(Exposição de motivos)
Nos últimos anos, em Portugal, têm-se desenvolvido no âmbito das relações laborais as mais diversas formas de mobilidade dos trabalhadores em que muitas vezes os seus direitos e garantias não estão asseguradas.
Novas formas de organização empresarial, reestruturação de grupos económicos, segmentação por diversas empresas das actividades económicas até aí concentradas numa única, têm proliferado na estrutura empresarial portuguesa. Agrupamentos complementares de empresas; empresas de prestação de serviços; criação de novos estabelecimentos ou mudança da titularidade de empresa são expressões diversas desse processo de reorganização empresarial.
Nesse contexto, milhares de trabalhadores têm sido cedidos ou transferidos da empresa "mãe" para as novas empresas sem serem ouvidos ou sem o seu acordo, sem que os seus direitos estejam assegurados ou sem que as empresas cedentes e cessionárias assumam plena e solidariamente as respectivas obrigações perante o trabalhador.
Os exemplos têm vindo a multiplicar-se: EDP, CIMPOR, CP, Portugal Telecom, Correios de Portugal, TAP, empresas do sector financeiro e segurador e muitas outras.
Importa, pois, legislar no sentido de, em todos os casos, serem garantidos plenamente os direitos dos trabalhadores.
Nesse sentido, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Disposições Gerais
Artigo 1º
(Âmbito)
O presente diploma assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ocasional a empresa terceira, e no caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos.
Artigo 2º
(Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho)
Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem estabelecer regime mais favorável do que o previsto no presente diploma.
Capítulo II
Cedência ocasional de trabalhadores
Artigo 3º
( cedência ocasional de trabalhadores)
1.A cedência ocasional de trabalhadores, que não esteja abrangida pelas alíneas a) , b) e c) do nº 2 do Decreto-Lei nº 358/89 só é lícita se se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
a) O trabalhador cedido estiver vinculado por contrato de
trabalho sem termo;
b) A cedência se verificar no quadro da colaboração entre
empresas jurídica ou financeiramente associadas ou economicamente interdependentes;
c) A cedência decorrer do acréscimo, temporário e excepcional,
de actividade na empresa cessionária;
d) A cedência for pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos
até ao limite máximo de cinco anos de cedência;
e) Existência de acordo do trabalhador a ceder.
2. Se a empresa cedente for de trabalho temporário só são exigidas as condições de licitude constantes das alíneas a) e e).
Artigo 4º
(Contrato de cedência ocasional)
1. A cedência ocasional de um trabalhador é titulada por documento
assinado pelo cedente, pelo cessionário e pelo trabalhador, identificando
o trabalhador cedido, a fundamentação detalhada da necessidade
da cedência, a função a executar, a data do início
da cedência e a duração desta, o horário e o local
de trabalho.
2. O documento só torna a cedência legítima se contiver
expressa declaração de concordância do trabalhador, e
a menção de que da cedência foi dado conhecimento aos
organismos representativos do trabalhador nos termos previstos neste diploma,
e se as assinaturas dos outorgantes forem reconhecidas notarialmente.
Artigo 5º
(Comunicação aos organismos representativos dos trabalhadores)
Até oito dias antes da outorga do contrato de cedência, a empresa cedente comunicará a cedência a efectuar e os termos da mesma à Comissão de Trabalhadores e ao Delegado Sindical ou ao Sindicato representativo da categoria do trabalhador, na falta de representante sindical na empresa.
Artigo 6º
(Resolução do contrato)
1. O trabalhador tem direito à resolução do contrato
de cedência, sem aviso prévio, nos mesmos termos e condições
previstas na lei para a rescisão do contrato de trabalho com justa
causa.
2. Sempre que, no uso dos poderes de direcção, e quando tal
lhe for legalmente permitido, a cessionária modificar as condições
de trabalho sem o acordo do trabalhador, este poderá resolver o contrato
de cedência, com o pré-aviso de 8 dias.
3. A resolução será comunicada por escrito às
empresas cedente e cessionária
4. Resolvido o contrato, o trabalhador reingressará na empresa cedente,
não podendo esta opor-se ao reingresso, seja qual for o fundamento
da resolução.
Artigo 7º
(Renovação do contrato de cedência)
Até oito dias antes do termo da duração da cedência, pretendendo renovar o contrato, as empresas cessionária e cedente comunicarão por escrito ao trabalhador a renovação do contrato, o prazo da renovação e a fundamentação da necessidade da renovação.
Artigo 8º
(Cessação, suspensão da actividade ou extinção
da Cessionária)
Cessando, suspendendo-se a actividade ou extinguindo-se a empresa cessionária o trabalhador reingressará imediatamente na empresa cedente.
Artigo 9º
(Solidariedade entre cedente e cessionária)
A empresa cedente é solidariamente responsável pelas obrigações contraídas pela cessionária relativamente ao trabalhador
Artigo 10º
(Regime de prestação de trabalho)
1. Durante a execução do contrato de cedência ocasional,
o trabalhador fica sujeito ao regime de trabalho aplicável na empresa
cessionária no que respeita ao modo de execução, duração
do trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho e acesso aos
equipamentos sociais.
2. O exercício do poder disciplinar cabe, durante a execução
do contrato de cedência, à empresa cedente.
Artigo 11º
(Retribuição)
Ao regime de retribuição e de enquadramento no efectivo do pessoal da empresa cessionária, aplicam-se, com as devidas adaptações, os artigos 21º nº1 e 13º do Decreto-Lei 358/89.
Artigo 12º
(Férias, subsídio de férias , subsídio de Natal
e outros subsídios regulares e periódicos)
1. O trabalhador cedido tem direito a todos os subsídios regulares
e periódicos que pela cessionária sejam devidos aos seus trabalhadores
por idêntica prestação de trabalho
2. O trabalhador não pode ser prejudicado no gozo de férias
a que tenha direito no ano da cedência, as quais não podem ser
substituídas pelo pagamento da retribuição correspondente.
3. Sendo as férias gozadas durante a execução do contrato
de cedência, é a empresa cessionária responsável
pelo pagamento das férias a cujo gozo o trabalhador tenha direito e
do subsídio de férias correspondente, sem prejuízo da
responsabilidade solidária estabelecida no artigo 9º e sem prejuízo
da responsabilidade da cedente perante a cessionária, pelas férias
e subsídio de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado
naquela.
4. Ao subsídio de Natal aplica-se, com as devidas adaptações,
o regime previsto no número anterior
Artigo 13º
(Garantias)
O tempo de trabalho prestado na empresa cessionária conta para todos os efeitos, nomeadamente de antiguidade e de progressão na carreira, como tempo de trabalho prestado na empresa cedente, não podendo resultar para o trabalhador qualquer prejuízo, em resultado da cedência, relativamente a direitos e regalias contratuais ou extracontratuais em vigor na empresa cedente.
Artigo 14º
(Segurança Social e Seguro de Trabalho)
À empresa cedente cabe a responsabilidade pela Segurança Social e pelo Seguro contra acidentes de trabalho do trabalhador cedido, sem prejuízo da responsabilidade da empresa cessionária perante aquela, pelas obrigações decorrentes daquelas responsabilidades.
Artigo 15º
(Consequências da ilicitude do contrato)
1. O recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores,
a inexistência ou irregularidade do documento que a titule, conferem
ao trabalhador cedido o direito de optar pela integração no
efectivo do pessoal da empresa cessionária, no regime de contrato de
trabalho sem termo e com a antiguidade decorrente do seu trabalho na empresa
cedente.
2. O direito de opção previsto no número anterior tem
de ser exercido até ao termo da cedência, mediante comunicação
às empresas cedente e cessionária através de carta registada
com aviso de recepção, presumindo-se a recepção
da mesma no dia posterior à da remessa, quando, por motivo não
imputável ao trabalhador, a mesma não seja recebida.
Artigo 16º
(Regime contra-ordenacional)
Enquanto não for revisto o regime contra-ordenacional constante do Decreto-Lei nº 358/89, aplicam-se aos preceitos deste diploma, correspondentes aos preceitos relativos à cedência ocasional constantes do Capítulo IV do Decreto-Lei, as disposições relativas ao regime contra-ordenacional ali inseridas.
Artigo 17º
(Modificação dos contratos existentes)
1. Todos os contratos de cedência ocasional vigentes à data
da entrada em vigor deste diploma, qualquer que seja a forma, natureza e conteúdo,
devem ser alterados nos 90 dias posteriores àquela data, por forma
a observarem o disposto neste diploma.
2. O prazo da cedência contar-se-á desde a data do contrato vigente,
e caso o prazo previsto neste diploma já tenha sido excedido, poderá
renovar-se o contrato, sendo a comunicação prevista no artigo
7º, enviada até ao termo do prazo referido no número anterior.
3. Caso seja impossível cumprir atempadamente o referido artigo para
que se proceda à renovação do contrato, de acordo com
o previsto neste diploma, operar-se-á renovação mediante
comunicação a efectuar, por qualquer forma até ao início
do prazo da renovação.
Capítulo III
(Transferência de empresas , de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento)
Artigo 18º
(Conceitos)
1. Sempre que uma empresa, parte de empresa, estabelecimento ou parte de
estabelecimento mudem de titular, seja qual for a forma por que se verifique
a mudança de titularidade, e ainda que se trate apenas de uma mudança
de facto, aplica-se o regime constante do artigo 37º do Decreto-Lei 49.408.,
com as alterações constantes do presente diploma.
2. Há nomeadamente, transferência de empresa, de parte de empresa,
de estabelecimento ou de parte de estabelecimento, quando:
a) No local onde a empresa transmitente exercia actividade,
passa a ser exercida pela empresa transmissária qualquer ramo de actividade
daquela;
b) Em resultado da formação de agrupamento complementar de empresas,
de sociedades coligadas, de sociedades em relação de grupo,
de sociedades em regime de grupo paritário ou de subordinação,
ou em resultado de cisão ou fusão de sociedades, na empresa,
estabelecimento ou parte do estabelecimento, passam a exercer qualquer actividade
de uma das sociedades, qualquer das sociedades integrando as novas formas
societárias, ou as sociedades resultantes da transformação
de outras.
Artigo 19º
(Regime aplicável aos trabalhadores das empresas e estabelecimentos
transferidos)
Aos trabalhadores das empresas e estabelecimentos transferidos aplica-se o regime previsto no artigo 37º do Decreto-Lei 49.408 no que não for contrariado pelo disposto no presente diploma.
Artigo 20º
(Instrumento de regulamentação colectiva aplicável)
1. Sempre que, em resultado da transmissão do contrato de trabalho,
a relação de trabalho caia no âmbito de instrumento de
regulamentação colectiva diferente , aplicar-se-á este
último às relações de trabalho entre trabalhador
e transmissária, não podendo, no entanto, ser objecto de redução
os direitos adquiridos por aquele.
2. Caso às relações de trabalho na empresa transmissária
não se aplique nenhum instrumento de regulamentação colectiva
de trabalho, aos contratos de trabalho transmitidos em consequência
da transferência da empresa ou de estabelecimento ou parte de estabelecimento
aplicam-se os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho
em vigor na empresa transmitente até à entrada em vigor de instrumento
que vincule a empresa transmissária.
Artigo 21º
(Direito à informação)
Até 30 dias antes da transferência da empresa, do estabelecimento ou parte do estabelecimento, o transmissário e o transmitente comunicarão a transferência, por escrito, aos trabalhadores cujos contratos de trabalho se transmitam, e aos organismos representativos dos trabalhadores, devendo constar da comunicação:
a) os motivos da eventual transferência
b) as consequências jurídicas, económicas e sociais que
da transferência decorrerem para os trabalhadores
Artigo 22º
(Direito de oposição)
1. O trabalhador goza do direito de oposição à transmissão
do contrato de trabalho quando entenda que a transmissária não
oferece garantias de cumprimento das obrigações decorrentes
do contrato de trabalho, designadamente por motivos económicos e financeiros.
2. A oposição será comunicada por escrito, até
ao 2º dia útil posterior à efectiva transmissão,
à transmitente e transmissária.
3. A oposição confere ao trabalhador direito a indemnização
calculada segundo as regras da indemnização por despedimento
sem justa causa.
4. Quando se trate de transferência de parte da empresa, de estabelecimento
ou de parte de estabelecimento, o trabalhador poderá optar pela manutenção
do vínculo laboral relativamente à transmitente, em substituição
da indemnização.
5. Nos casos referidos no número anterior a transmitente não
pode invocar a caducidade do contrato de trabalho, aplicando-se o regime do
despedimento colectivo ou do despedimento por extinção do posto
de trabalho, se se verificarem os respectivos pressupostos, ou quando se verificar,
nos termos legais, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva,
de a transmitente receber a prestação de trabalho do trabalhador.
Artigo 23º
(Reintegração)
1. Sempre que a transmissão dos contratos de trabalho decorrer das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 18º, o trabalhador terá direito:
a) À reintegração na empresa transmitente,
nos cinco anos posteriores à transmissão, se a transmissária
infringir gravemente as obrigações emergentes do contrato de
trabalho;
b) À reintegração na empresa transmitente se a transmissária
se extinguir, cessar ou suspender a actividade, for declarada insolvente ou
em processo de recuperação judicial de empresa nos dez anos
seguintes à data da transmissão do contrato de trabalho.
2. Às situações previstas no número anterior
aplica-se, sendo caso disso, o regime previsto no nº 5 do artigo anterior
.
3. O tempo de trabalho prestado na empresa transmissária conta como
tempo de trabalho na empresa transmitente, nomeadamente para efeitos de antiguidade.
Artigo 24º
(Responsabilidade solidária)
1. A transmitente e a transmissária respondem solidariamente pelas
obrigações emergentes do contrato de trabalho vencidas no momento
da transmissão.
2. Nos casos previstos no nº1 do artigo anterior, a transmitente responderá
também solidariamente pelas obrigações da transmissária
que se vencerem nos cinco anos após a transmissão.
Artigo 25º
(Cedência de exploração de estabelecimento)
O regime previsto no presente Capítulo é aplicável,
com as necessárias adaptações aos casos de cedência
de exploração de estabelecimento ou de parte de estabelecimento.
2. O termo da cedência confere ao trabalhador o direito à reintegração
na empresa cedente.
Capítulo IV
Disposições finais
Artigo 26º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor na data da sua publicação.
Assembleia da República, em 22 de Março de 2000