Apresentação do livro «5 Obras de Álvaro Cunhal»

Apresentação do livro «5 Obras de Álvaro Cunhal»

 

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP,
na apresentação do livro «5 Obras de Álvaro Cunhal – Contributo para a história e luta dos comunistas e do povo português»

Em Novembro do ano passado, o nosso Partido levou por diante uma série de debates em torno de cinco obras do camarada Álvaro Cunhal: «O Informe Político e o Informe sobre Organização ao IV Congresso», e o «Prefácio» à reedição desses textos; «Rumo à Vitória – As Tarefas do Partido na Revolução democrática e Nacional»; «A Revolução Portuguesa – O Passado e o Futuro»; «O Partido com Paredes de Vidro»; e «A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se)».

Integrava-se essa iniciativa no vasto conjunto de realizações levadas a cabo, em todo o colectivo partidário, por ocasião das comemorações do 85º aniversário do PCP. E, naturalmente, não foi fruto do acaso que a inauguração da exposição alusiva às referidas cinco obras e a realização do primeiro desses debates, tenham ocorrido em 10 de Novembro, dia do nascimento do camarada Álvaro Cunhal. Da mesma forma que não foi fruto do acaso o facto de, este ano, o lançamento do I Volume das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal se ter efectuado em 6 de Março, dia do aniversário do nosso Partido.

Assim foi porque assim quisemos que fosse, com a consciência plena da importância e do significado de evocarmos o contributo singular dado pelo camarada Álvaro Cunhal – pela sua acção e pela sua obra revolucionárias, e pelo seu exemplo militante – à construção, à vida, à intervenção, à luta, deste Partido que é o nosso.

Com efeito, a obra teórica, a vida e a militância de Álvaro Cunhal – constituindo um todo inseparável – fundem-se de tal forma com a história do Partido, são de tal forma parte integrante, e maior, dessa história, que constituem factores determinantes e incontornáveis na apreciação do longo, complexo e difícil processo de construção do PCP – um processo que, como sabemos, é interminável e ininterrupto; que está sempre incompleto; que sempre nos deixa insatisfeitos por pensarmos, em cada etapa, que podíamos ter ido mais longe; e que sempre nos deixa satisfeitos por constatarmos, em cada etapa, que o trabalho deu frutos e avançámos alguns passos; um processo contínuo que nos coloca, hoje, todos os dias, a responsabilidade de o prosseguir, tornando o Partido cada vez mais forte, afirmando-o na teoria e na prática com a sua identidade, e passando às gerações futuras o testemunho de prosseguirem o esforço de construção deste projecto colectivo que é o nosso Partido Comunista Português.

Sublinhe-se, por isso, que esse todo inseparável que é o singular contributo teórico e militante de Álvaro Cunhal, nasceu, cresceu, desenvolveu-se e concretizou-se, incorporando sempre a opinião e a experiência colectivas. A opção de vida que, para Álvaro Cunhal, constituiu a sua adesão ao ideal comunista, não é um caso isolado, não constitui uma excepção: ele é um entre muitos exemplos de comunistas que, ao longo de várias gerações e até à actual geração, dedicaram as suas vidas ao Partido.

Da mesma forma, a obra teórica de Álvaro Cunhal não é produto de uma reflexão isolada da realidade que é o colectivo partidário: bem pelo contrário, ela assimila, integra e sintetiza de forma exemplar, a reflexão desse colectivo, dando-lhe a dimensão e a profundidade que lhe conhecemos.

Assim, do Partido Comunista Português – do seu processo e caminhos de construção, da sua evolução ao longo dos tempos até aos dias de hoje – podemos dizer que ele é obra, essencialmente, de um amplo, dedicado, corajoso e fraterno colectivo comunista que tem em Álvaro Cunhal o seu mais destacado elemento. E a obra teórica e o exemplo de militante de Álvaro Cunhal constituem decisivos pontos de partida para as lutas de hoje, como o constituirão para as lutas do futuro e para o sempre necessário e indispensável reforço do Partido. Reforço orgânico, reforço ideológico, reforço interventivo, reforço da ligação às massas trabalhadoras e ao consequente aumento da influência social e política – reforço que, na linha das orientações e medidas traçadas pelo nosso XVII Congresso, temos vindo a concretizar com assinalável êxito, confirmando que sim, é possível um PCP mais forte. O que nos coloca a responsabilidade colectiva, não apenas de prosseguir esse trabalho mas de o intensificar e de, na base das diversificadas experiências adquiridas, lhe imprimirmos o conteúdo e a dinâmica com os quais poderemos dar significativos passos em frente no caminho dos objectivos que traçámos. Trata-se, ao fim e ao cabo, de darmos expressão concreta a um princípio essencial do funcionamento e da prática do Partido: definir colectivamente as orientações e, colectivamente, concretizá-las.

Estamos aqui, hoje, a proceder ao lançamento público, de um pequeno volume composto pela intervenção de abertura da iniciativa de invocação dessas cinco obras do camarada Álvaro Cunhal, mais as cinco intervenções que, em vários pontos do País e em várias organizações do Partido, abriram os debates em torno de cada uma delas.

Podemos dizer-vos que o balanço que hoje fazemos da experiência que foram esses debates é altamente positivo: muitas centenas de camaradas participaram neles, enriquecendo-os e enriquecendo a sua preparação política, ideológica, partidária – assim confirmando a utilidade e a importância da iniciativa e a necessidade óbvia de lhe dar continuidade.

Na realidade, a complexidade e os perigos da situação que hoje se vive no nosso país e no mundo, coloca-nos, a nós, militantes comunistas, exigências a que temos que dar a resposta que se espera de militantes de um partido com as características, as responsabilidades e a história do nosso Partido. E estamos certos de que o nosso grande colectivo partidário continuará a responder ao que dele se espera.

Vivemos sob o fogo cerrado de uma das mais fortes ofensivas ideológicas de sempre. Uma ofensiva que, dispondo de poderosos meios de difusão e de intervenção, tem entre outros objectivos o de impor o capitalismo como etapa final da história da humanidade e, assim, perpetuar a sociedade baseada na exploração e na opressão do homem pelo homem. Essa ofensiva visa, complementarmente, apagar a história e o papel do PCP e arrumá-lo – e ao seu projecto e aos seus ideais – como coisa do passado, incompatível com a «modernidade» de que estariam possuídos os promotores e executores dessa ofensiva. Ou seja: de acordo com esses ideólogos ao serviço do grande capital, «modernidade» significa desemprego, emprego precário, «flexigurança», salários baixos, reformas e pensões de miséria, degradação das condições de vida, repressão e chantagem sobre trabalhadores em greve, destruição de serviços públicos essenciais, violação de direitos, liberdades e garantias, envolvimento de Portugal em guerras ao serviço das ambições hegemónicas do imperialismo.

E, ainda segundo eles, o nosso projecto e os nossos ideais de justiça social, de liberdade, de solidariedade, de paz, de independência nacional, seriam velharias desfasadas dessa «modernidade» e dessas «novas realidades» por eles apregoadas.

Ora, a realidade concreta da sociedade em que vivemos mostra todos os dias precisamente o contrário do que eles apregoam: mostra todos os dias que a «modernidade» de que falam não passa da repescagem (aproveitando uma correlação de forças que lhes é favorável) de tudo o que de mais retrógrado e anti-civilizacional marcou o último século e meio da história do nosso País, em matéria de relações laborais, de justiça social, de respeito pelos direitos humanos. E é essa mesma realidade concreta que evidencia todos os dias a pertinência, a dimensão humana, a actualidade do projecto e dos ideais comunistas – e a importância fundamental da existência de um partido com as características do PCP: um partido comunista, revolucionário, firme na sua ideologia e nas suas convicções, unido e coeso, sempre procurando aprofundar a sua ligação aos trabalhadores e aos seus anseios, interesses e direitos; sempre tendo como referência essencial a independência e a soberania nacionais, e sempre procurando fortalecer-se e estar cada vez mais apto para dar resposta aos muitos e complexos desafios que se lhe colocam.

É no quadro desta ofensiva ideológica que o debate colectivo em torno da obra teórica do camarada Álvaro Cunhal – e, neste caso, das cinco obras hoje aqui assinaladas – assume uma importância crucial.

Com efeito, trata-se de cinco obras que, pelos temas que abordam e pela profundidade e lucidez com que o fazem; pela sábia e criativa utilização do marxismo-leninismo nas análises produzidas; pela relevância que tiveram ao tempo da sua publicação e pela sua actualidade na situação actual; pelo que nos trazem de ensinamentos, de experiências reflectidas, de perspectiva crítica e autocrítica, de coragem na assunção dos erros e na sua consequente correcção, enfim, por todo um vasto conjunto de razões, constituem um precioso património do nosso colectivo partidário e um material de estudo imprescindível à formação dos militantes comunistas.

Nestas obras, tomamos contacto com aspectos essenciais da história e da luta dos comunistas portugueses, do papel e da influência do PCP na história do nosso País e nas mais importantes realizações e conquistas do povo e dos trabalhadores portugueses. Nelas encontramos a abordagem, a análise e a reflexão sobre momentos marcantes da história do nosso País e do mundo durante várias décadas. Nelas encontramos o Portugal do IV Congresso do PCP, realizado “num momento crucial da História do século XX» – um ano após a derrota do nazi-fascismo – num «dos períodos de mais força do PCP na luta contra a ditadura», produzindo e definindo as «suas análises, orientações e decisões» que viriam a confirmar-se determinantes para a intensificação da luta contra o fascismo e pela democracia e pela liberdade.

Nestas obras, revisitamos e relembramos a situação nova e plena de potencialidades que se seguiu à derrota do nazi-fascismo e, igualmente, a adaptação do fascismo salazarista a essa situação, com o apoio dos seus novos aliados, os EUA e as democracias burguesas europeias, e a resposta dada a essa nova realidade, a partir da definição da via para o derrubamento do fascismo e da concretização de uma ampla unidade democrática e antifascista na qual o PCP desempenhou papel determinante.

No «Rumo à Vitória» – cujo tema central é “a linha política e táctica do Partido na actual etapa revolucionária” – encontramos a análise profunda e rigorosa da sociedade portuguesa nos anos 60 nos planos económico, social, político e cultural; a caracterização rigorosa do capitalismo em Portugal e do seu enquadramento internacional; a definição com rigor da ditadura fascista, com a caracterização da sua natureza de classe e com a enunciação dos traços essenciais da sua crise geral; e a resposta necessária: o aprofundamento da linha do levantamento nacional, tendo na luta de massas o seu caminho principal e dando a maior relevância à unidade antifascista – e procedendo, de forma genial, à caracterização da natureza da revolução que haveria de pôr termo ao regime fascista: a Revolução Democrática e Nacional, com os seus sete objectivos fundamentais.

Num momento em que, como insistentemente temos sublinhado e denunciado, está em curso um poderosa operação de branqueamento do fascismo – procurando transformar o regime terrorista, que durante quase meio século oprimiu, sufocou e reprimiu o povo português, num regime tolerável e aceitável, e apagando o papel da resistência antifascista – a leitura e a reflexão em torno destas obras apetrechar-nos-á melhor para dar resposta a essa ofensiva e para cimentar no povo português todo o significado da nossa palavra de ordem «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais».

Álvaro Cunhal acompanha e analisa a par e passo o período dos últimos anos do fascismo, do acentuar da crise do regime com o desenvolvimento e o ascenso da luta de massas. Do derrubamento do fascismo. Da conquista da liberdade. Do avanço impetuoso do processo revolucionário, da conquista das profundas transformações democráticas da sociedade portuguesa – culminando com a consagração, na Constituição de Abril, de uma democracia avançada correspondendo aos anseios e aspirações da imensa maioria dos portugueses e, por isso, correspondendo aos interesses reais dos trabalhadores, do povo e do País.

Nestas obras, encontramos a análise à acção contra-revolucionária visando a recuperação capitalista, agrária e imperialista, desenvolvida com o recurso a todos os meios disponíveis – desde os volumosos fundos provenientes das grandes potências capitalistas com os quais compraram pedaços da nossa independência, até ao recurso a práticas terroristas – confessadas pelos próprios terroristas quando os avanços da contra-revolução lhes devolveram a arrogância fascista que o 25 de Abril lhes tirara – passando pelas «santas alianças» construídas ao serviço dos interesses, não de Portugal e do povo português, mas dessas potências capitalistas. Enfim, uma acção contra-revolucionária na qual os seus protagonistas recorreram a todos os meios a que o grande capital recorre, em todo o mundo, para impor o seu domínio e para impedir que sejam os povos de cada país a decidir o seu próprio destino.

Aqui encontramos, ainda, a lúcida demonstração de que essa ofensiva contra as grandes conquistas socio-económicas da revolução de Abril viria, inevitavelmente, acompanhada de graves limitações às liberdades, direitos e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos – como a realidade veio a confirmar de imediato e como o confirma e acentua a situação que hoje vivemos em consequência da brutal ofensiva antidemocrática da política de direita praticada pelo Governo PS/José Sócrates. E em todas as expressões que essa ofensiva assume, o que ressalta é o medo e o ódio ao projecto novo, livre, justo – esse, sim, carregado de modernidade – contido na democracia de Abril.
 
E sempre, sempre, em cada uma destas cinco obras, o Partido.

Nelas acompanhamos o complexo, criativo e exaltante processo de construção do PCP como partido revolucionário, com as suas características próprias, moldadas por um conjunto de referências essenciais na sua complementaridade indissociável e que – incorporando a natureza de classe, o projecto, a ideologia, as normas de funcionamento democrático interno, a ligação às massas e o carácter simultaneamente patriótico e internacionalista – lhe conferem uma identidade específica que constitui a sua fonte de força fundamental e situam as raízes que nos fazem resistir e crescer.

Nelas marca presença constante a preocupação com o reforço do Partido, visível desde os primeiros passos do desenvolvimento teórico da concepção de partido comunista, domínio no qual Álvaro Cunhal atingiria uma criatividade notável. A construção do «partido leninista definido com a experiência própria», começa na definição do conceito de trabalho colectivo como «princípio básico essencial do estilo de trabalho do Partido» – e, portanto, como aspecto central da democracia interna e factor determinante da unidade e da disciplina partidárias; e essa definição é ponto de partida para a construção teórica e prática do conceito de «colectivo partidário».

Ainda em matéria de defesa e reforço partidário, contactamos, nestas obras, com a resposta incisiva e certeira às tentativas várias de descaracterização do Partido, ao longo da sua história, tentativas recorrentes nos objectivos, métodos e práticas utilizados: o abandono da identidade do partido e o recurso à actividade fraccionista.

A obra teórica do camarada Álvaro Cunhal e o seu exemplo de militante e dirigente comunista, constituem uma fonte inesgotável de estudo em todas as matérias que importam à formação política, ideológica e partidária dos militantes comunistas. Utilizemo-las, então. Em todas as suas vertentes e, designadamente, pela que ao reforço do nosso Partido diz respeito.

Sabemos que partido queremos – por isso construímos este que temos, que é o nosso Partido.

Sabemos que o queremos cada vez mais forte e mais influente; cada vez mais capaz de cumprir o papel histórico que lhe compete; cada vez mais ligado aos trabalhadores e ao povo. E sabemos que é reforçando essa ligação que o reforçamos.

A história do PCP é uma história de luta – luta em todas as situações, travando as batalhas necessárias em cada momento. E sabendo sempre que, como temos dito tantas vezes, quando se luta nem sempre se ganha, mas quando não se luta perde-se sempre. Ou, como o camarada Álvaro Cunhal disse um dia “fustigados pelos ventos da ofensiva, mas sempre no rosto e no peito e nunca pelas costas”.

 

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