Intervenção de

Acesso às tecnologias de informação e competitividade - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre acesso às tecnologias de informação e competitividade

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Mais uma vez, vem V. Ex.ª com o recorrente tema do acesso às novas tecnologias, agora noutro registo mas sempre com o mesmo objectivo: tentar convencer os portugueses de que a política do seu Governo é moderna e de que os seus objectivos vão no sentido de uma inquestionável modernização da economia e da sociedade portuguesa, mesmo quando a realidade o desmente.

É um discurso - e um recurso - que fica sempre bem e, neste contexto de forte contestação à acção do seu Governo, serve para desviar as atenções e desvalorizar, na mesma linha dos que pensam que os trabalhadores e o povo lutam por lutar e protestam por protestar, tão boa é esta política.

Mas é evidente que a escolha deste tema, saltando por cima dos problemas, das preocupações dos trabalhadores e dos portugueses e desprezando as razões que levaram milhares e milhares de trabalhadores a fazer greve geral, é para reafirmar, como dizia ontem, com desmedida sobranceria, um dos porta-vozes destacado pelo Governo, o Sr. Secretário de Estado do Emprego, que o Governo irá prosseguir os esforços de modernização do País, como se nada tivesse acontecido. No fundo, a mesma ideia que está subjacente à intervenção de V. Ex.ª.

Ontem, assistimos a um grande facto político e social: uma greve geral que constituiu, em dimensão e conteúdo, a maior manifestação de protesto e descontentamento, a maior luta dos trabalhadores nestes dois anos da sua governação, a maior greve com que os governos do PS foram confrontados. É um facto!

Não quer, com certeza, falar disso. Para tanto, destacou sete governantes, repito, sete governantes, para, na comunicação social -afinal, parece não ter sido uma coisa tão pequena, mas importava definir a matriz do que diriam os grandes meios de comunicação social!... - procurarem desvalorizar a greve, manipular números e se aproximarem perigosamente da «tese do deserto», do Sr. Ministro das Obras Públicas, porque, se este não vê pessoas na margem sul, alguns ministros e secretários de Estado mal viram trabalhadores em greve!...

E também recriou uma nova ficção: um apelo a uma greve geral, convocando todos os sectores, só teria êxito se parasse tudo, se parasse o País, coisa que, como sabe, nunca aconteceu aqui nem em qualquer parte do mundo. Ou seja, se se fizer um apelo a todos os trabalhadores para uma manifestação nacional e se nela participarem 1,5 milhões de trabalhadores, será um fracasso, do ponto de vista do Governo, porque faltaram lá outros 4 milhões.

Nunca há-de perceber, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que levou tantos homens e mulheres, em centenas de empresas e de serviços públicos, tantos jovens, na Quimonda, nos call centers das telecomunicações, em empresas metalúrgicas, nas grandes superfícies, esses, sim, com uma grande consciência e uma grande coragem - e não é aquela de que fala o Sr. Primeiro-Ministro -, a vencerem o medo, a fazerem greve pela primeira vez, mesmo com a ameaça da perda do emprego ou de punição em termos da sua carreira, com a perda do prémio de um dia de salário que tanta falta faz à gente endividada, numa relação de forças profundamente desfavorável aos trabalhadores, com tanta precariedade, tanto desemprego e tanta injustiça!

Quantos mais não quereriam fazê-la e não tiveram condições para nela se incorporarem, designadamente pelos fortes constrangimentos causados pelo carácter precário dos seus vínculos, pelo receio de retaliações patronais e do próprio Governo, como, aliás, foram disso exemplo a Administração Pública e o sector dos transportes?

O Sr. Primeiro-Ministro falou aqui, há pouco, da garantia que dá quanto à defesa da liberdade de expressão. Que pena não assumir o compromisso de garantir a liberdade do exercício do direito à greve como direito fundamental dos trabalhadores portugueses, que, hoje, em muitas empresas, é profundamente negado!

Mas uma luta, uma greve geral nunca é ponto de chegada mas ponto de passagem para outras lutas, previsíveis face às opções políticas do seu Governo, aos objectivos anti-sociais que as mesmas comportam e anunciam.

Ao contrário do que veio aqui afirmar, o que os portugueses vêem cada vez com mais nitidez é que este discurso das novas tecnologias, que nem sequer é novo e que, noutros tempos em que o senhor era membro do governo, se denominava «Nova Economia» - lembra-se? -, apenas tem servido de biombo através do qual se mantém, e reproduz, o velho modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e no trabalho com fracas exigências de qualificação.

Na verdade, não é o caminho da modernização da economia e do País que este Governo prossegue, e a realidade aí está para o provar.

Não há artifício que possa esconder que é na manutenção do modelo dos baixos salários que se continua a apostar e não na qualificação tecnológica.

Não há cosmética que possa encobrir o facto de o pouco emprego criado, num mar de destruição do emprego, ser maioritariamente não qualificado - dizem-no as estatísticas, que são vossas; não sou eu que estou a afirmá-lo -, o que é a prova mais que provada de que se mantém o modelo de desenvolvimento assente em actividades de fraca qualificação e na sobreexploração do trabalho.

É que, Sr. Primeiro-Ministro, não basta dar a ferramenta, é preciso dar-lhe aplicação e sítio onde se possa aplicar.

O discurso da modernidade, Sr. Primeiro-Ministro, não pode esconder esta amarga constatação, ao fim de mais de dois anos de Governo. É este o «bom» caminho que o País leva: o caminho do crescente empobrecimento dos portugueses.

Na verdade, nem o País vai bem nem a vida dos trabalhadores e do povo vai melhor.

Vai o País no bom caminho quando, de forma dramática, aumenta o desemprego, quando aumenta o custo de vida e se desvalorizam os salários?! Não incomoda o Sr. Primeiro-Ministro que, no 1.º trimestre de 2007, o desemprego tenha batido um novo e triste recorde, com a taxa de desemprego a atingir 8,4%?! Vai o País no bom caminho, no caminho da modernidade, quando os desempregados licenciados não encontram emprego, e são já 55 900, a larga maioria jovens à espera das «Novas Oportunidades», que nunca chegam?!...

Sr. Presidente, desculpe. Tenho sempre a concepção de que, às vezes, a paciência também é revolucionária mas, aqui, a paciência tem limites. Por parte de outras bancadas e do Governo tem havido algum excesso em termos de utilização dos tempos, pelo que peço alguma consideração do Sr. Presidente.

Então, vou fazer um esforço, terminando com uma pergunta concreta.

Vai o Governo avançar, em relação ao Serviço Nacional de Saúde, com a proposta de lançamento de uma nova contribuição compulsiva, isto é, um novo imposto a pagar pelos utentes dos serviços de saúde, e retirar a isenção automática de pagamento da taxa moderadora para as crianças até 12 anos de idade?!

Gostaria de ouvir a sua resposta.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Estava a ouvi-lo e lembreime de uma frase de um trabalhador agrícola que dizia (e isto aplica-se bem a esta situação concreta) o seguinte: «O Sr. Primeiro-Ministro pode dizer cem vezes a palavra açúcar que não adoça a boca a ninguém » - isto tendo em conta a realidade que hoje a maioria dos trabalhadores e do povo português vive.

Quanto à forma como tratou a greve geral, fê-lo, de facto, numa posição arrogante e num estilo claro, para além de denotar alguma ignorância - e não se ofenda, pois, tendo em conta o tema, até acho que devia aproveitar as novas tecnologias para adquirir conhecimento, particularmente no que diz respeito ao sindicalismo e à história do movimento operário e sindical, em relação às greves gerais.

Quanto ao tema, quero fazer uma correcção. Nós não desvalorizamos o tema; o Sr. Primeiro-Ministro é que o desvaloriza, porque vem aqui discutir um tema para desviar a atenção dos portugueses dos problemas reais que sentem, em relação ao emprego, à saúde, à segurança social, à precariedade e ao aumento do custo de vida, por culpa e responsabilidade do seu Governo.

Nós não falamos em nome de todos os trabalhadores, mas não abdicamos, sejam eles comunistas...

Aliás, o senhor cometeu aqui um erro grave que tem a ver com o seguinte: sabe o que é que, antes do 25 de Abril, o governo de então fazia a todo aquele que lutava? «Chapeava-o» de comunista, porque lutava, porque fazia uma greve, porque protestava. E não era verdade, porque, muitas vezes, muitos trabalhadores, não sendo comunistas, lutavam claramente - e isto, independentemente do papel do nosso partido. E essa concepção de que esta greve geral foi feita pelos comunistas, apenas pelos comunistas, demonstra a sua «miopia política», cujas consequências, depois, veremos. Outros governos o fizeram, Sr. Primeiro-Ministro, não está a dar-me novidade nenhuma, mas, mais cedo ou mais tarde, acabaram por ver que a luta dos trabalhadores e as greves gerais então realizadas, afinal, acabaram por ter efeitos.

Nesse sentido, assumimos claramente o seguinte: sim, Sr. Primeiro-Ministro, renovamos o compromisso com os trabalhadores, com os seus interesses e com os seus direitos, independentemente da sua opção política e ideológica. É assim a nossa natureza, é assim a nossa identidade e assim continuaremos a lutar e a solidarizar-nos com eles, seja agora, seja no futuro próximo.

(...)

Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração da bancada.

Sr. Presidente, não é meu hábito usar esta figura regimental, mas, em nome da verdade, sinto-me atingido na minha consideração, porque o Sr. Primeiro-Ministro deturpou conscientemente aquilo que aqui afirmei.

Naturalmente, é um assunto de grande importância; naturalmente, a questão do acesso às novas tecnologias tem a ver com a necessidade de aumento da qualificação e da formação. Mas é o Sr. Primeiro-Ministro quem - e foi isso que afirmei - desvaloriza essa questão fazendo uma deriva, usando-a instrumentalmente para desviar das questões centrais que hoje preocupam os trabalhadores e o povo português.

Para precisar melhor não vá eu ter tido algum lapsus linguae, repito aquilo que claramente perguntei: «Vai o País no bom caminho, no caminho da modernidade, quando os desempregados licenciados não encontram emprego, e são já 55 900, a larga maioria são jovens, à espera das tais «Novas Oportunidades», que nunca mais chegam?! Não basta dar a ferramenta, é preciso também dar a possibilidade de a aplicar!

Se o Sr. Primeiro-Ministro considera que isto é desvalorizar e denegrir a importância da formação e da qualificação, de duas, uma: ou fui eu que não me expliquei bem ou o Sr. Primeiro-Ministro não estava de boa fé a ouvir aquilo que dissemos.

É um registo que quero fazer. Espero que o Sr. Primeiro-Ministro reconsidere aquilo que afirmou.

 

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