Verificam-se com alguma frequência, acontecimentos relacionados com a área da Justiça, que reflectem problemas centrais, de fundo, que afectam este importante sector do Estado e do sistema político democrático. Aos olhos dos cidadãos, o sistema judiciário, moroso, dispendioso e de menor qualidade para as pessoas de menores recursos, favorece objectivamente as classes dominantes, os poderosos, o que afecta consequentemente a sua credibilidade.
A desigualdade dos cidadãos no acesso à informação judiciária, ao direito e aos tribunais, na concretização efectiva de direitos e na utilização das garantias processuais; o crescente volume de processos e a morosidade das investigações e das decisões dos tribunais; as disfunções de um sistema prisional que reproduz o crime e as injustiças, em vez de assegurar ou contribuir para uma efectiva reinserção social, são, entre outros, aspectos da Justiça em Portugal que devem merecer atenção.
Com a conquista da democracia em 25 de Abril de 1974, aumentou muito o recurso dos cidadãos aos tribunais, tal como aumentou muito o elenco dos direitos que é possivel fazer valer por meios judiciais. Ao mesmo tempo, mantiveram-se ou agravaram-se fenómenos de exclusão social e pobreza e outras fontes de conflitualidade social, cresceu a sofisticação do crime e também a mediatização da Justiça, tudo factores de conflitualidade jurisdicional acrescida. Não houve, entretanto, a atenção devida à Justiça, nem as medidas correspondentes a este aumento do recurso aos meios judiciais.
A preocupação com esta situação levou o PCP a incluir no seu Programa Eleitoral um conjunto de iniciativas visando contribuir para a resolução dos problemas da Justiça em Portugal, do qual consta a criação de um Observatório da Administração da Justiça, junto da Assembleia da República, com a participação de elementos vindos dos tribunais e das instituições representativas dos profissionais de justiça, das universidades e da comunicação social, entre outros.
Não se ignora a realização, ainda há poucos anos,
de um valioso estudo sociológico sobre os tribunais na sociedade portuguesa,
sob a responsabilidade de investigadores do Centro de Estudos Sociais da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra. Tratou-se, nas próprias palavras
dos seus responsáveis, de um "primeiro passo na investigação
sistemática sobre os tribunais portugueses". Feito esse importante
e inédito diagnóstico e avançadas algumas pistas de resolução
de graves bloqueamentos do funcionamento do sistema judiciário, importa
agora avaliar com carácter sistemático as alterações
que se forem (ou não) produzindo, os resultados efectivamente obtidos
e prosseguir com carácter permanente e institucionalizado a reflexão
que permita fundamentalmente melhorar as condições para a realização
da Justiça.
Será objectivo do Observatório agora proposto, assegurar a recolha
e a sistematização de dados objectivos sobre a situação
e o funcionamento do sistema judiciário e promover a reflexão
sobre as medidas adequadas à resolução dos problemas da
administração da Justiça. Através de uma composição
alargada a diversos participantes do funcionamento da Justiça, sob diferentes
ângulos, mas todos particularmente qualificados, o Observatório
da Justiça estará em condições de assegurar, com
base em elementos objectivos, melhores condições para o diálogo,
a conjugação de esforços e a reflexão que são
necessários para a resolução dos problemas fundamentais
que afectam a administração da Justiça e para a apresentação
das propostas e recomendações que se mostrem indispensáveis
para atingir essa finalidade.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
(Criação)
É criado o Observatório da Justiça, que funcionará no âmbito da Assembleia da República.
Artigo 2º
(Atribuições)
O Observatório da Justiça tem por atribuições assegurar a recolha e a sistematização de dados objectivos sobre a situação e o funcionamento do sistema judiciário, promover a reflexão sobre as medidas adequadas à resolução dos problemas da administração judiciária e apresentar recomendações às entidades com intervenção na área da Justiça.
Artigo 3º
(Composição)
1 - Integram o Observatório da Justiça:
a) Um representante da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias
da Assembleia da República;
b) Um representante de cada um dos Partidos Políticos com representação
na Assembleia da República;
c) Um representante do Conselho Superior da Magistratura;
d) Um representante do Conselho Superior do Ministério Público;
e) Um representante do Ministério da Justiça;
f) Um representante da Polícia Judiciária;
g) Um representante da Associação Sindical dos Juizes Portugueses;
h) Um representante do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público;
i) Um representante do Sindicato dos Funcionários Judiciais;
j) Um representante da Associação Sindical dos Funcionários
de Investigação Criminal;
k) Um representante do Conselho Superior de Assuntos Criminais;
l) Um representante da Ordem dos Advogados;
m) Um professor de Direito, designado pelo Conselho de Reitores das Universidades
Portuguesas;
n) Um representante da Provedoria de Justiça;
o) Um representante do Sindicato dos Jornalistas;
p) Dois representantes das centrais sindicais;
q) Dois representantes das associações patronais;
r) Dois representantes das Associações de Defesa dos Direitos
dos Cidadãos;
s) Um representante da Associação Portuguesa de Apoio às
Vítimas de Crimes;
2 - Integram ainda o Observatório da Justiça três personalidades de reconhecido mérito na área da Justiça, as quais serão cooptadas pelos membros referidos no número anterior.
3 - O presidente do Observatório da Justiça é eleito pelos respectivos membros.
4 - O funcionamento permanente do Observatório é assegurado por uma Comissão Permanente composta pelo seu presidente e por mais quatro elementos eleitos por e de entre os seus membros.
Artigo 4º
(Estudos e relatórios)
1 - O Observatório da Justiça poderá elaborar os estudos e relatórios globais ou sectoriais que entenda necessários para a prossecução das suas atribuições.
2 - Os estudos e relatórios do Observatório da Justiça são por este comunicados ao Presidente da República, à Assembleia da República, ao Governo, ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e a outras entidades que entenda por conveniente.
4 - As entidades referidas no número anterior podem solicitar ou sugerir ao Observatório da Justiça o aprofundamento de temas determinados.
Artigo 5º
(Relatório Anual)
1 - O Observatório da Justiça elabora até 31 de Março de cada ano, um Relatório anual sobre o estado da administração da Justiça, a apresentar à Assembleia da República para apreciação.
2 - O Relatório referido no número anterior deve incluir, para além dos dados objectivos que o Observatório tenha podido recolher, uma apreciação resultante do debate realizado entre os seus membros sobre a situação e a evolução da administração da Justiça no ano em referência.
3 - O Observatório deve ainda incluir no Relatório anual a apresentar à Assembleia da República, as recomendações que considere pertinentes quanto a medidas globais ou sectoriais a adoptar com vista a melhorar o funcionamento do sistema judiciário.
Artigo 6º
(Dever de informação)
É dever de todas as entidades públicas cooperar com o Observatório da Justiça na prossecução das suas atribuições e fornecer todas as informações que por este lhes sejam solicitadas.
Artigo 7º
(Instalação)
1 - Compete à Assembleia da República assegurar as condições de instalações e os recursos financeiros, materiais e humanos indispensáveis ao funcionamento do Observatório da Justiça.
2 - O estatuto dos membros do Observatório da Justiça e a definição de normas relativas às matérias referidas no número anterior são objecto de Resolução da Assembleia da República.
Artigo 8º
(Funcionamento)
Compete ao Observatório da Justiça definir as regras do seu funcionamento interno nos termos da presente Lei e das Resoluções da Assembleia da República nela previstas.
Os Deputados