Exposição de motivos
A pluviosidade intensa e de longa duração que ocorreu este inverno teve efeitos dramáticos e causou prejuízos graves em extensas zonas de Portugal, chamando a atenção, em primeiro lugar, para o socorro e a atribuição eficiente e equitativa da compensação de apoio possível às numerosas vítimas desta ocorrência.
Sendo incontestável que estas medidas são prioritárias e urgentes, que é necessário impor critérios de eficácia, transparência e equidade na atribuição das compensações e recuperar o património público destruído e deteriorado, é também irrefutável que estas são soluções "de recurso" muito incompletas e onerosas, e teria sido preferível que se tivessem evitado os danos, ou, pelo menos, se tivesse reduzido a sua dimensão e irrecuperabilidade.
Repetidamente tem-se verificado a insegurança das pessoas, dos bens, dos terrenos e culturas agrícolas, do património natural e construído, face a fenómenos "extremos" de que são exemplos recentes e dramáticos as cheias de 1997 no Alentejo e Algarve e as deste ano.
Assistimos assim invariavelmente:
· a uma atitude fatalista que desresponsabiliza as entidades com atribuições
nestas áreas incluindo as gestoras de instrumentos físicos de
intervenção;
· à preponderância da actuação do Serviço
de Protecção Civil em matérias onde a primeira responsabilidade
cabe ao Ordenamento do Território e à Administração
dos Recursos Naturais;
· a uma actuação reactiva e frequentemente descoordenada
em campos que exigem rigor de planeamento e acção;
· ao efeito de surpresa e desorientação dos cidadãos
face a efeitos antecipadamente previsíveis com antecedência;
· à propagação de informação vaga,
apenas qualitativa e não fundamentada para descrever "a posteriori"
ocorrências para cuja previsão e interpretação é
essencial o conhecimento científico, quantitativo, temporal e espacial
do fenómeno.
· a um breve período de "mediatismo" e de acções
"de recurso" insuficientes, a que se tem seguido um silencioso esquecimento
até à emergência de nova catástrofe e o prolongamento
burocrático dos processos de pagamento das indemnizações.
Muito investimento público tem sido feito para o estabelecimento de instrumentos integrantes da segurança e protecção de espaços nas mais diversas áreas, assim como do controlo físico da variabilidade hidrológica e do conhecimento da qualidade da água, sobretudo a distribuída às populações. Mas é patente a ausência de capacidade operacional e de planos de emergência, que permitam enfrentar de forma racional e responsável situações que, apesar de excepcionais, não deixam de ser previsíveis.
É responsabilidade da Administração Pública a segurança
das pessoas, dos bens e do território face aos riscos associados à
variabilidade hidrológica.
Para que essa responsabilidade seja assumida, é necessário o estabelecimento
prévio de condições técnicas, logísticas
e jurídicas, a implementação de planos de emergência,
o conhecimento claro do risco e dos procedimentos de emergência pelos
cidadãos e agentes expostos, assim como pelos diversos intervenientes.
Quando, mais uma vez, lamentamos os danos das inundações, não podemos admitir que, também uma vez mais, se suceda a inacção e o esquecimento até que de novo as populações sejam subitamente surpreendidas, sem tempo de reacção nem protecção, por uma nova catástrofe.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 166º, n.º 5, da Constituição, recomendar ao Governo o seguinte:
1. A instituição e entrada em funcionamento até 1 de Outubro de 2001, de um centro operacional de prevenção, alerta e intervenção para cheias com as funções de previsão, aviso, gestão dos órgãos hidráulicos e protecção das pessoas, dos bens e do território contra os efeitos de cheias. Este centro deverá ter a capacidade de efectuar articulações institucionais que garantam a sua efectiva operacionalidade e deve ser dotado dos instrumentos técnicos, científicos, logísticos, jurídicos, operacionais, de informação e de comunicações, necessários e suficientes ao pleno desempenho das funções.
2. A clarificação da utilização
do domínio hídrico, incluindo obrigatoriamente:
a) Os princípios necessários e suficientes para delimitação
de responsabilidades, entre os órgãos da Administração
do domínio hídrico e do território e outros intervenientes
públicos ou privados.
b) Os direitos e responsabilidades de concessionários e de entidades
públicas intervenientes nas concessões associadas à exploração
de aproveitamentos hidráulicos, existentes e futuras, designadamente
no que diz respeito à segurança de pessoas, dos bens, do ambiente
e do património, à operação em períodos excepcionais
de excesso ou escassez de afluências, assim como à publicitação
de informação sobre as regras de operação e zonas
de risco associadas.
3. A definição inequívoca e mapeamento das "zonas adjacentes", referidas no Decreto-lei nº 468/71, de 5 de Novembro, que regula o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico, e a sua transcrição para os Planos Directores Municipais.
4. A não aprovação dos Planos de
Bacia Hidrográfica até à completa execução
do Caderno de Encargos, designadamente nos aspectos relacionados com a protecção
e minimização dos efeitos de cheias, nas componentes de caracterização,
diagnóstico e planeamento, e destacando-se:
- O mapeamento das zonas inundáveis, o inventário de ocupações
do domínio hídrico e a caracterização das grandes
barragens e respectivos descarregadores, situações de incumprimentos
dos regulamentos de segurança e riscos associados.
- A clara e tecnicamente fundamentada identificação e espacialização
de objectivos que terão de ser relacionados com a avaliação
dos danos, e, especificamente, a correcção dos critérios
de segurança propostos.
- A caracterização inequívoca e objectiva de cada medida
a nível de projecto concreto, sua justificação, avaliação
dos efeitos, programação física e financeira, incluindo
pelo menos a designação das grandes barragens que necessitam intervenção,
caracterização física das novas construções
propostas, e especificação detalhada da forma de financiamento.
- Quantificação dos custos de exploração e manutenção
e dos benefícios associados a cada medida, assim como as entidades responsáveis
e intervenientes e respectivas responsabilidades.
Assembleia da República, em 15 de Fevereiro de 2001