Projecto de Lei

Aplicação de taxas, comissões, custos, encargos ou despesas às operações de multibanco

Proíbe a aplicação de taxas, comissões, custos, encargos ou despesas às operações de multibanco através de cartões de débito

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Preâmbulo

O sector bancário tem sistematicamente tentado impor a aplicação de uma taxa cujo pagamento passasse a ser efectuado sempre que um utente de cartão de débito de pagamento automático efectuasse um movimento nas caixas ATM. Primeiro foi em 1994, quando um forte movimento de defesa dos consumidores denunciou e na prática inviabilizou tais intenções; depois foi em 2001 e em 2006, com idênticas reacções e resultados; agora surgem de novo, de forma implícita ou explícita, as intenções ou desejos sempre contidos de algumas das maiores instituições de crédito com actividade em território nacional, a reboque da recente publicação do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, que abriu a possibilidade das compras efectuadas com cartão de débito poderem ser oneradas por taxas aplicadas pelos comerciantes aos consumidores, legislação que, sublinhe-se, foi já alvo de uma apreciação parlamentar por parte do Grupo Parlamentar do PCP.

Mais uma vez se sugere ou reclama a cobrança de taxas pelas operações bancárias realizadas em caixas Multibanco com a utilização de cartões electrónicos de débito, que actualmente estão apenas sujeitos ao pagamento da respectiva anuidade. Não se podem esquecer declarações de responsáveis do Banco Espírito Santo, do Santander Totta, do Banco Comercial Português e até mesmo da Caixa Geral de Depósitos, tentando fundamentar a introdução desta nova comissão bancária com a obrigação de atribuir um custo a um serviço que é prestado ao portador de um cartão electrónico, justificando-a com a necessidade de garantir margens adequadas de rentabilidade à actividade bancária em Portugal.

Quanto aos resultados do sector financeiro os números falam por si e dispensam mesmo qualquer comentário suplementar que não seja a contradição evidente, atingindo foros de autêntico escândalo, entre as dificuldades que a generalidade dos portugueses vem atravessando de forma crescente e os lucros fabulosos que o sector bancário continua a obter, não obstante a crise económica e financeira que se abateu em todo o mundo no final de 2007 e que teve o seu pico entre o segundo semestre de 2008 e o primeiro de 2009. Só os quatro maiores bancos privados com actividade em Portugal atingiram lucros em 2008 que rondam os mil duzentos e setenta milhões de euros (BCP, com 201,2 milhões de euros, Santander Totta, com 517,7 milhões, BES, com 402,3 milhões e BPI, com 150,3 milhões). Em pleno período de grave crise económica, enquanto no primeiro semestre de 2009 o PIB português diminuía 3,7%, o lucro dos mesmos bancos crescia 16,4%.

Torna-se assim evidente que não colhe o argumento da necessidade de garantir resultados para a banca como justificação para a imposição unilateral de uma taxa claramente lesiva dos interesses dos utilizadores dos sistemas de pagamento electrónico. Aliás, os portugueses já pagam elevadíssimas taxas e comissões pela generalidade dos restantes serviços bancários valores quase absurdos e totalmente injustificados e que, eles sim, careceriam de normas que os regulassem e limitassem, mormente por parte de quem deveria ter a obrigação de o fazer, como é o caso do Governo e/ou da entidade supervisora, o Banco de Portugal. Recorde-se que as comissões bancárias subiram mais uma vez, e significativamente, na generalidade do sector bancário em 2008, tendo-se verificado um crescimento acumulado de 59% entre 2004 e 2008, quando já tinham crescido 46%, entre 1986 e 2004, representando 21,3% do Produto Bancário em 2008, face a 18,5% em 1998!

Estamos, pois, perante uma visível recuperação de anteriores ofensivas, com uma nova tentativa de criação de uma taxa (ou comissão) sobre as transacções comerciais efectuadas com o recurso ao cartão de débito, omitindo a óbvia vantagem que o sistema Multibanco oferece às empresas bancárias, pela clara diminuição que lhes proporciona nos gastos com o factor trabalho. Os defensores da aplicação desta nova taxa pretendem ainda ignorar que ela vem defraudar as legítimas expectativas dos consumidores, que foram atraídos e aliciados para a utilização massiva e sistemática deste sistema, cuja gratuitidade vigora até hoje e que agora é posta em causa.

Em torno desta questão, não nos tranquiliza sequer que durante a discussão do Programa do XVIII Governo Constitucional, realizado em 5 de Novembro de 2009, o Ministro de Estado e das Finanças tenha reconhecido implicitamente a existência da intenção do sector bancário em criar taxas para operações com cartões de débito nas caixas de multibanco, tendo admitido, na mesma ocasião, que só o facto da Caixa Geral de Depósitos ser uma instituição financeira pública terá condicionado, e na prática impedido até ao momento, a generalidade do sector bancário avançar com esse seu "eterno" desejo.

Refira-se, aliás, que existe uma rede de caixas automáticas, a rede NetPay, em operação ao serviço do Banco Português de Negócios, onde serão já hoje cobradas taxas pela realização de operações de multibanco na sua rede privativa de caixas automáticas. Trata-se de uma rede quantitativamente limitada (cerca de 80 num universo rondando as 12 000 caixas), que estará já a praticar essa cobrança quando os cartões utilizados possuem dupla função, de débito e de crédito. Ao que parece, nestas situações, as caixas automáticas da rede NetPay consideram o movimento como sendo um "adiantamento em dinheiro" (cash-advance), "interpretando" o movimento como se se tratasse de um levantamento com cartão de crédito ou como se se tratasse de um levantamento efectuado no estrangeiro, e, consequentemente, cobrando uma taxa. Em Outubro de 2008, refira-se ainda, a própria DECO chegou a "desaconselhar os consumidores a utilizar a rede de caixas automáticas NetPay, enquanto a informação prestada ao público não fosse prévia e inteiramente clara e rigorosa"!

Importa neste contexto que as expectativas longamente criadas de utilização gratuita dos cartões de débito nas caixas de multibanco - independentemente da respectiva rede e da instituição bancária onde estejam colocadas - não possam ser alteradas, seja de forma concertada, seja de forma individualizada.

Por isso, e na firme convicção de que é necessário fazer face a qualquer tentativa de abuso de poder, arbitrário e concertado por parte do sector bancário, o Partido Comunista Português, retomando, no essencial, idênticas iniciativas de Março de 2006 e de Outubro de 2001, durante as X e VIII Legislaturas respectivamente, vem propor a proibição da cobrança de quaisquer quantias pelas instituições de crédito, a título de taxa ou de comissão, pela utilização de caixas automáticas, vulgo Multibanco.

Assumindo a defesa dos consumidores portugueses, utilizadores dos cartões de débito, perante nova tentativa de ataque aos seus direitos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se às instituições de crédito com actividade em território nacional.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:

•a)     Instituições de crédito - as determinadas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivamente alterado pelos Decretos-lei 246/95, de 14 de Setembro, 232/96, de 5 de Dezembro, 222/99, de 22 de Junho, 250/2000, de 13 de Outubro, 285/2001, de 3 de Novembro e 201/2002, de 26 de Outubro;

•b)     Cartão de débito - instrumento de movimentação ou transferência electrónica de fundos, por recurso a terminais automáticos de pagamento ou levantamento instalados nas instituições de crédito, estabelecimentos comerciais e locais públicos;

•c)      Caderneta bancária - instrumento privativo de determinadas instituições bancárias que permite a movimentação de fundos por recurso a terminais automáticos de pagamento ou levantamento, instalados na instituição de crédito emissora;

•d)     Titular- pessoa singular ou colectiva que outorgou o contrato de depósito e em consequência recebeu o cartão de débito para movimentos na conta.

Artigo 3.º

Proibição

•1.      É proibida a cobrança por Instituição de Crédito ou entidade interbancária de taxas, comissões, custas, encargos ou despesas, das operações de multibanco efectuadas pelo titulares de cartão de débito.

•2.      Esta proibição é aplicável, quer a operações de multibanco com cartão de débito, quer a operações com cadernetas bancárias.

Artigo 4.º

Reposição de verbas

A violação do disposto no artigo anterior obriga à reposição imediata do montante indevidamente cobrado mediante o depósito na conta à ordem do titular.

Artigo 5.º

Fiscalização

Compete ao Banco de Portugal a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 10 de Novembro de 2009

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