Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral
do PCP,
No Jantar de Empresários
Palmela, 18 de Fevereiro de 2002
Permitam-me que vos saúde e agradeça a vossa generosa
presença. Estamos a um mês das eleições
e creio que seria útil neste jantar uma reflexão comum,
com todo o respeito pelas opções e pelo pensamento
de cada um.
Todos sabemos que o PS e o PSD, e os seus governos, enchem a boca
com a importância das micro, pequenas e médias empresas
para o País. No emprego. Na exportação. No
tecido económico das regiões do interior e nos meios
rurais. Mas esse discurso, particularmente audível em períodos
eleitorais, esvai-se, esfuma-se e, fundamentalmente, não
tem qualquer tradução nas políticas económicas.
E as mais das vezes, nem quando são oposição
e se encontram mais à vontade para criticar o outro partido
que se encontra no governo, fazem, tomam, avançam, com qualquer
iniciativa tendente à defesa dos interesses dos micro, pequenos
e médios empresários. E não é por distracção,
não é por incompetência, não é
por desconhecimento, que não o fazem. É porque pura
e simplesmente são outros os interesses que defendem. Os
interesses e os senhores dos grandes grupos económicos, da
finança, da distribuição, da especulação,
do grande capital multinacional, quase sempre transformado em salvador
da Pátria.
Alguém tem dúvidas que, quando há que decidir
na arbitragem entre os interesses conflituantes da grande distribuição
e do pequeno comércio, do comércio tradicional, por
quem se decide o PS e o PSD? Entre os interesses da banca e das
companhias seguradoras, e os dos pequenos e médios empresários,
para onde se inclina o coração do PS e do PSD? A quem
dão prioridade na gestão dos dinheiros comunitários
e nacionais para incentivos à economia? Se alguém
ainda tem dúvidas, não vive no nosso País há
muitos anos!
Não permitiram os governos do PSD/Cavaco Silva que as unidades
dos grandes grupos da distribuição, sem qualquer planeamento,
crescessem como cogumelos por todo o País? Não permitiram
os governos do PS que fosse violada a legislação,
que eles próprios tinham criado, que visava controlar e ordenar
a implantação de grandes superfícies (Unidades
Comerciais de Dimensão Relevante), chegando esses grupos
a 2001 com quotas dos mercados nacional e regionais a ultrapassar
os valores máximos definidos? Não permitiram, uns
e outros, que essas unidades comerciais continuassem a utilizar,
à margem da legislação laboral portuguesa,
elevadíssimas percentagens de mão-de-obra precária
e desvalorizada pelo recurso sistemático a empresas alugadoras
de mão-de-obra? Não permanece o escândalo da
abertura ao domingo e em feriados oficiais, como o 1º de Maio?
Não permitem, uns e outros, que essas unidades imponham condições
leoninas nas relações com os seus fornecedores em
geral, com as pequenas e médias empresas do sector produtivo?
Como é sabido, as micro, pequenas e médias empresas
continuam a ser sangradas pelas condições financeiras
impostas por bancos que cada ano que passa apresentam lucros de
muitos milhões de contos. Banca, aliás, que, retirada
a Caixa Geral de Depósitos, pagou em 2000 taxas efectivas
de IRC de menos de 10%, quando qualquer pequena empresa do sector
produtivo paga 30%!
Aliás, é conhecido que na distribuição
das ajudas do Programa Operacional de Economia, para lá dos
sistemáticos atrasos na aprovação dos projectos
e nos pagamentos das ajudas, o grosso do bolo vai parar aos bolsos
dos grandes grupos portugueses e do grande capital multinacional.
Do mesmo modo, os plafonds dos programas específicos para
os micro, pequenos e médios empresários rapidamente
se esgotam. Em recente balanço oficial da distribuição
dos incentivos do SIME (Julho de 2001) pode verificar-se que 61%
dos projectos das empresas com menos de 100 trabalhadores, absorviam
30% dos incentivos, e que 26 projectos (9% do total) só absorviam
26%! Um só grupo económico, o dos Amorim, foi contemplado
com 10 projectos 10!
Um instituto que, como o nome indica, deveria estar virado para
as micro, pequenas e médias empresas, o IAPMEI, dos 67,8
milhões de contos que gere do POE, 25,1 milhões de
contos (37% do total) já tinham destino marcado: 17,4 milhões
para a Siemens e 7,7 milhões para a Autoeuropa!
Mas a distorção da concorrência não
é só ao nível do País pois permanece
a escandalosa situação das elevadas ajudas dos estados
nacionais dos outros países da União Europeia às
suas empresas, falseando qualquer hipótese concorrencial
das portuguesas e anulando mesmo o sentido das ajudas comunitárias
em Portugal
Tenha-se em conta que os auxílios estatais à indústria
transformadora no biénio 1997/99 foram, em média da
União Europeia, 916 euros/trabalhador, e 1,9% do valor acrescentado,
tendo estes valores atingido na Alemanha, por exemplo, 1211 euros/trabalhador
e 2,4% do valor acrescentado, quando em Portugal esses valores foram
de 193 euros e 0,9%!!
O POE tem orçamentado para 2002, 106 milhões de contos.
Se o Estado português desse um apoio conforme a média
comunitária no triénio 1996/98, o seu valor deveria
ser 234 milhões de contos!
Não é sabido que Portugal tem um dos mercados nacionais
mais abertos, mais permissivos face à produção
estrangeira? Numa avaliação decorrente do recente
inquérito aos empresários europeus, concluía-se
que Portugal era dos mercados de mais fácil penetração
da União Europeia, tendo abaixo de si apenas a Finlândia
e o Luxemburgo, e que os mercados de mais difícil penetração
eram a França, a Itália e o Reino Unido!
Depois, é sabido que a Direcção Geral do Comércio
e Concorrência não tem meios, nem gente, nem condições
para fiscalizar e intervir nas violações da concorrência.
Há inúmeros processos de violação da
concorrência que acabam por prescrever, sem nunca sequer chegarem
a ser julgados.
Alguém acredita que um futuro governo do PSD ou a continuidade
de um governo do PS vai pôr cobro a esta autêntica predação
das micro, pequenas e médias empresas e dos sectores produtivos
a que vimos assistindo no nosso País?
Alguém acredita que quem faz os seus programas eleitorais
com os banqueiros vai depois, no governo, prejudicar os seus interesses?
Não será legítima a dúvida de que quem
leva para consultores da Secretaria de Estado do Comércio
os homens da SONAE e da Jerónimo Martins venha depois a legislar
contra os grandes grupos da distribuição?
Não será legítima a dúvida de que quem
subsidia, ao abrigo da formação profissional, dezenas
de turmas de aprendizagem para as grandes superfícies venha
depois combater e fiscalizar as relações laborais
nessas unidades?
Quem desmantelou, desactivou, enfraqueceu os diversos serviços
de inspecção do estado português em matéria
económica, vai depois controlar importações,
distorções e perversões da concorrência,
violação das normas laborais, a fuga e a evasão
fiscais dos grandes grupos económicos?
Ao longo destes anos houve uma força política na
Assembleia da República preocupada com as micro, pequenas
e médias empresas. Com a concorrência desleal das grandes
superfícies. Com a distribuição dos fundos
comunitários desfavoráveis aos micro, pequenos e médios
empresários. Com a aplicação dos dinheiros
do PROCOM para o comércio tradicional. Com as medidas desadequadas
- caso da legislação da dupla afixação
de preços - e a falta de medidas na transição
do escudo para o euro. Preocupações com muitos dos
sectores económicos onde predominam as pequenas e médias
empresas. Essa força política foi o PCP.
Mesmo nas medidas de reforma dos impostos sobre o IRC e o IRS que,
como é sabido, tiveram o nosso apoio, fomos os únicos
a dar conta dos problemas dos pequenos e médios empresários,
por uma regulamentação tardia e desadequada da lei,
e que na questão nuclear dos "coeficientes técnicos"
que determinarão as taxas de imposição ainda
não foi feita.
PSD e CDS/PP gritaram muito contra a lei. Mas a razão da
gritaria era a taxação das mais valias, dos lucros
das SGPS!
Foi ainda o PCP que fez chegar ao governo um Memorando procurando
que se tivesse em conta a situação das micro, pequenas
e médias empresas.
Propostas que renovou aquando da discussão do Orçamento
do Estado para 2002.
Que não haja dúvida, para que os interesses dos micro,
pequenos e médios empresários possam ser salvaguardados,
a CDU não pode sair enfraquecida em 17 de Março, antes
necessita de ser reforçada!
Temos um programa, temos propostas concretas que mostram a nossa
vontade política de continuar a defender os interesses destas
camadas. Em traços muito sintéticos, podemos enunciar:
- Estabelecer regras e normas que travem a voracidade financeira,
de mercados e de fundos comunitários, do grande capital português
e internacional.
- Apoiar de forma privilegiada o tecido económico das nossas
micro, pequenas e médias empresas.
- Defender, no quadro das regras comunitárias, o mercado
nacional e a produção portuguesa.
- Dar outra força e operacionalidade à intervenção
dos serviços de fiscalização do aparelho do
Estado junto das unidades económicas dos grandes grupos e
nas importações.
A solução para os problemas das PME não pode
ser, como alguns apontam, o não cumprimento das normas fiscais
ou ambientais. Mas a criação de infra-estruturas e
condições técnicas, financeiras e legais, que
lhes permitam não só sobreviver, mas crescer e progredir
no difícil e agressivo mercado europeu onde nos encontramos.
Nestas eleições também os pequenos e médios
empresários estão confrontados com duas opções.
Ou se deixam iludir, e mais uma vez votam no rotativismo sem alternativa,
ou reforçam aqueles que, na Assembleia da República,
lhes dão vão e defendem os seus interesses. Como é
sabido estas eleições não são para eleger
um primeiro-ministro, mas sim para eleger 230 deputados. Os deputados
que a CDU eleger serão sempre deputados que a direita não
terá, e que contribuem sempre para que a direita fique em
minoria na Assembleia da República e seja derrotada. É
falso, por isso, dizer que a única maneira de impedir que
o PSD volte ao governo, é votar no PS. Basta reparar que
se o PS tivesse tido, em vez de 44%, 40%, menos 4 pontos, e a CDU
em vez dos 9%, 13%, mais 4 pontos, a direita continuaria em minoria
mas a relação de forças teria sido diferente,
e a política seguida também. A CDU teria tido mais
força para impedir medidas gravosas e para forçar
a aprovação de medidas e leis positivas.
O voto na CDU é o que melhor serve os interesses dos pequenos
e médios empresários, como o comprova o facto de que
o que de mais positivo foi aprovado na Assembleia da República
em favor dos pequenos e médios empresários, contou
com a proposta, a iniciativa e o apoio da CDU.
Era isto que queria pôr à vossa reflexão.
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