Preâmbulo
Os poderes públicos devem assegurar protecção social
económica e jurídica das pessoas velando pelo respeito à
sua liberdade individual.
As uniões de facto são uma realidade social cada vez mais frequente
que o Direito começou paulatinamente a assimilar.
Assim, as instituições e a legislação têm
experimentado uma profunda alteração nos últimos tempos,
a instituição familiar abriu-se a diversas modalidades segundo
os desejos e circunstâncias pessoais dos seus membros.
É evidente que a vivência em união de facto merece respeito
e tutela jurídica, daí decorrendo que as relações
pessoais, patrimoniais e face a terceiros careçam de regulamentação.
O presente Projecto de lei procura dar resposta a essa necessidade e visa
sobretudo evitar situações discriminatórias, sem prejuízo
de direitos e deveres que decorram do instituto do casamento e de não
se reconhecer o direito à adopção no caso de membros
do mesmo sexo.
Nestes termos os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português
apresentam o seguinte Projecto de lei:
Artigo 1º
Objecto
1. A presente lei regula a situação jurídica de duas
pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há
mais de dois anos.
2. Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer
outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à
protecção jurídica de uniões de facto.
Artigo 2º
Excepções
São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei:
a) Idade inferior a 16 anos;
b) Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos e interdição
ou inabilitação por anomalia psíquica;
c) Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada
separação judicial de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha recta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade
na linha recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas, como autor ou cúmplice
por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge
do outro.
Artigo 3º
Efeitos
As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
a) Protecção da casa de morada de família, nos termos
da presente lei;
b) Beneficiar de regime jurídico de férias, faltas, licenças
e preferência na colocação dos funcionários da
Administração Pública equiparado ao dos cônjuges,
nos termos da presente lei;
c) Beneficiar de regime jurídico das férias, feriados e faltas,
aplicada por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos
cônjuges, nos termos da lei;
d) Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas
singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados,
e não separados judicialmente de pessoas e bens;
e) Protecção na eventualidade de morte do beneficiário,
pela aplicação do regime geral da segurança social e
da lei;
f) Prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou
doença profissional, nos termos da lei;
g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais
e relevantes prestados ao país, nos termos da lei.
Artigo 4º
Casa de morada de família e residência comum
1. Em caso de morte do membro da união de facto proprietário
da casa de morada do casal, o membro sobrevivo tem direito real de habitação
sobre a mesma e direito de preferência na sua venda ou arrendamento.
2. O disposto no número anterior não se aplica, caso ao falecido
sobrevivam descendentes com menos de um ano de idade ou que com ele convivessem
há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição
testamentária em contrário.
3. Em caso de separação, pode ser acordada entre os interessados
a transmissão do arrendamento em termos idênticos aos previstos
no nº 1 do artigo 84º do Regime do Arrendamento Urbano.
4. O disposto no artigo 1793º do Código Civil e no nº 2 do
artigo 84º do Regime de Arrendamento Urbano é aplicável
à união de facto se o Tribunal entender que tal é necessário,
designadamente tendo em conta, consoante os casos, o interesse dos filhos
do casal ou do membro sobrevivo.
Artigo 5º
Transmissão do arrendamento por morte
O artigo 85º do Decreto-lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprova o Regime do Arrendamento Urbano, passa a ter a seguinte redacção:
"Artigo 85º"
1. a) (...)
b) (...)
c) Pessoa que com ele viva há mais de dois anos em união de
facto.
d) (actual alínea c)
e) (actual alínea d)
2. Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação
prevista na alíneas b) nº 1, ou estas não pretendam a transmissão,
é equiparada ao cônjuge a pessoa que com ele vivesse em união
de facto.
3. (...)
4. (...)"
Artigo 6º
Regime de acesso às prestações por morte
1. Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo
3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem
reunir as condições constantes no artigo 2020º do Código
Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis.
2. No caso de união de facto de pessoas do mesmo sexo, beneficiam de
iguais direitos os membros sobrevivos que provem a necessidade de uma prestação
alimentar e a impossibilidade da mesma ser suportada pelas pessoas legalmente
obrigadas à prestação de alimentos.
3. Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança,
ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações
efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição
competente para a respectiva atribuição.
Artigo 7º
Adopção
As pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto nos termos da presente lei, podem adoptar em condições análogas às previstas no artigo 1979º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas.
Artigo 8º
Dissolução da união de facto
1. Para efeitos da presente lei, a união de facto dissolve-se:
a) com o falecimento de um dos membros;
b) com a cessação de coabitação;
c) com o casamento de um dos dois membros.
2. A dissolução prevista na alínea b) do número anterior apenas terá de ser declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma dependentes e só poderá ser decretada por sentença judicial, a proferir na acção onde os direitos são exercidos, nos termos da presente lei, ou em acção que segue o regime das acções de Estado do Código do Processo Civil.
Artigo 9º
Regulamentação
O Governo publicará no prazo de noventa dias os diplomas regulamentares das normas da presente lei que de tal careçam.
Artigo 10º
Revogação
É revogada a Lei nº 135/99, de 28 de Agosto.
Artigo 11º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor na data da sua publicação e abrange as situações de união de facto já constituídas.
Assembleia da República, em 29 Fevereiro
de 2000
Os Deputados