Em nome do Partido Comunista Português quero saudar todos os presentes e, particularmente, agradecer a todos os que contribuíram com o seu trabalho e a sua arte para dar um maior relevo e significado a esta sessão evocativa do centenário do nascimento de António Dias Lourenço, destacado dirigente comunista e resistente antifascista, operário, jornalista, escritor, homem de cultura, de profundas e firmes convicções, que desde muito jovem tomou o partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo. Um revolucionário que fundiu a sua vida com a luta do Partido Comunista Português, a que aderiu aos 16 anos de idade, pela causa da liberdade e da democracia, do socialismo e do comunismo. Um revolucionário que se entregou a esta causa com enormes abnegação, dedicação e coragem, e a alegria transbordante bem expressa na sua afirmação de que «estar neste combate é uma felicidade».
A exposição que aqui está patente e o vídeo que acabámos de ver mostram a caminhada exaltante deste resistente e revolucionário comunista, que foi Dias Lourenço. Uma vida de total entrega à luta. Opção e ousadia que pagou com torturas brutais, privações, sacrifícios, uma longa separação dos filhos (Dias Lourenço estava preso quando ocorreu a morte trágica de um filho pequeno).
António Dias Lourenço nasceu a 25 de Março de 1915, em Vila Franca de Xira, no ambiente operário das fábricas do baixo Ribatejo que o início do século XX vira surgir, no processo de industrialização então em curso – a fábrica Cimentos do Tejo, as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, a Soda Póvoa, entre tantas outras.
Como muitos vilafranquenses da sua geração – os «homens que nunca foram meninos» de que falava Soeiro Pereira Gomes nos Esteiros – aos 13 anos começa a trabalhar. Durante quase década e meia foi torneiro-frezador nas OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (em Alverca) e na Soda Póvoa (em Póvoa de Santa Iria).
O ambiente das fábricas, o contacto com a classe operária e a suas lutas, o ambiente das colectividades onde desenvolveu uma intensa actividade cultural, a consciência de classe que cedo adquire perante a exploração capitalista, levam-no à luta dos trabalhadores e ao Partido Comunista Português, de que se tornaria militante em 1931.
Dias Lourenço tornou-se, portanto, comunista na época em que a ofensiva fascista contra os trabalhadores e o PCP, já estava em marcha, os horizontes bastante sombrios, Salazar e a reacção internacional colocavam como tarefa universal a liquidação do movimento comunista e operário organizado, nas cadeias fascistas jaziam centenas de comunistas e o PCP, ilegalizado desde 1927, enfrentava enormes dificuldades.
Mas era igualmente a época em que homens e mulheres, abnegada e corajosamente, erguiam a organização clandestina do PCP para dar combate ao fascismo, organização que iniciada com a reorganização em 1929 – trabalho nas empresas, reorganização do movimento sindical (formação da CIS – Comissão Intersindical), desenvolvimento da luta reivindicativa de massas, constituição de outras organizações unitárias, um aparelho técnico – fez do PCP um partido marxista-leninista, vanguarda dos trabalhadores e da resistência antifascista, que durante décadas quase sozinho com os trabalhadores organizou um sem fim de lutas pelo pão, contra a repressão, pela unidade dos democratas, pela liberdade.
Orientações e medidas que irão determinar o percurso de Dias Lourenço, que milita nas células das empresas onde trabalha, dirigindo lutas reivindicativas e assume importante papel no desenvolvimento da organização partidária em Vila Franca de Xira e no Baixo Ribatejo até 1941. Integrou o Comité Local de Vila Franca de Xira e o Comité Regional do Ribatejo, pelo qual foi responsável.
Participou activamente na jornada de 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos levada a cabo pelo Estado fascista de Salazar, por inspiração na Carta del Lavoro de Mussolini.
Nos anos 30, fez acompanhar a sua militância comunista de uma intensa actividade cultural, colaborando em jornais como O Diabo, Sol Nascente, O Mensageiro do Ribatejo e República.
Em 1942, com 27 anos de idade, tornou-se funcionário do Partido, ano em que passou à clandestinidade e assumiu responsabilidade por tipografias e pelo aparelho central de distribuição da imprensa do Partido.
Teve participação activa na reorganização dos anos 40/41, nomeadamente no Baixo Ribatejo e Alentejo. Foi ainda responsável por várias organizações, como a do Algarve, Beiras, Margem Sul do Tejo, tendo integrado também a Direcção da Organização Regional de Lisboa, onde se desenvolvem lutas em diversos sectores – corticeiros, construção civil, camponeses, das populações contra o racionamento e falta de géneros.
Com a realização do III Congresso do PCP, em 1943, ingressa no Comité Central, ao qual pertencerá durante 53 anos.
Na qualidade de militante e destacado dirigente do PCP na clandestinidade integrou os organismos dirigentes das greves de Julho-Agosto de 1943 e de 8 e 9 de Maio de 1944. Foi responsável pela organização e direcção das greves da construção naval, em 1947. Esteve ainda ligado às greves de 1957/1958, ao 1.º de Maio de 1962 e à luta pelas 8 horas de trabalho nos campos.
Foi representante do Partido no Conselho Nacional do MUNAF – Movimento de Unidade Nacional Antifascista, movimento de ampla unidade alcançada entre comunistas, socialistas, republicanos e personalidades de grande relevo.
Foi responsável pel’ O Camponês em 1949, pelo Avante! de 1957 a 1962 e primeiro director do Avante! legal, de 1974 a 1991.
Teve papel importante na organização dos chamados «Passeios do Tejo», nos anos 40/41 do século passado, ponto de encontro e de convívio, de debate de ideias e de problemas da cultura, entre operários e destacados intelectuais, entre outros, Álvaro Cunhal, Alves Redol, José Gomes Ferreira, Lopes Graça, Soeiro Pereira Gomes - encontros que contribuíram para a intervenção antifascista de grandes figuras da intelectualidade e para a criação do movimento neo-realista.
A 17 de Dezembro de 1954, evadiu-se do «segredo» do Forte de Peniche, protagonizando uma das mais audaciosas e espectaculares fugas, que inspirou, aliás, os filmes «A Fuga» e «O Segredo».
Sobre esta fuga considero necessário dizer algo mais. Ouvindo-se Dias Lourenço falar como falou da fuga, dir-se-ia que se tratou da coisa mais banal do mundo e, no entanto, a fuga de Dias Lourenço do “segredo” do Forte de Peniche – a cela disciplinar onde eram metidos os presos sujeitos aos mais duros castigos – preparada laboriosamente durante semanas no mais completo isolamento, pelos complexos problemas que teve de resolver para sair do “segredo”, pela dura prova a que foi submetido ao ter que enfrentar durante quase duas horas um mar de forte ondulação e gélido como é o mar em Dezembro, esta fuga deve ser muito justamente considerada como a mais audaciosa e corajosa fuga individual das que tiveram lugar a partir das cadeias fascistas.
Quando Dias Lourenço consegue vencer o mar e põe pé em terra firme encontrava-se exausto e num estado de hipotermia muito perto do limite.
Dias Lourenço deu provas de uma coragem sem limites, serenidade perante uma situação extremamente perigosa, capacidade de mobilizar energias para ultrapassar tão dura prova, enorme disposição de arriscar a própria vida para retomar o seu posto de combate e servir o Partido.
Uma coragem que se agiganta nas suas profundas convicções ideológicas.
Uma vez alcançada a liberdade, retoma a actividade clandestina, pondo em evidência a sua têmpera de revolucionário comunista que entendia a vida como uma luta constante contra o fascismo, por um Portugal democrático, livre da exploração do homem pelo homem.
É chamado à Comissão Política em 1956 e ao Secretariado em 1957, no quadro de realização do V Congresso.
Em representação do PCP participou em importantes iniciativas internacionais, nomeadamente, no 40.º aniversário da Revolução de Outubro em Moscovo e na Conferência Internacional de Partidos Comunistas e Operários, na sequência da qual viria, um ano depois, a apresentar um trabalho sobre «o internacionalismo proletário e as tarefas do Partido». Integrou o núcleo de dirigentes do PCP que organizou a saída clandestina de Portugal de Agostinho Neto, no quadro da solidariedade do PCP aos movimentos de libertação nacional das ex-colónias portuguesas e no combate à guerra colonial
Foi preso de novo em Junho de 1962. Ao todo, passou 17 anos nas prisões do fascismo. Brutalmente torturado – espancamentos, tortura do sono, tortura psicológica em relação aos filhos presos com ele ainda crianças – teve sempre um comportamento digno.
Encontrava-se na cadeia do Hospital-Prisão de Caxias quando se deu o levantamento militar e popular do 25 de Abril. Libertado no dia 26 de Abril, passa imediatamente a integrar o trabalho de direcção do Partido nas novas condições de liberdade e democracia, como membro do Comité Central.
É como membro da direcção do PCP que se encontra no Aeroporto de Lisboa à chegada de Álvaro Cunhal, no dia 30 de Abril de 1974. Participa na comissão unitária que preparou o primeiro 1.º de Maio em liberdade. É ainda nessa qualidade que recebe do Partido a tarefa de dirigir o Avante! legal, entre Maio de 1974 e Dezembro de 1991. Avante! legal cuja primeira edição a 17 de Maio de 1974, de 500 000 exemplares, seria vendida nas ruas e locais de trabalho, de norte a sul do País. Na primeira página pode ler-se «os comunistas no Governo Provisório», notícia que projecta a real influência do único partido que resistiu à ditadura fascista e assim passa rapidamente a assumir responsabilidades no governo do País.
Teve também a responsabilidade da Direcção da Organização Regional das Beiras.
Durante o período de avanço do processo revolucionário Dias Lourenço mantém uma multifacetada intervenção como Director do Avante! e dirigente do PCP procurando participar e influenciar todos os grandes acontecimentos do processo revolucionário, lutando pelo reforço do Partido, em defesa da aliança Povo-MFA, na dinamização da acção de massas, intervindo na batalha ideológica, na construção da unidade e convergência com intelectuais e todas as camadas não monopolistas e na acção institucional.
Dias Lourenço foi desde os primeiros dias da Revolução de Abril até ao fim da sua vida, um destacado activista na batalha do esclarecimento e da informação. Interveio sobre cada fase da edificação da democracia e na denúncia dos métodos e daqueles que a queriam liquidar. Foi assim no período do processo revolucionário, enaltecendo as grandes conquistas de Abril que acompanharam a conquista da liberdade, o controlo operário, as nacionalizações e a Reforma Agrária.
Foi assim na denúncia dos golpes contra-revolucionários, de que se destaca a sua coragem no 11 de Março de 1975 no RAL 1 (RALIS), intervindo em defesa da Revolução. Foi assim nos numerosos comícios e sessões de esclarecimento que se realizaram por todo o País, nomeadamente nas campanhas eleitorais do PCP para a Assembleia Constituinte e nas eleições para as autarquias e legislativas, no quadro das diversas alianças eleitorais que o PCP integrou – FEPU, APU, CDU.
Participou, como deputado eleito pelo círculo eleitoral de Setúbal, no processo de elaboração da Constituição da República Portuguesa de 1976, que espelhou as grandes conquistas da Revolução. Foi eleito 5 vezes deputado, entre 1976 e 1985, pelos círculos eleitorais de Coimbra e Santarém, reconhecendo as eleições como uma importante forma de intervenção política, na sua articulação com a luta de massas como factor determinante e decisivo.
Dias Lourenço tinha uma enorme alegria de viver, de conviver, de debater. De transmitir, particularmente à juventude, o que foi o fascismo o que o levava a acompanhar numerosos grupos à Cadeia do Forte de Peniche. Mas, valorizava em particular o contacto directo com os trabalhadores e com o povo, onde ia buscar a imensa energia para a sua acção revolucionária. Participa em seminários e conferências sobre os mais diversos temas onde expõe os objectivos da Revolução e do PCP.
Dias Lourenço no quadro da batalha ideológica associada à libertação do País da ditadura fascista participou sob diversas formas – escrita, intervenções, entrevistas – não só na divulgação do programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional, e do seu projecto de sociedade, como foi um intrépido propagandista da realidade dos países socialistas, das suas realizações e da experiência de construção do socialismo. Integrou delegações do PCP na muito intensa actividade internacional pós 25 de Abril e, como director do Avante!, manteve numerosos contactos com órgãos centrais de outros partidos comunistas a quem concedeu entrevistas sobre a revolução portuguesa e participou, em Outubro de 1974, em Praga, na Conferência da Imprensa Comunista, organizada pela Revista Internacional.
Realizou uma importante viagem de informação a vários países sobre o processo revolucionário e de apelo à solidariedade com a Revolução Portuguesa.
Como dirigente do PCP e director do Avante!, Dias Lourenço foi um grande impulsionador da Festa do Avante!, a que atribuía uma grande importância como iniciativa política, cultural e popular de massas, que viveu sempre com uma enorme alegria. Interveio em todos os seus Comícios entre 1976 e 1991.
Enquanto director do Avante! foi um seu incansável divulgador e dinamizador, acompanhou o seu projecto, construção e realização com grande empenho e entusiasmo.
Como iniciativa sem paralelo no plano político e cultural, a Festa foi, desde a sua 1ª edição (1976 na FIL), sujeita a perseguições. Nesse ano, a colocação de uma bomba na véspera da sua inauguração não resultou como ameaça para as dezenas de milhar de participantes que acorreram desde o momento da sua abertura.
Seguiram-se obstáculos que obrigaram a que mudasse várias vezes de local – Vale do Jamor, Casalinho da Ajuda, Quinta do Infantado o que viria a colocar ao PCP a exigência da aquisição de um terreno para a sua realização.
Foi assim que a Festa passou a realizar-se a partir de 1990, na Quinta da Atalaia, adquirida através da “Campanha dos 150 mil contos”.
A Festa – como tantas vezes sublinhou Dias Lourenço – continuará a afirmar-se como a maior realização político-cultural do nosso País, uma Festa onde serão expostos e vividos os valores, o ideal e o projecto comunistas. Uma festa que será sempre uma grandiosa demonstração da capacidade da organização e realização do Partido Comunista Português.
A aquisição da Quinta do Cabo e a campanha de fundos em curso revelam a confiança do PCP na sua força, na sua ligação às massas, no futuro e na validade do seu projecto de sociedade – o socialismo - causa a que Dias Lourenço dedicou a sua vida.
Escreveu poesia, contos e novelas. Desenhou e pintou. Prefaciou vários livros, nomeadamente de Soeiro Pereira Gomes. Em 1995, publicou o livro «Vila Franca de Xira, um Concelho no País: Contribuição para a história do desenvolvimento sócio-económico e do movimento político-cultural»; em 1997, publica a obra «Alentejo – Legenda e Esperança» e em 2004, o livro «Saudades... não têm conto!» um livro de correspondência com o filho, que morreu com a idade de 10 anos quando Dias Lourenço se encontrava preso.
António Dias Lourenço, o camarada «João», deixou-nos para sempre no dia 7 de Agosto de 2010, aos 95 anos de idade, quando tinha completado 79 anos de militância comunista, a que se entregara ainda muito jovem e à qual deu o melhor da sua vida, com muita coragem e abnegação.
A afirmação perante o Tribunal fascista de que esperava manter até ao último alento de vida a condição de militante comunista, e que não concebia outra vida que não fosse dar tudo ao seu Partido e aos seus ideais, foi inteiramente cumprida.
Os muitos riscos que correu, os momentos difíceis que viveu, as torturas e os anos de prisão que sofreu, nunca condicionaram a determinação de entrega plena à luta «pelos nobres ideais e os princípios superiores que norteiam o Partido Comunista».
Dias Lourenço participou em mil combates. Combates que considerava uma felicidade poder travá-los. A sua presença e da sua palavra tão próxima das nossas vidas irradia ainda aquela imensa alegria, aquela inexcedível confiança no futuro do nosso Partido, do seu projecto e da nossa luta comum que tem no horizonte a realização da sociedade nova.
A alegria e confiança que lhe advinha da sólida convicção de que o ideal comunista que abraçou e orientou a sua vida de intrépido revolucionário é imorredouro, bem patente nas suas palavras ditas já sob o peso dos muitos anos de uma vida cheia de grandes e duros combates “o que me faz mais feliz é ver toda essa gente nova que vem ao Partido, para pegar na bandeira e andar para a frente”.
A bandeira que essa gesta de lutadores heróicos e de construtores do Partido de que Dias Lourenço fazia parte e a quem muito devemos a liberdade conquistada em Abril, transportaram e, com aquela genuína alegria que Dias Lourenço expressava, no-la entregaram carregada de história, de futuro e de esperança numa vida melhor para o nosso povo.
Essa bandeira que orgulhosamente seguimos e nos guia, como nos guia o exemplo desses revolucionários íntegros como Dias Lourenço que é fonte de inspiração para os combates de hoje contra a política de direita que há 38 anos prossegue o rumo de destruição das conquistas da Revolução de Abril e que tem conduzido o País ao declínio; contra um governo que tomou como desígnio o agravamento da exploração e o empobrecimento dos trabalhadores e do povo; pela afirmação e concretização de uma alternativa patriótica e de esquerda capaz de retomar os caminhos de Abril e reafirmar os seus valores e conquistas; por uma democracia avançada.
Essa bandeira que queremos honrar, como sempre a honrou Dias Lourenço, levando-a cada vez mais longe e para erguer cada vez mais alto o ideal da construção de uma terra sem amos, esse sonho milenar de construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo outro homem e pela qual Dias Lourenço e os homens da geração a que pertenceu entregaram o melhor do seu saber e das suas vidas feitas de coerência, coragem, trabalho abnegado que garantiram o papel do PCP como vanguarda na luta por um Portugal livre, de progresso e soberano, pela democracia, o socialismo e o comunismo.