que baixou o IVA. Ou seja, como se previa, parte da redução fiscal foi apropriada pela grande distribuição, décima a décima, ao longo destes meses.

 

Há ainda uma outra agravante. É que se houve preços que não baixaram com o IVA Zero, uma coisa é certa: quando o IVA voltar para os 6%, aí de certeza que os preços aumentam pelo menos 6% (com os arredondamentos, mais ainda). Portanto, IVA Zero sem controlo de preços é isto: quando baixa o IVA, o preço mantem-se, em alguns casos aumenta, noutros até baixa mas menos que a redução do imposto; quando sobe de novo o IVA, aí é certo que tudo aumenta.

É por isso que o PCP insiste na proposta de criar um preço de referência para um conjunto de bens essenciais. Um preço de referência com base nos custos reais e numa margem não especulativa, proibindo a venda a um preço superior sem justificação atendível.

Sabemos que, nem o PS, nem o PSD, a IL e o Chega, querem qualquer medida para limitar os lucros abusivos destas multinacionais.

Mas oiçam o que diz o FMI num comunicado de Junho último:

“A elevação dos lucros das empresas é responsável por quase metade do aumento da inflação na Europa nos últimos dois anos, com as empresas elevando os preços acima da forte alta dos custos com a importação de energia. Agora que os trabalhadores estão pressionando por salários mais altos para recuperar o poder de compra perdido, as empresas talvez tenham de aceitar uma parcela menor dos lucros para que a inflação continue no rumo certo”

Pois é. Até o FMI o diz: para controlar a inflação, é preciso aumentar salários; e é preciso cortar na raiz desta inflação, que são os lucros das multinacionais.

Haja vontade política, que propostas não faltarão, como esta que aqui apresentamos, e outras que teremos oportunidade de apresentar no Orçamento do Estado.

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