As dramáticas ocorrências verificadas em resultado das intempéries e cheias ocorridas recentemente em várias regiões do País, nomeadamente na Região do Douro, no Baixo Vouga, no Vale do Mondego e no Ribatejo traduziram-se em prejuízos incomportáveis, e nalguns casos irreparáveis, para populações, agricultores, autarquias locais bem como para o património construído.
E vieram por a nu muitas fragilidades de ordem estrutural e de construção na concepção e funcionamento de grandes projectos hidro-agrícolas como o do Vale do Mondego.
Duas grandes questões se têm vindo a levantar: o socorro às vítimas das cheias e das intempéries ocorridas e a análise sobre as razões estruturais que, em muitos casos, terão contribuído para a ampliação dos efeitos das condições climatéricas adversas.
No primeiro caso, famílias que ficaram sem qualquer património, micro-comerciantes que se viram sem o fundamental dos seus stocks; agricultores que perderam muitas das culturas que tinham semeado e correm o risco ou de não ter possibilidade de iniciar a campanha agrícola da Primavera, como no caso do arroz, ou de não conseguir reconstruir a sua exploração (como, no caso, da destruição de vinhas no Douro), ou de terem visto seriamente danificadas as suas estruturas hidro-agrícolas.
No segundo caso, obras hidro-agrícolas que, sem prejuízo de terem contribuído para alguma regularização dos recursos hídricos (como no caso das obras de regularização e enxugo do Vale do Mondego) se revelaram com deficiências de projecto, com interrupções de obra, com falta de manutenção, com ausência no terreno de estruturas permanentes de coordenação, prevenção e monitoragem.
Tudo isto implica medidas de apoio e compensação às pessoas e autarquias afectadas, que não se podem limitar à abertura de linhas de crédito e medidas de análise estrutural dos factos ocorridos, envolvendo quem no terreno conhece bem o funcionamento dos cursos pluviais e das obras hidro-agrícolas realizadas.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de resolução visando a adopção de medidas adicionais de socorro e de prevenção em relação aos factos ocorridos e sem prejuízo das já adoptadas pelo Governo.
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 166º, n.º 5, da Constituição, recomendar ao Governo o seguinte:
a) Solidarizar-se com todas as vítimas das cheias e intempéries
ocorridas;
b) Pronunciar-se a favor, nos casos necessários, de apoios de emergência
a fundo perdido que permitam acorrer aos prejuízos sofridos por populações,
agricultores, comerciantes e autarquias, bem como na alteração
das datas previstas para o acesso dos agricultores aos apoios agrícolas,
na antecipação do pagamento dos apoios ao abrigo das medidas agro-ambientais,
e no aumento do valor das indemnizações compensatórias
para as zonas afectadas;
c) Adopção de medidas que possam minorar os prejuízos decorrentes
de carências de rendimento nos períodos de recuperação
do potencial produtivo que, por exemplo, em relação às
vinhas do Douro alcançam 4 a 5 anos;
d) Intervenções de emergência de reparação
dos diques do Rio Mondego e do Canal de Rega Principal que permitam viabilizar
a sementeira do arroz na próxima campanha;
e) Defender a adopção de medidas urgentes de reconstrução
e de consolidação da escarpa de Santarém;
f) Defender a reconstrução das vinhas destruídas no Douro
tendo em conta a sua arquitectura tradicional (muros de pedra-posta) no quadro
da salvaguarda e valorização do património histórico
duriense;
g) Adopção de medidas imediatas para garantir a estrutura da ponte
do Outeiro, em Cacia ;
h) Acções imediatas de protecção civil a fim de
repor, mesmo a título provisório, as condições de
mobilidade das populações;
i) Tornar expeditos, ágeis e desburocratizados os procedimentos administrativos
necessários ao levantamento dos prejuízos ocorridos (através,
por exemplo, do recurso à fotografia aérea), à aprovação
de projectos de obras de reconstrução e à atribuição
de pagamento dos apoios, no quadro de uma fiscalização adequada,
para o que se torna aconselhável a criação, em cada região,
de comissões de trabalho com poderes de análise e decisão
envolvendo as estruturas da Administração Central, da Administração
Local, e representantes dos sectores económicos atingidos, designdamente
comerciantes, agricultores e beneficiários das obras hidro-agrícolas;
j) Alteração do sistema de seguro agrícola existente terminando
com a sua dependências de datas fixas, o que ocasiona que se uma ocorrência
climatérica acontecer fora da data fixada no normativo legal, os agricultores,
mesmo tendo realizado o seguro, não têm acesso a qualquer indemnização;
k) A realização de inquérito, com a participação
de representantes, que permita apurar as causas estruturais de concepção
e construção, de manutenção, de monitoragem e de
coordenação no terreno, que levaram à ampliação
dos danos ocorridos e que permitam, na sua reconstrução e reorganização
de serviços, rectificar as deficiências detectadas.
Assembleia da República, em 15 de Fevereiro de 2001