Odete Santos Deputada do PCP à Assembleia da República
A legislatura que chega ao fim ficou indelevelmente marcada pelos debates em torno da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Apesar de todas as manipulações da opinião pública, deverá ter ficado claro que foi o PCP - mais uma vez - que trouxe para a ribalta um dos mais graves problemas que condicionam o estatuto da mulher na família e na sociedade.
A despenalização do aborto
Foi o PCP que, fazendo-se eco dos dramas das mulheres que recorrem ao aborto clandestino, apresentou em 20/06/96, ao findar a 1ª sessão da legislatura, o Projecto de Lei 177/VII - alargando os casos de exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez. E reapresentou a iniciativa legislativa, através do Projecto de Lei 417/VII.
A reboque do PCP, alguns deputados do Partido Socialista subscreveram também iniciativas legislativas, mais restritivas, de resto, alterando a lei sobre despenalização do aborto.
O debate sobre assunto de extrema relevância para a saúde e vida das mulheres, nomeadamente para a saúde e vida das adolescentes, mobilizou de uma forma especial a juventude. Demonstrando-se que se trata de um problema que não poderá deixar de ser resolvido a curto prazo.
De facto, a criminalização da mulher que recorre ao aborto, está no cerne de todas as discriminações que se alargam a todo o género feminino.
Desde os mais remotos tempos, a luta das mulheres visa, ao fim e ao cabo, vencer as barreiras biológicas que têm servido de base à construção da chamada "feminilidade".
É que o confinamento das mulheres dentro das barreiras biológicas é vital para a manutenção de uma ordem económica assente na exploração dos seres humanos pelas classes possidentes.
As mulheres são uma reserva de mão de obra mais barata do que a dos homens. As mulheres cumprem, na tradicional divisão de tarefas, muitas das funções sociais que incumbem ao Estado.
Assim poder económico e poder político estão irmanados no interesse em confinar as mulheres à diferença ditada pelas diferentes características fisiológicas.
O trabalho a tempo parcial, por exemplo, é uma nova forma de convidar a mulher a reentrar nas paredes do lar, conciliando um trabalho parcial (com um salário parcial) com as tarefas da vida familiar.
O desconto nas férias das faltas dadas para prestar assistência ao agregado familiar (conforme consta de proposta de lei do Governo) constitui também uma nova forma de perpetuar a tradicional divisão de tarefas (da mulher a casa, do homem a praça). Tendo, normalmente, a mulher, remuneração inferior à do homem, a tendência será para continuar a exigir á mulher o apoio ao agregado familiar, pois que, dessa forma, o prejuízo, para o casal, resultante do regime daquela proposta de lei será inferior.
Percebe-se porque encontramos em documentos internacionais, o acentuar do direito à igualdade das mulheres na diferença da sua condição biológica. E nem nos devemos espantar com o facto de até o Banco Mundial aparecer como patrocinador desse direito à diferença. É que tal diferença aposta a um grupo - o género feminino - acaba por justificar as diferenças de tratamento. Diferenças assentes nas especificidades biológicas do sexo feminino. Tal diferença motiva a feminização do trabalho a tempo parcial. Serve, até, para a violação sistemática de direitos humanos. Como o que resulta do princípio “para trabalho igual, salário igual”
Esse direito à diferença de todo um género - o género feminino - não consegue encobrir na sua aparente modernidade, as barreiras que impedem a emancipação da mulher. E que são sustentadas pelas especificidades fisiológicas.
A despenalização do aborto, porque representa a libertação da mulher dessas especificidades, porque representa mais um novo salto no domínio da natureza, mais um passo na construção cultural do sexo feminino, não pode deixar de opor em violentos confrontos os que lutam por transformações profundas da sociedade - homens e mulheres - contra aqueles - homens e mulheres, cujos interesses de classe os movem às arrecuas na história da Humanidade.
Só assim pode entender-se o facto de os defensores do Não ficarem perfeitamente sossegados com o facto de continuar a haver abortos clandestinos. Ao fim e ao cabo, o que lhes interessa não é a defesa do embrião e do feto. É a remissão da mulher para o limbo onde se encontram todos os que não gozam, na plenitude, dos direitos humanos.
Só assim pode entender-se porque, também aqui como noutras matérias, as mulheres não constituem uma unidade. São os interesses de classe que as dividem.
E é ainda à luz desta última constatação, que melhor podemos verificar o absurdo de uma lei eleitoral que separava, na representação, os dois sexos. As quotas não representam outra coisa senão a consolidação das especificidades biológicas como justificação doutrinal para a partilha do Poder. Partilha entre alguns homens e algumas mulheres. Com exclusão da maioria dos homens e das mulheres.
O insucesso da batalha pela despenalização do aborto deveu-se, tão só, ao Partido Socialista. Useiro e vezeiro em cambalhotas políticas, o PS fez gorar a grande esperança de pôr termo à mais desumana das desumanas humilhações das mulheres.
Pelo que é inevitável um novo confronto contra a intolerância.
Reforço do direito à saúde reprodutiva
Foi já aprovado na generalidade o Projecto de Lei nº 632/VII, apresentado pelo PCP, que contém novas e importantes propostas destinadas a prevenir o aborto clandestino e a combater o flagelo das doenças se-xualmente transmissíveis, nomeadamente a SIDA.
No Projecto de lei propõe-se que o programa de educação sexual seja ministrado em várias disciplinas, com a colaboração de associações de pais e encarregados de educação, estudantes, centros de saúde e entidades para tal vocacionadas (como, por exemplo, a Associação para o Planeamento da Família).
Propõe-se ainda a distribuição gratuita de preservativos, a solicitação dos estudantes do ensino secundário e superior, e a sua venda a preços módicos, por meios mecânicos, colocados nos referidos estabelecimentos de ensino.
Estabelece-se a gratuitidade de todos os métodos contraceptivos, ainda que receitados na medicina privada.
Propõe-se a criação de consultas de planeamento familiar nos locais de trabalho quando nos mesmos já existam serviços de saúde.
Estabelece-se ainda o direito à prioridade no atendimento nos serviços públicos de saúde, sempre que a mulher recorra à contracepção de emergência (com elevada eficácia - cerca de 75% - a mistura combinada de algumas pílulas existentes no mercado, desde que tomadas nas 72 horas seguintes à relação sexual sem protecção, impede que a mulher engravide). Esta medida, desde que implementada evitará em grande medida, o recurso ao aborto cirúrgico.
Por forma a reforçar o direito dos jovens ao planeamento familiar, assim se reforçando a prevenção de gravidezes adolescentes, propõe-se que os jovens possam ser atendidos em qualquer centro de saúde ou serviço hospitalar, mesmo não sendo da área da sua residência.
O clamor que este projecto de lei suscitou por parte dos defensores do Não à despenalização do aborto, vem provar que não passavam de hipocrisia os argumentos que utilizavam (todos nos recordaremos na sua fé imensa na educação sexual e
no planeamento familiar!).
A ver vamos se o Partido Socialista mantém o seu propósito de viabilizar o projecto de lei do PCP.
Iniciativas do PCP na área laboral e social
A legislatura que ora acaba ficou ainda marcada pela aprovação do Projecto de Lei 133/VII, mais conhecido pelo projecto de lei do BCP - Banco Comercial Português - que é hoje a lei 105/97 - com a qual se reforçaram os mecanismos que garantem o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego. Regista-se que só o PSD, que trazia da anterior legislatura a má consciência de ter rejeitado o Projecto, se absteve.
Mas foi o PS quem inviabilizou que a reforma das mulheres fosse reposta nos 62 anos.
Foi o PS quem inviabilizou que fosse estabelecido um novo regime para as uniões de facto - Projecto de lei nº 384/VII.
Foi o PS quem inviabilizou o Projecto de lei 146/VII - que reforçava a proibição da vigilância dos trabalhadores nos lo-cais de trabalho, através de meios mecânicos e electrónicos (são sobretudo as mulheres têxteis as mais atingidas por aqueles meios repressivos).
Foi já aprovado na generalidade o Projecto de Lei nº 643/VII que institui o direito a uma licença especial nos casos de gravidez de risco. Com o qual se quer pôr cobro ao escândalo da perda de direitos originada por aquela situação.
Foi aprovado - e é hoje a lei 75/98 - o Projecto de Lei nº 340/VII que garante os alimentos devidos a menores, tornando possível que em caso de atraso no pagamento de pensões de alimentos, o progenitor que tem o filho a cargo - normalmente a mulher - veja adiantada pelo Estado a pensão.
Iniciativas do PCP na área do Direito Penal
Foi apresentado o Projecto de Lei nº 269/VII, através do qual o PCP propôs o aumento das coimas por violação da legislação do trabalho, incluindo, portanto, a violação da legislação que proíbe as discriminações das mulheres. Este projecto teve de aguardar durante cerca de 1 ano, já depois de aprovado, pela Proposta de lei do Governo sobre a mesma matéria.
Através do projecto de lei nº 403/VII o PCP propôs o agravamento das penas dos crimes sexuais, nomeadamente daqueles de que são vítimas os menores. O Código penal acabaria por ser alterado nesta matéria através de proposta do Governo.
Reforço do papel das Associações de Mulheres
Foi o PCP quem, através do Projecto de Lei 163/VII - hoje Lei 10/97- veio consagrar para as Associações de Mulheres o estatuto de parceiro social - através da sua representação no Conselho Económico e Social. Consagrando ainda o direito a tempos de antena.
Em jeito de conclusão: A legislatura ficou ainda marcada pelo início da execução da Lei que reforça a protecção das mulheres contra os crimes violentos. Ainda aí não é possível esquecer que foi em 1991 que tal lei surgiu na sequência, mais uma vez, da aprovação, por unanimidade, de um Projecto de lei do PCP.
Na defesa dos direitos das mulheres o PCP tomou sempre a dianteira!