 

Intervenção de Carlos Carvalhas
Secretário-geral do PCP
A nossa Conferência está a chegar ao fim, depois
de um grande esforço das organizações para
o envolvimento dos militantes no debate e na reflexão para
encontrarmos as respostas e os caminhos que nos permitam superar
deficiências, dinamizar a iniciativa política das bases
ao topo, reforçar a nossa capacidade de luta e intervenção
qualificada na oposição à política de
direita.
E podemos afirmar que, a concretização das primeiras
medidas deste governo, mais confirmam a necessidade deste Partido
e do seu reforço e mais confirmam a importância dos
contributos que chegaram a esta Conferência.
Mas, no encerramento da nossa Conferência Nacional, queremos
saudar de forma especial todos os militantes do Partido que, com
a sua participação e intervenção nas
reuniões e assembleias para debate político e eleição
de delegados ou através de outras contribuições
e reflexões individuais, se empenharam em expressar os seus
pontos de vista e em exercer plenamente os seus direitos democráticos
na vida interna do Partido e reafirmaram o valor insubstituível
do debate franco e leal com os seus camaradas. Com a sua participação
deram um novo testemunho de como, apesar de tudo, continua forte
e viva no nosso Partido a justa concepção de que no
PCP haverá responsabilidades, experiências, percursos,
tipos de conhecimento e opiniões diferenciadas, mas que nada
disso pode apagar nem a igualdade de direitos e deveres entre membros
do PCP, nem a indispensável consciência de que, sempre
e sempre, todos temos a aprender com todos.
É sabido, e aqui o reafirmamos sem margem para dúvidas,
que temos os nossos próprios padrões, exigências
e ambições do funcionamento democrático do
nosso Partido que nos distanciam de qualquer auto-contentamento
que resultasse da simples comparação da nossa vida,
das nossas regras e critérios com as de outros partidos.
Por isso mesmo, também é sabido, e aqui
o reafirmamos com toda a clareza, que consideramos inteiramente
natural não apenas a existência de insatisfações
e de críticas mas também o nosso comum empenho em
fortalecer a nossa democracia interna e a mais larga participação
dos militantes na construção das orientações
e da intervenção do Partido.
Mas isso não nos retira autoridade para estranhar que tantos
que olham o PCP de fora e que, de fora, sobre ele dão opiniões
devastadoras e sobre ele despejam arrogantes sentenças, só
“descubram” os “problemas” de democracia
interna dos partidos a propósito dos Congressos ou Conferências
do PCP (e nunca a respeito dos Congressos ou Conferências
de outros partidos), assim como só a propósito do
PCP “descubram” e se interessem pelo número de
militantes e pelos respectivos escalões etários, pela
percentagem de pagamento de quotas e por muitos outros aspectos
internos, sem terem a franqueza de reconhecerem que só podem
falar disso porque o PCP divulga tranquilamente os dados que os
outros partidos quase sistematicamente escondem ou omitem.
Para não haver confusões, repetimos: mantemos
as nossas insatisfações e a consciência de deficiências
que importa superar e, definitivamente, não somos cultores
de critérios e técnicas de consolação.
Mas desafiamos quem estiver de boa-fé a olhar para
os resultados eleitorais das últimas autárquicas e
legislativas e para os nomes dos partidos que aí sofreram
derrotas, e vejam depois se conseguem descobrir outro partido, para
além do PCP, que esteja agora a terminar um processo de debate
de quase seis meses. Outro partido, para além do PCP, que
tenha assumido com tanta frontalidade os problemas, interrogações
e desafios criados por esses resultados e pelas mudanças
políticas que trouxeram. Outro partido, para além
do PCP que tenha criado tantos espaços para a intervenção
e opinião dos militantes. Outro partido, para além
do PCP, que tenha publicado no seu jornal quase 150 textos com diversificadas
opiniões dos seus militantes e que faça preceder a
eleição democrática de delegados de um importante
período de debate político.
A proposta de Resolução Política agora votada,
dedica o primeiro capítulo, desde logo, ao novo quadro político
em consequência dos resultados eleitorais de 17 de Março,
e da formação do governo PSD/CDS-PP, dispondo da maioria
absoluta de deputados.
Como aí se afirma, estamos perante uma situação
muito negativa tal como o comprova o Programa do Governo e as medidas
já anunciadas em que se aponta para o agravamento e a acentuação
das políticas de direita, para levar ainda mais longe as
políticas neoliberais, para dar mais um passo no sentido
da privatização de importantes empresas e dos sistemas
públicos da saúde, ensino e outros serviços
públicos.
Procurando aproveitar-se do chamado “estado de graça”,
e tirando partido da maioria absoluta, o Governo lançou uma
ofensiva de grande envergadura.
Começou por empolar o desequilíbrio das contas públicas
para depois as instrumentalizar, aumentando os impostos, acabando
com os juros bonificados à compra de casa própria,
ameaçando milhares de trabalhadores da Administração
Pública, procurando reduzir a RTP a um apêndice no
panorama televisivo português e avançando com os propósitos
de mudar a legislação laboral e privatizar as partes
mais rentáveis da Segurança Social.
Há um desequilíbrio das contas públicas,
sempre o dissemos, mas consideramos totalmente errado sacrificar
o desenvolvimento do país, o aparelho produtivo nacional
e o investimento público para cumprimento do défice
zero ou próximo do zero em 2004, tal como foi agora acordado
em Sevilha, seguindo cegamente o Pacto de Estabilidade.
Numa altura em que as tendências recessivas são evidentes,
a política orçamental deveria ser um instrumento de
compensação, nomeadamente através do investimento
público produtivo e não o contrário. A
política restritiva a «mata cavalos e as declarações
de que o País está de tanga», têm vindo
a criar um clima extremamente negativo, que não se recupera
com o marketing político apresentando quarenta medidas, ditas
de reanimação da economia.
A subalternização do aparelho produtivo, a liquidação
das nossas pescas e da nossa agricultura e a entrega de importantes
empresas estratégicas através das privatizações
ao domínio do capital estrangeiro, tem-se traduzido numa
crescente substituição da produção nacional
pela importada, aumentando de forma alarmante o défice das
contas externas e o endividamento ao estrangeiro. A continuar
tal política aumentará a subordinação
do poder político ao poder económico e este será
cada vez mais determinado pelos centros de decisão externos.
Os grandes interesses já estão hoje representados
directamente no governo através de ministros e secretários
de Estado. As suas opções de classe são claras,
embora o governo as procure mistificar com as dificuldades financeiras
e com um discurso de vitimização, no estilo: “nós
encontrámos uma situação muito má, temos
que tomar medidas, nenhum governo gosta de tomar medidas impopulares!”.
Acreditamos que nenhum governo “goste” de tomar medidas
impopulares, mas é uma evidência que não se
pode satisfazer a gula dos grandes interesses e ainda encontrar
meios para ir ao encontro das justas aspirações e
reivindicações populares, nomeadamente quando a submissão
ao Pacto de Estabilidade «torna a manta mais curta».
E é por isso, que o governo optou por aumentar a taxa do
IVA em dois pontos percentuais, imposto cego e injusto que não
faz qualquer diferenciação entre o multimilionário
e o que ganha o salário mínimo e simultaneamente isentou
vergonhosamente em 20% os lucros do capital financeiro sediados
no off shore da Madeira.
E é também por isso, que o governo nada avança
em relação à tributação da Banca
que paga de taxa efectiva de IRC 12 a 14 %, taxa muito inferior
ao que paga qualquer outro empresário, mas simultaneamente
revoga a tributação sobre as mais valias obtidas nas
transações bolsistas e elege como primeira prioridade
a alteração do contrato individual do trabalho, na
exacta medida e conteúdo reivindicado pelos sectores mais
retrógrados da sociedade portuguesa.
É, em defesa dos objectivos estratégicos do grande
capital financeiro que o Governo pretende rever a Lei de Bases da
Segurança Social de Agosto de 2002, com a maior urgência
e procurando, se possível, evitar a audição
pública dos trabalhadores aproveitando o seu período
de férias.
As várias declarações do Ministro
da Segurança Social, nomeadamente nos últimos dias,
acentuam claramente o objectivo de iludir o alcance das alterações
que pretendem introduzir na actual lei – designadamente, com
o estabelecimento de tectos contributivos a serem geridos pelos
fundos de pensões privados. Trata-se de um processo
de “grande fôlego” que visa abrir o caminho para
a crescente privatização das partes mais rentáveis
da segurança social com custos mais elevados, não
só para as reformas dos trabalhadores que ficariam assim,
sujeitas às oscilações dos mercados bolsistas,
mas também, na redução do sistema público
e do seu insubstituível papel na garantia de uma segurança
social para todos e numa efectiva melhoria do valor das prestações
sociais, sobretudo das pensões e das reformas.
Centrando a fundamentação das alterações
que pretendem introduzir na defesa dos trabalhadores, dos beneficiários
e dos que mais precisam. Acenando inclusivamente com aumentos de
pensões e de reformas que aliás, já estavam
previstas na Lei de Bases, o Governo tem em curso uma fortíssima
mistificação do conjunto dos beneficiários/contribuintes
que não pode deixar de merecer um activo e empenhado combate.
É conhecido o apetite das seguradoras privadas e do capital
financeiro pelos milhões acumulados pelos trabalhadores –
os fundos de pensões – e por isso, exigem que a alteração
da lei se faça rapidamente, enquanto a relação
de forças for favorável.
É de crucial importância que, no momento actual e
face à intenção do Governo de promover a discussão
das alterações à lei de Bases a 10 de Julho,
na Assembleia da República, que se promova um forte movimento
de resistência e luta contra a tentativa de privatização
da segurança social, envolvendo o conjunto dos trabalhadores
no activo, os reformados, as novas gerações de trabalhadores
e outros segmentos da população para quem a consolidação
do sistema público de segurança social e o cumprimento
da actual lei de Bases é um direito e uma conquista civilizacional
de que não podem prescindir porque consagra direitos e garantias
que defendem e protegem a vida humana face aos riscos sociais e
aos contextos políticos e económicos adversos.
Procurando confrontar os partidos da coligação governamental
com as suas promessas eleitorais, o Grupo Parlamentar do PCP, apresentou
uma proposta no sentido de o governo compensar as baixas reformas
e os mais baixos salários da Administração
Pública, em que a perda do poder de compra pela inflação
tem sido significativa.
É bom que se saiba que tanto o PSD como o PP, votaram contra
esta proposta do PCP. Ficou assim claro para que serviram as promessas
do PSD e do PP, na campanha eleitoral e a forma como estes partidos
honram os seus compromissos. Mas ficou também clara a oposição
do PS que teve de alinhar com a direita parlamentar devido à
política do seu Governo.
O Governo da direita nas suas primeiras medidas tem confrontado
muitas vezes o PS, aproveitando-se de afirmações,
práticas e compromissos do anterior governo com políticas
desgraçadas no campo da saúde, do ensino, da reforma
fiscal, da política de salários e até em relação
ao “plafonamento” na Segurança Social.
Mesmo em relação ao plano de privatizações
anunciado pelo actual governo, Jaime Gama, encarregou-se de revelar
na Assembleia da República, perante os sorrisos dos deputados
dos restantes grupos parlamentares, que aquela lista era a que o
governo socialista tinha em carteira para concretizar! Tal revelação,
que só por si, é mais um testemunho dos eixos da política
neoliberal que o anterior governo queria prosseguir, também
criou incomodidades nalguns deputados do PS, precisamente naqueles
que querem agora dar uma imagem do PS como grande opositor à
política governamental e apagar da memória as práticas,
os compromissos e as políticas de direita.
Pela nossa parte temos vindo a apresentar na Assembleia da República
as diversas propostas que avançámos ao povo português,
cumprindo com a palavra dada e confrontado o governo com as suas
verdadeiras opções.
Na verdade, apesar de ter estado nestes três meses envolvido
num profundo debate político no quadro da preparação
desta Conferência, o PCP não fechou para discussão,
nem reduziu a sua intervenção no plano da luta de
massas e no plano institucional.
Os comunistas estiveram por todo o país em pequenas e grandes
lutas pela defesa dos postos de trabalho, pela melhoria dos salários,
pelos direitos de quem trabalha, por reivindicações
justas das populações.
O PCP participou também nas vigílias de solidariedade
com o povo da Palestina e nas manifestações e concentrações
pela Paz em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Desencadeou as acções de esclarecimento e protesto
sobre o aumento de impostos e o corte do crédito bonificado
para aquisição de habitação própria.
Esteve nas manifestações de trabalhadores da RTP
e de protesto contra a política do Governo a este respeito;
nas manifestações e protestos da Função
Pública, da CGTP-IN, dos estudantes, dos pescadores, dos
operários têxteis e no lançamento de novas e
importantes batalhas como a campanha “muita força para
pouco dinheiro”, para a dignificação dos trabalhadores
do sector da Construção Civil. O PCP manifestou também
a sua solidariedade activa aos trabalhadores de várias empresas
vítimas de encerramento e deslocalizações em
vários distritos, tendo também nesta matéria
confrontado o Governo com as suas responsabilidades e com os compromissos
do PSD e do PP na anterior legislatura.
No plano institucional, os projectos lei sobre a Interrupção
Voluntária da Gravidez, a reposição da tributação
das mais valias nos impostos sobre o rendimento, a redução
para as 35 horas por semana do tempo de trabalho, a actualização
extraordinária das pensões mínimas de invalidez
e velhice, a criação das autoridades metropolitanas
de transportes de Lisboa e do Porto, e o aumento do salário
mínimo nacional, foram os primeiros a dar entrada na Assembleia
da República nesta legislatura.
Posteriormente apresentámos propostas legislativas em matérias
tão diversas como a alteração da lei do “Conselho
das Comunidades Portuguesas”; a criação dos
Órgãos Representativos dos Portugueses Residentes
no estrangeiro; a recuperação de edificações
devolutas e degradadas em centros e núcleos históricos;
a alteração do regime de entrada e, permanência,
saída e afastamento de estrangeiros do território
nacional; a revogação das discriminações
legais no acesso ao emprego em razão da nacionalidade; o
combate à evasão e fraude nas contribuições
ao regime da Segurança Social; a iniciativa legislativa popular;
a nova forma de financiamento da Segurança Social com base
no valor acrescentado bruto e a alteração do regime
do exercício do direito de petição.
Suscitámos a apreciação parlamentar do Plano
Nacional da Água, apresentámos Projectos de Resolução
em defesa dos interesses nacionais na revisão da Política
Comum de Pescas, por uma verdadeira política de defesa e
promoção do Ensino da Língua e Cultura Portuguesa
no estrangeiro e sobre a situação no Médio
Oriente. Propusemos ainda a constituição de uma Comissão
de Inquérito Parlamentar à aceitação
pelo Estado de acções da SAD do Benfica, como garantia
de dívidas fiscais em processo de execução.
Além de muitas outras intervenções, tomadas
de posição, o PCP concretizou ainda uma valiosa audição
sobre o serviço público de Televisão e Radiodifusão
e uma participada reunião pública sobre a decisão
do governo de fundir os Institutos ligados à Prevenção
e Combate à Toxicodependência. Creio que são
testemunhos claros da empenhada e da diversificada iniciativa e
intervenção do nosso Partido.
Apesar de toda esta intensa e qualificada intervenção
do nosso Partido nestes dois meses de novo Governo, ainda ontem
num órgão de informação havia quem falasse
do PCP como um partido «incapaz de ter presença política
e parlamentar que marque a actualidade» e como um partido
afectado «por uma inexistência política como
protagonista da oposição».
Não estranhemos esta cegueira e este autismo. Aqueles que
confundem as páginas preconceituosas onde escrevem como um
espelho da realidade, aqueles que sempre acharão mais interessante
um espirro ou uma boa intriga nos corredores da Assembleia da República
do que um bom e sério projecto de lei do PCP, aqueles que
não desistem de torcer a verdade e a realidade até
ela se encaixar nos seus dogmáticos esquemas mentais sobre
o PCP, sempre assim pensarão e sempre assim escreverão.
Porque, para estas almas, a separação entre belos
e monstros, entre cinzentos e mediáticos, entre brilhantes
e baços, entre frescos e cansados, entre anjos e demónios
já está feita há muito tempo e nunca sofrerá
nem mudança nem renovação.
A política de direita com que os trabalhadores e o povo
são confrontados torna ainda mais necessário um PCP
forte, mais actuante e mais interveniente. E foi também com
este objectivo que realizámos esta Conferência.
Queremos também daqui saudar a luta da Função
Pública e da Frente Comum, bem como a CGTP, a grande central
sindical dos trabalhadores portugueses e sublinhar o significado
das duas magnificas manifestações em defesa dos trabalhadores,
às quais demos o nosso inteiro apoio.
Sobre esta magnífica iniciativa, anteontem o Primeiro-ministro,
manifestamente agastado com a manifestação promovida
pela CGTP-IN, abriu o baú do anticomunismo para afirmar que
na manifestação havia uma orientação
política do PCP, e não preocupações
sociais tecendo ainda considerações sobre o nosso
Partido ao mesmo tempo que procurava minimizar aquela grande jornada
de luta.
Sobre isto queremos deixar apenas quatro breves anotações.
A primeira, para perguntar o seguinte: se o PCP
está assim tão debilitado e se a manifestação
não teve importância, quais as razões
do nervosismo e do embaraço do Primeiro-ministro?
A segunda, para dizer ao Primeiro-ministro que assumimos
com muita honra e orgulho que muitos milhares de comunistas, conjuntamente
com outros trabalhadores de diversas opções políticas
e de Norte a Sul do País, não só se manifestaram
como incentivaram colectivos de trabalhadores a incorporarem-se
nesta grande manifestação convocada autonomamente
pela CGTP-IN, contra a política antisocial ao serviço
dos grandes interesses.
A terceira, para lhe garantir que o PCP e os seus militantes
vão continuar generosamente a participar e a intervir em
todas as lutas contra uma política injusta e de exploração,
e em todas as causas que fazem a razão de ser da sua existência
e da sua vida.
A quarta, para lhe lembrar, dado que o Governo está
no início, que aquando dos acontecimentos da Ponte 25 de
Abril, Cavaco Silva também no estilo do 24 de Abril, procurou
jogar com o papão do anticomunismo. O que sucedeu depois
é uma história conhecida.
O novo quadro político e as responsabilidades que temos
perante os trabalhadores, o povo e o país, exige que este
Partido reforce a sua influência o que passa também
pela sua organização, como instrumento fundamental
de ligação às massas e como meio de dar força
material às nossas ideias, propostas e objectivos.
São de grande importância o conjunto de orientações
que constam da Resolução aprovada, como o
estímulo e a valorização da militância,
da iniciativa própria de cada organização e
dos militantes, com a ideia clara que o Partido não é
uma entidade abstracta mas sim em cada local – de trabalho
ou de residência – aquilo que o conjunto dos seus militantes
consiga que seja, pela sua iniciativa inserida no dinamismo e funcionamento
do colectivo partidário.
O alargamento do núcleo activo, a renovação
e o rejuvenescimento de organismos, o aumento do número de
camaradas com tarefas e responsabilidades e uma mais larga responsabilização
de quadros são objectivos de grande importância e de
grande actualidade, que é agora necessário concretizar.
É também de grande importância e de grande significado
o lançamento e o êxito da campanha de recrutamento
de mais 2 000 novos militantes até ao fim do primeiro semestre
do próximo ano.
E em relação a esta questão, contrariando
todos aqueles que ao longo dos anos nos vêm sentenciando o
envelhecimento do PCP (em análises superficiais que parecem
basear-se no estranho princípio de que só os membros
do PCP envelheceriam e os outros não), a não capacidade
de atracção e a morte, queremos daqui informar a Conferência
e o colectivo partidário que no último ano as inscrições
no Partido se saldaram em mais 2 400 membros, 45% dos quais com
menos de 30 anos, sem contar obviamente, com a JCP. Para quem, como
alguns dizem, deixou de ter poder de atracção e designadamente
em relação às novas gerações,
estes dados são um balde de água fria, mas são
também a confirmação de que este Partido de
causas e valores, de luta e de projecto, tem futuro e tem os olhos
postos no futuro.
O fluxo de jovens simpatizantes e o significativo aumento de jovens
que têm vindo nestes últimos tempos ao Partido, sendo
já hoje militantes exigem da nossa parte uma cada vez mais
audaz política de inserção, valorização
e responsabilização destas novas gerações
de quadros. E há que dar uma maior atenção
e aprofundamento às questões da juventude e do diálogo
do Partido com as novas gerações. Queremos também
daqui valorizar e saudar a luta e acção da JCP, a
juventude do PCP, que também tem vindo a alargar as suas
fileiras e que em breve realizará o seu Congresso.
É também de grande importância o desenvolvimento
do trabalho com as outras camadas e sectores sociais, designadamente,
os intelectuais e quadros técnicos, os micros e pequenos
e médios empresários, os reformados pensionistas e
deficientes. É igualmente necessário considerar medidas
para o reforço da acção visando a participação
das mulheres em igualdade e a nossa intervenção junto
dos agricultores e pescadores.
Uma outra questão que tem de estar sempre presente e que
deve ser tão natural como o ar que respiramos é a
do exercício da democracia interna como característica
essencial do funcionamento do Partido que, como se afirma
na Resolução, não se define apenas pelas suas
normas estatutárias, mas fundamentalmente com práticas
concretas.
O respeito pelas opiniões dos outros, o saber ouvir
e ser ouvido, a rejeição do autoritarismo, do “mandonismo”
e da sobreposição das opiniões individuais
e de grupo, sobre a opinião colectiva; a dinamização
das Assembleias de Organização; a realização
de plenários de militantes onde a opinião circula
largamente; o lançamento de uma acção em toda
a organização partidária para a aceleração
do esclarecimento da situação dos membros do Partido
para sabermos com mais rigor quantos somos e o que somos e contribuir
para a integração dos militantes em organismos e organizações;
a prestação regular de contas; o desenvolvimento do
sítio Internet do PCP e a realização com maior
regularidade de espaços do “Avante!” destinados
à participação dos membros do Partido, são
direcções de grande importância com vista ao
aprofundamento da democracia interna.
A influência eleitoral do PCP
Os actos eleitorais e os factores que mais pesaram nos maus resultados
também estiveram em exame na preparação da
nossa Conferência.
Muito já se afirmou e avançou na aproximação
aos factores que determinaram os maus resultados. Mas permitam-me
ainda que em relação às eleições
legislativas adiante mais alguma coisa, tanto mais que o tema exige
que o continuemos a aprofundar.
E a questão que gostaria de pôr à vossa reflexão
é esta: há dois anos, nas penúltimas eleições
legislativas, com um PS menos desprestigiado conseguimos eleger
mais dois deputados e um aumento percentual, embora pequeno.
Dois anos após, com um PS mais desprestigiado e desmascarado
tivemos um mau resultado. Como explicar que dois anos após,
com uma importante e reconhecida intervenção na Assembleia
da República e fora dela tivéssemos um resultado decepcionante?
O que é que pesou?
Os acontecimentos do Leste e as dificuldades de organização
não terão pesado mais nestas últimas eleições,
do que em outras, tal como a mistificação centrada
na escolha do Primeiro-ministro. Então o que é pesou
mais, o que é que houve de mais particular e específico
nestas últimas eleições?
Após a súbita convocação de eleições
legislativas antecipadas, numa conjuntura política e de opinião
muito marcada, quanto à CDU, pelos variados impactos do seu
mau resultado nas autárquicas, muitos eleitores acharam também,
que o PS já tinha sido castigado nas autárquicas e
que se lhe devia dar mais uma chance. Depois, nestas eleições
o perigo do regresso da direita ao poder era real, o que facilitou
a mistificação do voto útil.
Mas, em relação ao nosso Partido e sem subestimar
as nossas deficiências e desacertos, também pesou e
muito negativamente na imagem do PCP, as repetidas afirmações
feitas por alguns membros do Partido com grande repercussão
na comunicação social, de que tínhamos feito
do PS o “inimigo principal”, de que empurrámos
o PS para a direita, de que fomos responsáveis pela antecipação
das eleições e de que a nossa manifestação
de disponibilidade para examinarmos com as outras forças
à esquerda a possibilidade de concretização
de uma política de esquerda não era nem credível
nem verdadeira, adiantando a este respeito argumentos mesquinhos
e falsos. E pesou ainda a imagem que nos quiseram colar até
ao último minuto, reavivando todos os preconceitos anticomunistas,
de um partido que não tinha em conta os aspectos humanos,
de um partido frio, insensível, execrável por não
ter incluído nas suas listas tal ou tal candidato...
Estamos convencidos que, no conjunto do Partido, também
não se achou natural nem inocente que tendo alguns membros
do Partido conseguido as tribunas, os meios de difusão e
o relevo mediático que no passado, enquanto responsáveis
pelo PCP, lhes eram em regra negados, não as tivessem aproveitado
para expor qualquer argumento favorável ao voto na CDU ou
expressar qualquer significativo ou claro apelo ao voto na CDU em
17 de Março.
Estamos convencidos também que, no conjunto do
Partido, predomina largamente a consciência da absoluta inaceitabilidade
do prosseguimento de tentativas de impor, pela via dos factos consumados,
a constituição de tendências organizadas
dotadas dos seus próprios porta-vozes e agindo, sempre que
lhes apetecer, em contestação pública às
orientações do Partido e prosseguindo objectivos internos
de grupo, com espírito de grupo e tácticas de grupo,
que são frontalmente ofensivas dos princípios de lealdade
e solidariedade entre os comunistas.
A par de tudo isto, estamos convencidos de que, no conjunto
do Partido, prevalece e predomina largamente uma viva consciência
de que alguns membros do Partido reclamam para si próprios
o «direito» a atitudes, métodos e procedimentos
que, no presente ou no passado, jamais teriam tolerado que fossem
dirigidos contra si próprios ou contra as responsabilidades
que exerceram ou exercem. E que existe uma viva consciência
de que a generalização a todos os militantes
(e com orientações ou propósitos inevitavelmente
dos mais variados) dos alegados «direitos» que
alguns invocam para si próprios, conduziriam à completa
desagregação do Partido e à sua inexorável
deserção das responsabilidades que tem perante os
trabalhadores, o povo, a democracia e o país.
Neste ponto, e para evitar uma consabida tentativa de criar confusão,
queremos mais uma vez acentuar o que deveria ser óbvio e
que tem marcado todas as posições da direcção
do PCP: é que estas observações críticas
dirigem-se a quem fez as referidas declarações,
a quem assumiu os referidos comportamentos públicos e a quem
promoveu, organizou e coordenou as referidas iniciativas e
não a todos os que porventura partilhem de opiniões
similares ou porventura tenham entendido, numa conjuntura de grande
amargura e preocupação, apoiar esta ou aquela iniciativa.
Na preparação desta Conferência, fizeram-se
sucessivos apelos para que se fizesse no Partido, um debate vivo,
frontal, mas sereno. O que tem estado em causa não são
opiniões e muito menos os inventados “delitos de opinião”,
mas sim atitudes e comportamentos à margem do Partido e das
suas regras. O Partido não é um clube de discussão.
No Partido há reflexão e debate. Mas, depois de decididas
e votadas as conclusões, estas dizem respeito a todo o colectivo
partidário.
A Resolução desta nossa Conferência pronuncia-se
com toda a clareza pelo indispensabilidade, reforçada no
actual contexto da vida partidária, do restabelecimento,
de preferência por decisão voluntária de membros
do Partido, dos laços de fraternidade, de solidariedade,
de lealdade e de inserção das legítimas opiniões
individuais na reflexão e trabalho colectivo que, constituindo
um imperativo ético e político decorrente dos Estatutos
que todos os membros do Partido, podendo manter discordâncias,
se comprometeram a aceitar.
O nosso mais firme desejo e voto, porque seria o melhor
para o PCP, é que esta mensagem e este apelo possam ser entendidos
e escutados, conduzindo a que cessem as espirais de crispação
e as derivas de confrontação sistemática e
a que, independentemente da legítima conservação
de divergências, os membros do Partido não acompanhem,
circunscritos mas premeditados propósitos de causar maiores
prejuízos ao Partido.
Uma conjuntura internacional
marcada por grandes incertezas
A nossa Conferência realizou-se também numa conjuntura
internacional marcada por grandes incertezas e pela grande incerteza
sobre o futuro da situação financeira e económica
de muitos regiões. E isto numa altura em que a crise continua
a flagelar vários países em vários continentes,
em que aumenta de novo a desconfiança nos principais mercados
bolsistas e em que a “globalização capitalista”
continua a acentuar as desigualdades, a concentração
de riqueza e a condenar milhões de seres humanos ao subdesenvolvimento,
à miséria e até à morte pela fome.
A segunda Cimeira Mundial contra a fome, que se realizou na semana
passada em Roma na sede da FAO teve a ausência dos governantes
dos países ricos (salvo a Espanha e a Itália). Com
a política da “cadeira vazia”, estes
países revelaram o olímpico desprezo e indiferença
perante o drama da fome no mundo, que atinge 815 milhões
de seres humanos e perante o drama da sida que atinge particularmente
os jovens do Terceiro Mundo. O ponto da situação
feito nesta Cimeira é também um dedo acusador ao sistema
e às políticas neoliberais e um testemunho das consequências
da dominação, da exploração e do imperialismo,
quando na história da humanidade existem hoje meios, tecnologia
e possibilidades para acabar com a fome no mundo.
Em contraste, alguns dias depois, era conhecido o Relatório
Anual do Instituto Internacional de Investigação sobre
a Paz de Estocolmo (SIPRI), mostrando que os países desenvolvidos
continuam a obter altos rendimentos com o tráfico de armas
entre os quais se encontram à cabeça os EUA, a Rússia,
a França e a Inglaterra e que nos últimos três
anos as despesas militares continuaram a aumentar tendo atingido
2,6% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, em 2001!
Aquela Cimeira e os dados deste Instituto de Estocolmo
são também um testemunho da hipocrisia de muitos daqueles
que enchem a boca com os direitos humanos em abstracto, com os valores
humanitários, com a solidariedade.
E é também, no quadro desta retórica que
depois dos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro, o tema
da luta anti-terrorista tem servido de biombo à estratégia
dos EUA de domínio hegemónico do Planeta. Nenhum ensinamento
se procura retirar do 11 de Setembro, nem a urgência de pôr
fim aos conflitos regionais e aos paraísos fiscais, onde
o terrorismo encontra o seu caldo de cultura e financiamento, nem
a necessidade de se intervir contra as injustiças mais gritantes
da humanidade. Pelo contrário, a luta contra o terrorismo
é para Bush um instrumento da sua estratégia de “geometria
variável” cujo objectivo final é a dominação
e a satisfação dos interesses norte-americanos contra
tudo e contra todos e que se exprime também, na recusa do
Protocolo de Quioto, no proteccionismo comercial unilateral, na
concepção do eixo do mal e dos países que o
compõem, nos objectivos de atrelar os seus aliados em novas
aventuras bélicas contra o Iraque e o Irão.
Nesta nossa Conferência, nós que condenamos e combatemos
esta política, daqui manifestamos a nossa solidariedade activa
a todos os povos em luta e designadamente ao povo palestiniano,
à autoridade palestiniana e também às forças
da paz que com coragem lutam em Israel por uma resolução
justa e pacífica, pelo fim da espiral de violência
e contra a política criminosa de Sharon, que com o apoio
de Bush reafirma que está fora de questão para Israel
voltar às fronteiras de 1967 ou desmantelar os colonatos.
Queremos também aqui deixar uma palavra amiga e de solidariedade
para com o povo de Angola e ao MPLA, que têm agora mais certos
os caminhos da paz e ao povo de Timor e à Fretilin, que ainda
há bem pouco celebraram a sua independência e que sempre
contaram com o apoio solidário do PCP.
Apesar dos preparativos da Conferência e das energias que
temos consagrado à dinamização do Partido,
temos procurado, a par da resposta política nacional, como
já referimos, dar também, a nossa contribuição
positiva nos principais eventos e Foruns internacionais.
Nos últimos anos a União Europeia teve uma
larga maioria de governos socialistas e sociais democratas... A
política que imprimiram foi uma política de direita.
O conteúdo neoliberal das políticas da União
Europeia, as privatizações, o desmantelamento dos
serviços públicos, a marcha irracional para os critérios
do Pacto de Estabilidade, a criação de fundos de pensões
para alimentar a roleta bolsista, os despedimentos para aumentar
cotações de acções, a política
dos factos consumados, longe do controlo popular tem vindo a alimentar
o mal estar e a insatisfação das populações
e as derivas xenófobas, racistas, populistas e de extrema
direita. Depois, quando a crise se agudiza e aumenta o desemprego
está criado o caldo de cultura para os demagogos sem escrúpulos
atirarem para cima do estrangeiro, do imigrante, do que tem outra
cor, a causa de todos os males desde a insegurança até
à falta de emprego.
Também em relação à questão
da imigração, que fez parte da agenda de trabalho
desta Cimeira é necessário reafirmar que, não
é com medidas policiescas que se dá resposta aos seus
problemas.
A ajuda ao desenvolvimento, a gestão e legalização
dos fluxos migratórios, os acordos justos de emigração,
o combate às máfias e a exploração dos
indocumentados, a política de integração e
do respeito pelas diferenças e o combate à lógica
de certos sectores económicos que pressionam pelo aumento
de específicos fluxos migratórios no sentido de liquidar
direitos conquistados e reduzir salários, são vectores
essenciais para uma justa e humana política de imigração.
Uma força com causas e convicções
Uma força com futuro
É necessário que a reflexão colectiva prossiga
no curso normal da vida interna do Partido. Mas é também
necessário que os membros do Partido respondam afirmativamente
ao vivo sentido e forte apelo que a Conferência aqui lançou
para que pela sua opinião, trabalho e acção
se empenhem na concretização das linhas de orientação
e de trabalho decididas. Voltados para fora, com os olhos postos
no futuro, com os pés bem assentes na terra e com uma maior
e mais activa intervenção e responsabilização
de todos os militantes pela vida do Partido estaremos em condições
de ultrapassar dificuldades, reforçar a intervenção
e influência e estar à altura das responsabilidades,
perante o povo e o País, como força essencial da democracia
portuguesa, como força impulsionadora da luta contra a política
de direita e pela futura construção de uma alternativa
de esquerda. Como uma força revolucionária com causas
e convicções, como uma força com futuro.
Para além das suas conclusões e das importantes
linhas e compromissos de trabalho que incorporam, a nossa Conferência
Nacional e o debate democrático que a precedeu, testemunham
e dão força a um conjunto de atitudes que, colectivamente
assumidas, podem ser decisivas para o presente e o futuro do nosso
Partido nos tempos difíceis e ásperos que temos pela
frente mas que queremos transformar em tempos de esperança
e de êxitos.
Desde logo, a atitude de um Partido que reconhece sem
disfarces as suas dificuldades, insuficiências e problemas
mas que quer afirmar a sua renovada ambição de reforçar
a sua influência e assim servir melhor os trabalhadores e
o povo português. Mas que não quer cometer
esse lento e quotidiano suicídio que seria, diante das amarguras
causadas pelas nossas dificuldades e insucessos, passarmos a ignorar,
desvalorizar e arrasar tudo quanto de importante, positivo e marcante
resulta da nossa acção e do nosso indispensável
papel na sociedade portuguesa.
Ainda também, a atitude um Partido que quer compreender
melhor e mais profundamente as realidades que enfrenta e o movimento
de ideias e aspirações que se expressam na sociedade
portuguesa. Mas que o quer fazer para encontrar os melhores caminhos
para o enriquecimento das suas propostas de progresso, transformação
e libertação e para a sua melhor irradiação
e não para ajoelhar perante factos consumados e alegadas
inevitabilidades ou para se submeter à ditadura das audiências
ou às receitas fáceis mas desonrosas da demagogia
populista.
E sobretudo a atitude de um Partido que assume a complexidade
e a densidade das interrogações, interpelações
e desafios que se colocam à sua luta e ao seu futuro e que
também sabe conviver com dúvidas e incertezas. Mas
que não abdica do seu vasto património de luta e de
propostas, que se dispõe lutar pela justeza e vitalidade
dos seus ideais e do seu projecto, tendo no horizonte o
socialismo, e que sustenta com vigor e confiança a sua sólida
vinculação com as grandes causas da liberdade, da
democracia, do progresso social, da dignidade, libertação
e felicidade humanas, de um mundo de paz, de um mundo mais justo
e solidário.
Viva a Conferência Nacional
Viva o PCP
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