Projecto de Lei N.º 794/XII/4.ª

Altera o regime de cobrança de portagens, até à sua eliminação, em defesa dos direitos dos utentes das autoestradas

Altera o regime de cobrança de portagens, até à sua eliminação, em defesa dos direitos dos utentes das autoestradas

Exposição de Motivos

Conforme o PCP oportunamente alertou, a imposição de portagens nas autoestradas SCUT confirma-se a cada dia que passa como uma medida desastrosa para a vida das populações e para as regiões servidas por esses eixos. Mas se as portagens são profundamente penalizadoras para a população e nomeadamente os utentes destas autoestradas, já para aqueles que se confrontam com injustificáveis processos de contraordenação por não pagamento, a situação tem sido verdadeiramente desesperante.

As portagens, impostas pelo anterior e atual governos do PS e do PSD/CDS-PP, foram “justificadas” com o “princípio do utilizador-pagador” e a necessidade de aumentar as receitas obtidas com a exploração das infraestruturas rodoviárias nacionais. Na realidade, essa medida visava apenas reduzir as despesas do Estado com as concessões rodoviárias sem, contudo, tocar nas fabulosas rendas auferidas pelos grupos económicos que exploram, sem qualquer risco, essas mesmas concessões.

O problema de fundo está nas portagens, mas neste caso com a agravante de se ter optado pelo sistema de pórticos para maximizar o lucro dos consórcios envolvidos, sem quaisquer cabines para pagamento de portagem nas saídas destas autoestradas – o que significa que os utentes são obrigados a pagar, mas de uma forma diferida, com custos acrescidos (ou recorrendo ao sistema Via Verde ou então deslocando-se a uma entidade habilitada para cobrar a taxa devida).

Num só dia, um condutor pode passar por um grande número de pórticos, o que, em caso de falha no pagamento da respetiva portagem (imputável ou não ao condutor), nos termos da lei em vigor significará igual número de contraordenações – uma por cada pórtico – ou seja, centenas e centenas, por vezes milhares, de euros em coimas e custas.

Ora, a Autoridade Tributária tem sido implacável na instauração de processos de contraordenações e execuções fiscais – penhorando bens e autenticamente penhorando vidas. Segundo notícias vindas a público recentemente, estes processos, relacionados com a cobrança coerciva de taxas de portagem, estão a envolver e a mobilizar mais de duas mil pessoas: a imensa maioria dos funcionários afetos à justiça tributária.

Só o ano passado, e só no que diz respeito a dívidas por portagens não pagas, a AT terá cobrado de forma coerciva 26,5 milhões de euros a favor das concessionárias privadas – valor a que acresce todo o montante de coimas e custas associadas aos processos contraordenacionais.

Tais procedimentos têm revelado várias irregularidades, designadamente:

. a falta de fundamentação por parte da Autoridade Tributária aquando da notificação ou citação dos processos, violando o direito de defesa dos cidadãos;

. a falta de apensação dos processos, cobrando várias multas por passagens pelo mesmo utente e no mesmo troço, violando as normas legais e decisões judiciais que obrigam à apensação dos mesmos;

. a inexistência de comunicação por parte das concessionárias aos utentes, designadamente com comprovativo da passagem e da notificação para a morada atualizada;

. a cobrança de custos administrativos e juros, absolutamente injustificados, por parte das concessionárias, sem qualquer base legal que suporte tal procedimento;

. a alteração ilegal, pelo Órgão de Execução Fiscal, dos requisitos essenciais dos títulos executivos emitidos pelas concessionárias, acarretando que os alegados infratores não são notificados na sua morada fiscal, previamente à instauração dos processos de execução e de contraordenação;

. a demora nas notificações por parte da Autoridade Tributária, levando a que os juros se acumulem.

Entre muitas outras irregularidades que prejudicam os cidadãos, sendo já conhecidas situações de penhoras de bens na ordem das centenas de milhares de euros, levando a insolvências de empresas e a situações verdadeiramente dramáticas que estão a ser vividas por centenas de cidadãos.

Por outro lado, muitas vezes não consta qualquer registo de passagem dos automóveis nos pórticos em causa, por exclusiva responsabilidade das concessionárias!

Acresce que, em muitos casos, embora os utentes/contribuintes apresentem defesa nos processos contra eles injustificadamente instaurados, os Serviços de Finanças simplesmente não se pronunciam, remetendo os processos para resposta da Fazenda Pública e para as concessionárias – que não respondem – nem no caso de oposições, nem no caso de recursos de contraordenação, nem no caso de impugnação judicial de dívida, atrasando deliberadamente os processos em curso e penalizando, ainda mais, quem recorre à justiça e aos tribunais e ainda se vê confrontado com a obrigação de pagar uma taxa de justiça para anular os atos ilegais da Administração Tributária, a qual deve obediência à lei e ao direito.

Com várias ilegalidades e irregularidades que têm levado ao recurso a tribunal de centenas de cidadãos, foram conhecidas recentemente as sentenças que anulam muitos processos.

Sendo o problema de fundo a opção política de impor estas portagens, a solução fundamental passa pela decisão de acabar com elas. É nesse sentido que se deve apontar o caminho a seguir. Mas no imediato haverá seguramente milhares de pessoas confrontadas com situações insuportáveis, exigindo-se uma resposta com a máxima urgência que ponha cobro a esta injustiça – e que garanta que não se repetem mais situações como estas. O que implica antes de mais que a Autoridade Tributária deixe imediatamente de ser o cobrador ao serviço das concessionárias privadas.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei reforça a defesa dos direitos dos utentes das autoestradas, alterando o regime de cobrança de portagens.

Artigo 2.º
Cobrança de portagens

1 – A responsabilidade pela cobrança das taxas de portagem aplicáveis nas infraestruturas rodoviárias é atribuída exclusivamente às respetivas concessionárias, a quem cabe o ónus da prova sobre o dever de pagamento imputável ao utente.

2 – À cobrança de portagens é aplicável o regime geral para o cumprimento das obrigações, previsto na Lei civil.

Artigo 3.º
Processos pendentes

1 – Nos processos pendentes para cobrança nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o utente pode proceder ao pagamento da taxa de portagem em dívida, no prazo de 30 dias após a receção da notificação.

2 – O prazo previsto no número 1 é contado a partir da entrada em vigor da presente lei para os casos em que a notificação seja anterior a essa data.

3 – O pagamento da taxa de portagem em dívida nos termos do presente artigo determina o arquivamento do processo de execução fiscal, bem como a extinção do procedimento por contraordenação, não sendo devidos quaisquer outros montantes a título de custas ou encargos respeitantes a tais processos.

4 – O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de impugnação da obrigação de pagamento da taxa de portagem por parte do utente, pelos meios legalmente admissíveis, , caso em que o referido pagamento é efetuado a título de caução.

Artigo 4.º
Regulamentação

O Governo regulamenta no prazo de 30 dias a contar da data de publicação da presente lei os procedimentos relativos à cobrança das taxas de portagem aplicáveis nas infraestruturas rodoviárias objeto de concessão.

Artigo 5.º
Eliminação das portagens

O Governo apresenta à Assembleia da República, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei, a programação das medidas a tomar, com vista à eliminação das portagens nas autoestradas em anterior modelo SCUT, à extinção das parcerias público-privadas e à reversão das infraestruturas rodoviárias para a gestão pública.

Artigo 6.º
Norma revogatória

Consideram-se revogadas todas as disposições legais que contrariem o disposto na presente lei.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 27 de fevereiro de 2015.

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