A encerrrar o debate promovido pelo PCP sobre os 35 anos de SNS, Jerónimo de Sousa, destacou o papel do SNS como pilar fundamental do direito à saúde e por isso alvo preferencial da política assassina de sucessivos governos dos partidos do pacto de agressão (PS, PSD e CDS) com vista à sua destruição e entrega a privados, destacando também a luta, de utentes e profissionais da saúde, como única garantia de resistência e defesa de um SNS público, gratuito e de qualidade para todos.
Faz 35 anos, na próxima segunda-feira, dia 15 de Setembro, que foi publicada a lei 56/79 que pela primeira vez dá forma ao Serviço Nacional de Saúde, lei que integrou muitas das propostas políticas para a saúde apresentadas pelo PCP no seu VIII Congresso em 1976.
A criação de um serviço público de saúde resultou em Portugal da iniciativa revolucionária do povo e de muitos profissionais de saúde no contexto da Revolução de Abril. A Constituição da República Portuguesa designou-o como Serviço Nacional de Saúde e inscreveu-o como instrumento da concretização da responsabilidade prioritária do Estado em garantir o direito à saúde.
O SNS permitiu, ao longo das últimas décadas, extraordinários ganhos para a saúde e qualidade de vida dos portugueses, e no desenvolvimento do País. É preciso, pois, defendê-lo da voracidade dos interesses económicos e dos grupos de raiz financeira que preparam o grande assalto à saúde.
Daí para cá, nestes 35 anos de actividade, o SNS, apesar de atacado e desacreditado, alcançou resultados muito significativos, como se pode verificar na evolução das taxas de mortalidade infantil, uma das mais baixas do mundo e da esperança média de vida à nascença, que passou de 67,6 anos em 1973, para 80 anos no final de 2012.
Mas tal como aconteceu com outras importantes conquistas de Abril, também o Serviço Nacional de Saúde teve contra ele os interesses instalados, onde pontificam os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e os grupos financeiros privados com as suas seguradoras e empresas de prestação de cuidados de saúde.
O Serviço Nacional de Saúde “geral, universal e gratuito” nunca foi aceite pelos interesses instalados; a contemporização ou a entrega de instrumentos àqueles que vêem na saúde um negócio não é um problema de hoje.
A direita nunca aceitou o princípio da responsabilidade prioritária do Estado em assegurar o direito à saúde que a Constituição da República assumiu em 1976 e a que procurou dar forma afirmando o Serviço Nacional de Saúde como seu instrumento.
Num processo que visa, em última análise, a descaracterização do Estado, subvertendo a sua própria natureza e da Administração Pública que lhe é inerente, sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem a participação do CDS, desencadearam uma ofensiva que visa desresponsabilizar o Estado desta sua importante função social e transferir para os grupos privados o essencial da prestação de cuidados.
Assente na lógica do chamado Estado mínimo e a utilização do princípio do utilizador/pagador, levou a que sectores, submetidos ao regime de serviço público, fossem abertos à iniciativa privada, com todas as consequências para os utentes que a liberalização destes serviços trouxe, quer na qualidade do serviço prestado, quer nos custos para as famílias no acesso a estes serviços, como acontece com a saúde, contrariando o preceito constitucional de que cabe ao Estado assegurar o direito de todos os cidadãos à promoção e à protecção na saúde.
Não foi por acaso que, o Governo do PS formado a 23 de Julho de 1976, três meses e meio depois de ter sido aprovada a Constituição da República Portuguesa, já utilizava a expressão “tendencialmente gratuito” que uma maioria de direita havia de inscrever no texto constitucional na revisão efectuada em 1989.
Desta forma ficou legitimada a introdução das taxas chamadas moderadoras, ponta de lança da introdução de mecanismos de mercado na adaptação da oferta do serviço público de saúde às características da procura. A máxima a obedecer passa a ser: “quem quer saúde, paga-a”.
O acesso aos cuidados de saúde é cada vez mais difícil. É a lista de espera para cirurgias, a lista de espera para consultas da especialidade, a manutenção de 1 600 000 utentes sem médico de família, problema que não pode ser resolvido retirando das listas os utentes que não foram ao médico nos últimos três anos, ou aumentando o número de utentes nas listas do médico. Mas é também a ausência da saúde oral no Serviço nacional de Saúde, entre muitas outras matérias.
Mas a grande ofensiva contra o SNS dá-se a partir do momento em que é aprovada a Lei de Bases da Saúde em 1990 com que a direita enterra definitivamente a lei do SNS de 1979 que nunca chegara a aplicar.
É esta lei que dá suporte a toda a ofensiva desenvolvida desde então para a privatização da saúde.
Começam então a surgir grandes grupos na área da saúde, como são exemplos os Grupos BES/Saúde, José de Mello Saúde, HPP, agora Lusíadas Saúde e o Trofa Saúde, com a possibilidade de, caso se venha a confirmar a venda do BES/Saúde ao grupo Angeles ou AMIL, passar o controlo destas empresas para mãos de investidores estrangeiros. Estamos a falar de mais de 60 unidades de saúde, entre as quais grandes hospitais e 4 PPP's.
Tal como foi ontem divulgado por um órgão de comunicação social, estes quatro grandes grupos controlam 83% do chamado mercado da saúde, qualquer coisa como 1 500 milhões de euros/ano, e mais de 50% das unidades de saúde em Portugal, das quais 23 são hospitais.
Grupos que vêem a saúde, não como um direito, mas como um negócio florescente. O centro da sua actividade situa-se na doença e não na saúde e por isso investem, com a garantia de que o Estado lhes arranja os clientes e financia uma parte significativa da sua actividade. Tal como o Partido há muito tem vindo a denunciar, o Estado tem vindo a desresponsabilizar-se da sua função de prestador de cuidados e a assumir de forma cada vez mais evidente a função de regulador e financiador dos grupos privados.
Através do regime convencional, das PPPs e dos subsistemas públicos de saúde, principalmente a ADSE, o Estado transfere para estes grupos anualmente centenas de milhões de euros, garantindo-lhes desta forma uma parte substancial das receitas. No caso do BES/Saúde chegará aos 50% e, por isso, reafirmamos que se deve pôr fim a este escândalo, ainda mais quando é sabido que o governo se prepara para insistir na linha do subfinanciamento, realizando novos cortes na saúde, em futuros Orçamentos do Estado.
Neste quadro e perante a possibilidade da BES/Saúde vir a ser vendida, seja a um grande grupo estrangeiro, seja pelo facto de vir a aumentar a concentração de serviços de saúde num grupo, no caso a José de Mello Saúde, o PCP defende que é o momento para acabar com as PPP e denunciar os acordos da ADSE com estes grupos.
Na desresponsabilização do Estado na prestação de cuidados de saúde e na transferência desta para os grupos privados, reside a essência da estratégia de ataque ao Serviço Nacional de Saúde.
É assim nos cuidados primários, com o governo a preparar-se para avançar, mais tarde ou mais cedo, com a implementação das Unidades de Saúde Familiares (modelo C) e deixando os centros de Saúde sem os recursos necessários e os utentes sem médico de família, mais de um milhão e seiscentos de acordo com o relatório do tribunal de contas.
O próximo passo está à vista: o Governo vai certamente decretar a breve prazo a inevitabilidade de entregar uma parte dos cuidados primários ao sector privado ou privado-social. O governo está a deitar borda fora tudo o que retira potencial lucrativo a uma eventual gestão privada. A filosofia dos Cuidados Primários de Saúde como parte integrante do desenvolvimento sócio-económico da comunidade, exercendo um trabalho permanente na promoção da saúde e na prevenção da doença, com elevada proximidade dos lugares onde as pessoas vivem e trabalham, está a ser substituída por uma assistência médica primária, exclusivamente centrada no tratamento da doença e em cuidados ocasionais prestados quando procurados pelos utentes. É esta filosofia, obviamente, que convém à lógica de privatização e interessa aos privados por ser facilmente mensurável para efeitos de remuneração.
Nos hospitais, entre avanços e recuos, com falsas justificações e muitos cortes no seu financiamento, o Governo lá vai concretizando os seus objectivos que passam, tal como se pode confirmar na portaria 82/2014 publicada em Abril, por desregular o Serviço Nacional de Saúde da qual beneficiam directamente os interesses do grande capital neste sector. Desclassificação de hospitais, encerramento e transferência de valências, são algumas das consequências da implementação das orientações definidas na portaria que irão ainda condicionar mais o acesso aos cuidados hospitalares e reduzir a qualidade do serviço neles prestados.
No processo de privatização do SNS assume particular destaque o subfinanciamento crónico. Só nos últimos quatro anos, agravados com o Pacto de Agressão, o Governo PSD/CDS-PP cortou na saúde 1667 milhões de euros o que, anulando o efeito do aumento dos preços, significa uma redução real de 2398 milhões de euros.
Mas se para o SNS a orientação de sucessivos governos tem sido cortar, para as Parcerias Público Privadas na saúde o aumento das transferências não pára de crescer.
Simultaneamente e por decisão do actual governo, a ADSE deixou de pagar aos hospitais públicos os serviços prestados aos seus associados desviando a totalidade das suas receitas para pagamento a privados. São cerca de 500 milhões de euros, agora com o aumento do desconto aos trabalhadores para 3,5%, quase totalmente financiados por estes.
Mas o mito de que o Estado português gasta demasiado com a saúde é desfeito quando se confirma que Portugal está abaixo da média dos países da UE e mesmo dos países da OCDE.
Entre 2007 e 2012 a despesa pública com a saúde diminuiu 8,6%, enquanto a despesa com as famílias aumentou 13,9%. As famílias portuguesas gastam hoje 5,2% do seu orçamento familiar com a saúde, enquanto a média nos países da OCDE é de 3,2%.
O actual Governo vangloria-se de estar a controlar a despesa pública. Mas a que preço, perguntamos nós?
Para além da restrição dos direitos e remunerações ao nível dos trabalhadores da saúde, do corte brutal no investimento e nos orçamentos das unidades, esta poupança assentou em grande medida na transferência de mais custos para os utentes, que suportam já de forma directa mais de 30% das despesas com a saúde, ao contrário da grande maioria dos países da União Europeia. Os portugueses pagam mais taxas moderadoras, pagam medicamentos mais caros, pagam cada vez mais consultas e tratamentos no sector privado por falta de resposta do sector público.
Durante anos e anos de silêncio, aqueles que tinham meios económicos, ou que a eles conseguiram recorrer, espontaneamente foram aliviando o seu sofrimento pelo acesso a instituições privadas ou a nebulosas e promíscuas redes de utilização de serviços públicos por interesses privados.
Durante anos e anos, foi crescendo o número dos que, sem recursos, esperam a sua vez muito para além do que é clinicamente aceitável. Quando o seu número se tornou economicamente aceitável os mercados da saúde fizeram as contas, viram neles uma fonte de lucro e fizeram surgir as propostas para que os privados fizessem “aquilo que o público não fez”. Procurando apagar o passado, a direita fez da anunciada eliminação das listas de espera a sua bandeira demagógica contra o serviço público, as listas de espera são de facto a clara demonstração dos resultados da política de subversão do serviço público praticada pela direita, durante largos anos.
Por mais que o Governo procure manipular a realidade, a verdade incontornável, é que a generalidade das decisões que tem tomado são parte do objectivo de criar em Portugal um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desvalorizado, centrado num conjunto mínimo de prestações garantidas e outro, controlado pelo grande capital, sustentado numa rede de seguros de saúde e da prestação de cuidados pelo sector privado, em parte financiada com dinheiros públicos.
A política de sucessivos Governos nos últimos anos em relação à rede de unidades de saúde está aí para o provar. É uma política que assenta no princípio dos três Rs: reduzir, reduzir e reduzir. Fecharam maternidades, urgências hospitalares e centros de saúde, e caminha-se para o encerramento completo e para a concentração de hospitais inteiros e de muitos centros de saúde.
É uma política que conduz a verdadeiros absurdos e distancia muitas populações das unidades de saúde. E a realidade tem vindo a provar que as compensações anunciadas pelo Governo para justificar os encerramentos não existem.
O dramático exemplo de Évora, com a VMER que não saiu em socorro de um homem que acabou por falecer, caso que não é inédito, como outros que tinham acontecido, nomeadamente à porta do centro de Saúde de Vendas Novas há uns anos atrás, vem demonstrar que faltam as capacidades de resposta para aquela, como para outras regiões.
Por tudo isto é preciso pôr fim ao processo de privatização em curso na saúde, que tem tido como timoneiros sucessivos governos do PS e do PSD/CDS. Bem patente, aliás, na proliferação do investimento privado a contar com a falência e subordinação do SNS. Só a resposta dos serviços públicos garante o acesso aos cuidados e a autonomia do Estado na concretização da política de saúde.
Num tempo em que no nosso País o Governo e os arautos da política de direita fazem insistentes alusões à necessidade de termos no nosso País sectores competitivos e de qualidade, bem podia o Governo valorizar o Serviço Nacional de Saúde classificado há uns anos como o 12º a nível mundial pela Organização Mundial de Saúde. Tal como é referido pela Constituição da República, não se garante o direito à saúde sem o instrumento fundamental que é o SNS. Por isso afirmamos que a política que destrói o SNS é a política que nega o direito à saúde.
Da nossa parte tudo faremos para continuar a provar que o SNS público é não só possível como indispensável, e a lutar ao lado de todos aqueles que o defendem, nomeadamente os seus trabalhadores a quem muito se deve o facto do SNS, apesar de todos os ataques que tem sofrido, ainda se manter como um dos melhores do mundo.
Trabalhadores que desvalorizados social, profissional e materialmente, apesar da compressão a que têm sido sujeitos nos seus direitos, têm sido o garante das extraordinárias realizações do SNS na melhoria das condições de saúde da população portuguesa, fruto da sua capacidade técnica, do brio e da consciência democrática dos seus profissionais, e da sua identificação com os interesses do povo.
Também na saúde existe uma política alternativa no quadro da política patriótica e de esquerda, que passa pela defesa e reforço do Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e gratuito, pilar fundamental para um modelo de desenvolvimento que se quer justo e solidário.