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Projecto de Lei nº 133/VII
Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego


O Grupo Parlamentar do P. C. P. apresentou na anterior Legislatura o Projecto de Lei nº 99/VI com a mesma epígrafe do presente Projecto.

Aquele diploma viria a ser aprovado na generalidade, por unanimidade.

Tendo baixado à Comissão de Trabalho para apreciação na especialidade , o Projecto de Lei viria a conhecer várias vicissitudes. Inexplicáveis.

Finalmente, foi possível chegar a um texto final que acolheu todas as propostas de alteração apresentadas pelo P. S. D.

O P. S. D. votou a favor, na Comissão do texto final.

Contudo, em votação final global no Plenário da Assembleia, o P. S. D. acabou por votar contra as suas próprias propostas, inviabilizando uma lei que reforçaria os mecanismos legais de defesa da igualdade.

Com algumas alterações, umas colhidas no texto da Comissão de Trabalho, atrás referido, outras surgidas de uma melhor reflexão sobre o texto inicial, o Grupo Parlamentar do P. C. P. vem repor a anterior iniciativa legislativa.

A qual nasceu da triste prática discriminatória desencadeada no B. C. P. contra as mulheres.

De facto, ficou célebre aquela instituição bancária, que vedou o acesso das mulheres ao emprego em condições de igualdade com os homens.

O Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas apresentou nesta Assembleia uma petição na qual solicitava, nomeadamente, a adopção de providências legislativas adequadas para o saneamento da situação verificada no BCP.

Na verdade, esta instituição bancária apresentou uma percentagem de trabalhadores de 0,74% correspondente a 22 no universo de 2946 trabalhadores de ambos os sexos.

O Sindicato averiguou que a percentagem de mulheres trabalhadoras em sete outros bancos variava, no mesmo período de tempo, entre 21,7% e 47,5%.

O Senhor Provedor de Justiça, a quem o Sindicato também recorreu, considerou estarem preteridas normas injuntivas como os artigos 13º e 58º da Constituição da República, a Convenção nº 111 da OIT e o Decreto-Lei nº 392/79, de 20 de Setembro.

E assinalou que competia à Inspecção-Geral de Trabalho fiscalizar a aplicação do citado decreto-lei, tanto mais que a CITE já aprovara um parecer considerando que no BCP havia práticas discriminatórias relativamente às mulheres.

Julgamos ainda relevante assinalar que o Senhor Provedor de Justiça considerava que as normas existentes eram suficientes para que a Inspecção Geral do Trabalho exercesse os seus poderes de fiscalização.

Com efeito, segundo o despacho do Senhor Provedor de Justiça, ao qual aderimos inteiramente, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 392/79 estabelece uma cláusula geral, uma principologia que não tem que ressaltar de uma actuação circunscrita.

Assim, não seria necessário a detecção de uma violação caso a caso daquelas normas, ou seja, para a actuação da Inspecção-Geral do Trabalho não seria necessário identificar uma trabalhadora em concreto que tivesse sido objecto de discriminação.

Não o entenderam assim alguns dos elementos da CITE que não votaram a favor do parecer desta Comissão. Não o entendeu assim a Inspecção-Geral do Trabalho e também assim não o entendeu o então Ministro do Emprego e da Segurança Social.

Assim, como o Senhor Provedor de Justiça no seu despacho recomendava a adopção de medidas legislativas se os meios legais existentes não fossem suficientes, e respondendo ao apelo do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, o Grupo Parlamentar do PCP propôs-se estudar o assunto com vista à apresentação de um projecto de lei.

Cujo alcance excede em muito o âmbito da actuação do BCP.

É que as discriminações existem no dia a dia em diversificados locais de trabalho, mesmo na Administração Pública.

E para que não possa invocar-se a inexistência de legislação que efective o que na Constituição e em convenções, recomendações e directivas internacionais está

Consagrado- o direito à igualdade de tratamento- o Grupo Parlamentar do PCP, com base, nomeadamente, no parecer da CITE e numa proposta de directiva sobre ónus de prova pendente no Parlamento Europeu, apresenta um projecto de lei com o qual pretende contribuir para o aperfeiçoamento do sistema legal vigente.

Sinteticamente, o projecto assenta nas seguintes traves mestras:

  1. Não é preciso a verificação de práticas discriminatórias relativamente a uma trabalhadora em concreto para que se verifique uma contraordenação punível com coima
  2. A inversão do ónus de prova;
  3. A legitimidade das associações sindicais na propositura de acções judiciais visando declarar a existência de práticas discriminatórias, ainda que nenhuma trabalhadora em concreto, vítima daquelas práticas se apresente a reclamar;
  4. A indispensabilidade de o empregador justificar, nomeadamente, que só critérios objectivos justificam desproporções consideráveis entre a taxa de feminização existente no mesmo ramo de actividade, e a mesma taxa verificada nos cursos cujos currículos dêem acesso aos lugares para que houve recrutamento;
  5. A obrigação de manutenção por parte dos empregadores, durante cinco anos, dos registos necessários ao apuramento da existência de práticas discriminatórias;
  6. O registo, na CITE, de decisões que tenham declarado a existência de violação do direito à igualdade de tratamento;
  7. A publicação daquelas decisões e a afixação nos locais de trabalho;
  8. A organização e publicação atempadas pelo Governo das estatísticas necessárias à execução do diploma;
  9. A definição do conceito de discriminação indirecta adoptando-se o existente em acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu.

Seguramente que não se trata de um projecto perfeito e acabado.

Mas será um contributo para a obtenção de um diploma que torne possível desobstruir o caminho da igualdade, da democracia , que é o tema central da luta das mulheres portuguesas.

Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1º

Âmbito

1. O presente diploma aplica-se a todas as entidades públicas ou privadas e visa aperfeiçoar as garantias da efectivação do direito das mulheres à igualdade de tratamento no trabalho e emprego.

2. As disposições do presente diploma aplicam-se, com as necessárias adaptações, a situações ou práticas discriminatórias contra os homens.

Artigo 2º

Punição de práticas discriminatórias

1. Sem prejuízo de aplicação de outra sanção que ao caso couber, constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e dez salários mínimos mensais mais elevados, qualquer prática discriminatória em função do sexo, quer directa quer indirecta, quando não se apure a discriminação relativamente a qualquer trabalhadora em concreto.

2. Em caso de reincidência o limite mínimo será elevado para o dobro

Artigo 3º
Responsabilidade pelo pagamento das coimas

Às pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto e aos seus órgãos ou representantes, é aplicável o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei 491/85 de 26 de Novembro.

Artigo 4º
Discriminação indirecta

Existe discriminação indirecta sempre que uma medida, um critério ou uma prática aparentemente neutra prejudiquem de modo desproporcionado os indivíduos de um dos sexos, nomeadamente por referência ao estado civil ou familiar, não sendo justificados objectivamente por qualquer razão ou condição necessária não relacionada com o sexo.

Artigo 5º

Indiciação da discriminação

Indiciam, nomeadamente, a prática discriminatória os seguintes factos:

  1. Desproporção considerável entre a taxa de feminização nos serviços do empregador e a taxa existente no mesmo ramo de actividade;
  2. Desproporção considerável entre a taxa de feminização nos serviços do empregador e a respectiva taxa verificada nos estabelecimentos de ensino ou nos cursos de formação profissional cujo currículo dê acesso aos lugares para que houve recrutamento.


Artigo 6º
Controlo Judicial e Legitimidade

1. Sem prejuízo da legitimidade assegurada noutros preceitos legais, podem as associações sindicais representativas dos trabalhadores ao serviço da entidade que desrespeite o direito à igualdade de tratamento, propor, junto dos tribunais competentes, acções tendentes a provar qualquer prática discriminatória, ainda que nenhuma trabalhadora se apresente a invocar aquela prática.

2. As acções previstas no número anterior seguem os termos do processo ordinário de declaração.

Artigo 7º

Ónus da prova

Nas acções previstas no artigo anterior, provada a medida, critério ou prática, prejudicando, de modo desproporcionado os indivíduos de um dos sexos, cabe ao empregador o ónus de provar que os mesmos se baseiam em factores diversos do sexo.

Artigo 8º

Registos

Todas as entidades públicas e privadas deverão manter durante cinco anos registos de todos os recrutamentos feitos, donde constem, por sexos, nomeadamente os seguintes elementos:

  1. Convites endereçados para preenchimento de lugares;
  2. Anúncios publicados de ofertas de emprego;
  3. Número de candidaturas apresentadas para apreciação curricular;
  4. Número de candidatos presentes nas entrevistas de pré-selecção;
  5. Número de candidatos aguardando ingresso;
  6. Resultados dos testes ou provas de admissão ou selecção;
  7. Balanços sociais, quando obrigatórios nos termos da Lei 141/85 de 14 de Novembro, relativos a dados que permitam analisar a existência de eventual discriminação das mulheres no trabalho e no emprego.


Artigo 9º

Acesso à documentação

Oficiosamente, o juiz ordenará a junção aos autos de toda a documentação necessária ao julgamento da causa, nomeadamente os elementos referidos no artigo anterior e quaisquer dados estatísticos ou outros que julgue relevantes.

Artigo 10º

Competência e Processo

1-É da competência da Inspecção-Geral do Trabalho o levantamento de autos de notícias pela contraordenação prevista no artigo 2º deste diploma, sendo aplicáveis com as necessárias adaptações, as disposições dos artigos 46º a 57º do Decreto-Lei nº 491/95, de 26 de Novembro e , e as disposições do Código de Processo de Trabalho relativas ao Processo Penal Laboral.

2- Caso estejam em causa procedimentos no âmbito da Administração pública aplicável o nº2 do artigo 2º do Decreto-Lei 426/88 de 18 de Novembro.

Artigo 11º

Assistentes

As associações sindicais referidas no artigo 4º deste diploma podem constituir-se assistentes no processo contra-ordenacional, beneficiando da isenção do pagamento da taxa de justiça e das custas.

Artigo 12º

Elemento subjectivo

A existência ou não de intenção de discriminação não terá qualquer influência na decisão sobre a existência de violação do direito à igualdade de tratamento.

Artigo 13º

Publicação das decisões

1-A decisão que declare provada a existência de prática discriminatória será enviada pelo Tribunal, para publicação a expensas do empregador, imediatamente após o trânsito em julgado, num dos jornais mais lidos do País.

2-O empregador é obrigado a afixar a decisão referida no número anterior, em todos os locais de trabalho em que desenvolva a sua actividade, pelo período de trinta dias, a partir do dia útil imediatamente seguinte ao trânsito em julgado da decisão.

Artigo 14º

Registo das decisões

1. Todas as decisões serão enviadas à Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, que organizará um registo das mesmas.

2. No decurso de qualquer processo baseado na violação do direito à igualdade de tratamento o julgador deverá, oficiosamente, solicitar à Comissão informação sobre o registo de qualquer decisão já transitada relativa ao mesmo agente.

Artigo 15º

Sonegação de elementos

A violação dos deveres previstos no artigo 8º deste diploma e a sonegação de elementos constitui crime de desobediência qualificada, punível nos termos da legislação penal.

Artigo 16º

Estatísticas

Compete ao Governo a organização e publicação atempada das estatísticas necessárias à execução deste diploma.

Artigo 17º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação.

Assembleia da República, 20 de Março de 1996

Os Deputados,