Projecto de Lei N.º 68/XVI/1.ª

Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

Exposição de motivos

Tanto na campanha eleitoral da AD, do Chega e da IL, como no Programa do Governo PSD/CDS, fica clara a intenção da direita de substituir a discussão sobre a necessidade urgente do aumento dos salários, pela discussão sobre impostos. O que estas forças políticas procuram é, a partir da difusão da ideia de que há “impostos a mais”, em abstrato, criar acolhimento para uma ambicionada redução ainda maior, injusta e escandalosa dos impostos sobre o capital e os seus lucros, as grandes fortunas e o património de elevado valor.

O que querem é discutir a suposta baixa de impostos como moeda de troca para manter os baixos salários, embalados pela demagogia da CIP. Visam desviar o que deveria ir para o aumento dos salários para “prémios de produtividade”, que deixam de contar para a carreira contributiva do trabalhador, desprotegendo-o em situações de doença, desemprego, maternidade e paternidade, nas pensões futuras, e dando um salto qualitativo no ataque ao caráter público, universal e solidário da Segurança Social. Uma linha que já tinha sido ensaiada pelo anterior Governo de maioria absoluta do PS, com acordo de PSD, IL e CH, sob a forma de remunerações a título de “participação nos lucros”.

No IRS, o Governo apresenta uma proposta que é pouco significativa para a grande maioria da população, e em que a maior redução na tributação se verifica nos escalões mais elevados de rendimento. Para isso contribui, quer as opções relativamente às taxas dos escalões, quer a continuação do congelamento da dedução específica, que já dura há mais de 10 anos, prejudicando os rendimentos praticamente até ao limite superior do 6.º escalão.

Ao mesmo tempo, mantém regimes fiscais de privilégio para rendimentos milionários de capital e prediais, que continuam a não ser obrigatoriamente englobados; ou para os residentes não-habituais, cujo regime foi prolongado por mais 10 anos por opção do Governo de maioria absoluta do PS, também com apoio de PSD, IL e CH.

O debate que é necessário fazer é sobre justiça fiscal. A combinação entre impostos progressivos (em que a tributação é maior quanto mais elevado for o rendimento) e serviços públicos universais (financiados por esses impostos) é a base constitucional para uma política de justiça social, em que a política fiscal deve assumir uma importante função redistributiva.

O problema é que a realidade atual, em resultado das opções de sucessivos governos, é a oposta: o esforço fiscal pesa mais sobre os trabalhadores e o povo do que sobre as grandes fortunas e lucros.

Por isso, são necessárias medidas de alívio fiscal para quem vive do seu trabalho, para os rendimentos mais baixos e intermédios, e ao mesmo tempo garantir a tributação em Portugal dos lucros realizados no país, acabar com benefícios fiscais para as grandes fortunas e os lucros das multinacionais (ao contrário da intenção declarada do Governo PSD/CDS, da IL e do CH de, por exemplo, baixar o IRC e acabar com a progressividade da derrama sobre as grandes empresas).

Assim, no âmbito do IRS, o PCP propõe, para aliviar os impostos sobre os rendimentos mais baixos e intermédios:

  • O aumento do montante da Dedução Específica de IRS para 5.204€, pondo fim ao congelamento que desde 2010 se verifica e que permitirá, no imediato, uma redução de cerca de 1100€ à matéria coletável, que corresponde à atualização do valor tendo em conta a inflação acumulada desde então.
  • A redução da tributação para o 1.º e 2.º escalões da tabela geral do IRS, que significa um alívio fiscal que aumenta a progressividade, uma vez que, abrangendo todos os contribuintes, é mais significativo para rendimentos mais baixos e intermédios. Esta medida, indo mais longe do que a proposta do Governo para estes escalões, tem maior impacto, também para os contribuintes abrangidos pelos escalões seguintes.
  • A introdução, no Código do IRS, da garantia de que os limites dos escalões são atualizados anualmente à taxa de inflação.
  • Ao mesmo tempo, no sentido de garantir maior justiça fiscal, o cumprimento da função redistributiva da política fiscal, e o financiamento das funções sociais do Estado, o PCP propõe, no âmbito do IRS:
  • O fim do regime fiscal de privilégio atribuído aos residentes não-habituais que, para além de fiscalmente injusto, por garantir taxas efetivas mais reduzidas do que as aplicáveis à generalidade da população, tem contribuído para o aumento dos custos com a habitação;
  • O englobamento obrigatório para rendimentos do mais elevado escalão de IRS atualmente em vigor (superiores a 81 199 euros anuais), terminando com uma situação em que rendimentos de capital mais elevados podem ser tributados a taxas inferiores a rendimentos de trabalho.
  • A fixação, na estrutura do IRS, da taxa adicional de solidariedade (TAS), já hoje em vigor para rendimentos muito elevados (superiores a 80.000€, e num segundo escalão, superiores a 250.000€), aumentando assim para 10 o número de escalões, e aumentando em três pontos percentuais a taxa de IRS aplicável a estes rendimentos.

Alguns exemplos de como se fará sentir o alívio fiscal proposto pelo PCP:

Rendimento bruto mensal Rendimento bruto anual (X 14) Redução fiscal PPL Governo € Redução fiscal PPL Governo % Redução fiscal PJL PCP € Redução fiscal PJL PCP %
1.000 € 14.000€

-30,22€
(2,16€/mês)

-2,1%

-266,70€
(19,05€/mês)

-18,8%
1.500 € 21.000€

-65,22€
(4,66€/mês)

-2,2%

-362,69€
(25,91€/mês)

-12,3%
2.000€ 28.000€

-106,66€
(7,62€/mês)

-2,2%

-457,22€
(32,66€/mês)

-9,2%
2.500€ 35.000€

-243,54€
(17,40€/mês)

-3,3%

-503,97€
(36€/mês)

-6,8%
5.000€ 70.000€

-597,17€
(42,66€/mês)

-2,9%

-96,97€
(6,93€/mês)

-0,5%

Como se pode ver, as propostas do PCP significam um alívio mais significativo nos rendimentos mais baixos e intermédios, que na proposta do Governo ficam praticamente na mesma. Por exemplo, um rendimento bruto de 1000€, tem uma redução fiscal anual de 266,70€ (19,05€/mês) com as propostas do PCP, e de apenas 30,22€ (2,16€/mês) com a proposta do Governo.

Mesmo rendimentos do 6.º escalão, como é o caso de um rendimento mensal bruto de 2.500€, tem um alívio de 6,8% na proposta do PCP, e de apenas 3,3% na proposta do Governo.

Já um contribuinte com um rendimento mais elevado, de 5.000€ por mês, sai mais beneficiado na proposta do Governo.

Assim, ao contrário da proposta do Governo, a proposta do PCP aprofunda a progressividade do IRS. E fá-lo, sobretudo, ao acabar com a possibilidade de rendimentos de capital do 9.º escalão poderem ser tributados a taxas inferiores às do 5.º escalão, com a introdução do englobamento obrigatório para esses montantes.

A partir dos últimos dados disponíveis (Dossier Estatístico IRS 2020-2022, da Autoridade Tributária), é possível estimar que a redução das taxas de tributação, proposta pelo PCP represente, isoladamente, um alívio fiscal de cerca de 260 milhões de euros, e que a atualização da dedução específica represente, isoladamente, um alívio fiscal de 580 milhões de euros. No seu conjunto, o alívio fiscal proposto, para rendimentos do trabalho, é seguramente superior a 900 milhões de euros.

Por outro lado, com o englobamento obrigatório, para rendimentos superiores ao limite inferior do 9.º escalão (81.199€), em conjunto com o aumento das taxas do 9.º e do novo 10.º escalão, e com o fim do regime dos residentes não habituais, a proposta do PCP garante que não são reduzidos os recursos necessários para o financiamento das funções sociais do Estado.

Estas medidas introduzem maior justiça na distribuição do esforço fiscal em sede de IRS, beneficiando a maioria da população. São propostas que não esgotam o conjunto das propostas do PCP para uma maior justiça fiscal, em que se incluem a redução do IVA da energia e das telecomunicações, e a revogação de um conjunto de isenções, benefícios fiscais, e mecanismos que permitem a não tributação em Portugal dos lucros realizados no país. Com essas propostas de aumento da receita, para além das que constam desta iniciativa, é possível aliviar a tributação sobre o consumo e sobre rendimentos do trabalho, garantindo ao mesmo tempo que o Estado tem os recursos necessários para garantir a saúde, a educação, a segurança social, a cultura, o desporto, a segurança, a habitação, os equipamentos e infraestruturas públicas, o desenvolvimento e progresso social.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede:

  1. à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro;
  2. à revogação dos números 3 a 6 do Art.º 236.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

Os artigos 22.º, 25.º, 53.º, 68.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 22.º

[Englobamento]

  1. […].
  2. […].
  3. […].
  4. […].
  5. […].
  6. […].
  7. […].
  8. […].
  9. […].
  10. […].
  11. [Novo] Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 3, são obrigatoriamente sujeitos a englobamento, para efeitos da sua tributação, os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por sujeitos passivos residentes em território português, nas situações em que o sujeito passivo tenha um rendimento coletável, incluindo os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º, igual ou superior a 81 199 euros



Artigo 25.º

[Rendimentos do trabalho dependente: deduções]

  1. […]:
    1. 0,73 x 14 x (valor do IAS);
    2. […];
    3. […].
  2. […].
  3. […];
  4. […].
  5. […].
  6. […].

Artigo 53.º

[Pensões]

  1. Aos rendimentos brutos da categoria H de valor anual igual ou inferior a 0,73 x 14 x (valor do IAS) deduz-se, até à sua concorrência, a totalidade do seu quantitativo por cada titular que os tenha auferido.
  2. […].
  3. […].
  4. […].
  5. […].
  6. […].
  7. [...].

Artigo 68.º

[Taxas gerais]

  1. […]:
[Rendimento coletável (euro)] [Taxas (percentagem)]

Normal

(A)

Média

(B)

[Até 7 703] 12,50 12,50
[De mais de 7 703 até 11 623] 17,00 14,018
[De mais de 11 623 até 16 472] […] 16,662
[De mais de 16 472 até 21 321] […] 18,786
[De mais de 21 321 até 27 146] […] 21,782
[De mais de 27 119 até 39 791] […] 26,618
[De mais de 39 791 até 51 997] […] 30,581
[De mais de 51 997 até 81 199] […] 35,767
De mais de 81 199 até 250 000 50,5 45,715
Superior a 250 000 56 -
  1. […].
  2. [Novo] Quando não haja lugar a alterações na estrutura dos escalões das taxas gerais do IRS, os limites previstos na tabela constante do número 1 são obrigatoriamente atualizados anualmente, em sede de Orçamento do Estado, pelo menos ao nível da inflação estimada para o ano anterior ao da entrada em vigor do Orçamento do Estado, segundo o relatório e elementos informativos que acompanham a proposta de Orçamento do Estado.

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados

  1. os números 3 a 6 do Art.º 236.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro;
  2. o Artigo 68.º-A do Código do IRS

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com a entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Compete ao Governo proceder à alteração das tabelas de retenção na fonte de IRS para o ano de 2024, por forma a ajustá-las às alterações produzidas pela presente Lei, no prazo de 15 dias após a sua entrada em vigor.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Trabalhadores
  • Projectos de Lei
  • impostos
  • IRS