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Projecto de Lei nº 29/VII
Cria uma rede de serviços públicos para
o tratamento e a reinserção de toxicodependentes
A situação nacional referente ao flagelo da toxicodependência continua a agravar-se, com custos sociais e humanos que são tendencialmente incomportáveis.
Expressões dramáticas e quotidianas desta realidade são as escolas preparatórias e secundárias cercadas pelo tráfico de drogas, os estabelecimentos prisionais tomados de assalto pela droga e pela SIDA, as famílias destruídas pela droga e espoliadas pelos custos incomportáveis da assistência privada a toxicodependentes, ou desesperadas pela falta de apoio do Estado.
O número de toxicodependentes atinge já muitas dezenas de milhar, enquanto os serviços públicos vocacionados para a sua recuperação têm uma dimensão insuficiente e não obstante as promessas mil vezes repetidas, têm crescido a um ritmo que não acompanha a evolução galopante da toxicodependência.
A existência de apenas 50 camas de internamento em serviços públicos vocacionados para ocorrer à situação de dezenas de milhar de toxicodependentes, acrescenta à toxicodependência o drama da falta de auxílio ou do recurso a instituições particulares a praticar preços insuportáveis.
Enquanto o flagelo da toxicodependência não cessa de se agravar, o Governo PSD reivindicou como sucesso seu o facto de existirem cerca de mil camas para o internamento de toxicodependentes em instituições privadas (entre as licenciadas e as que tinham em curso pedidos de licenciamento) e abdicou da sua inquestionável responsabilidade de assegurar serviços públicos gratuitos para o tratamento de toxicodependentes. O PCP entende que essa responsabilidade deve ser assumida.
Nos termos constitucionais, cabe ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação. Tais princípios devem ser plenamente aplicáveis aos serviços destinados à prevenção, ao tratamento e à reabilitação social de toxicodependentes, que devem ter carácter universal, geral e gratuito.
O presente Projecto de Lei, que retoma iniciativa idêntica tomada na VI Legislatura, visa a criação de uma rede de serviços públicos para a desintoxicação física e tratamento de toxicodependentes, bem como a sua reabilitação social e profissional e prevê entre outros aspectos a ampliação das consultas em unidades de atendimento de toxicodependentes, a desintoxicação física com a criação de mais unidades de internamento de curta duração para o efeito, o tratamento em comunidades terapêuticas ou em ambulatório e a criação de condições de reabilitação social e profissional, através de um sistema nacional devidamente estruturado e dotado dos meios humanos, materiais e financeiros indispensáveis para o cumprimento das suas atribuições.
Tomando como base de trabalho ratios de validade reconhecida em diversos países europeus, o PCP propõe desde já, para uma primeira fase, a generalização da existência de Centros de Atendimento de Toxicodependentes em todos os distritos, a criação de mais 60 camas para internamento de curta duração e a existência de cerca de mil camas em comunidades terapêuticas, na base de uma cama por cada dez mil habitantes. Sem prejuízo de futuramente, face a dados estatísticos e epidemiológicos fiáveis relativos à situação da toxicodependência em Portugal, que sendo indispensáveis ainda não existem, se revelar como necessário ajustar em definitivo o dimensionamento de uma rede pública nacional capaz de responder eficazmente a este flagelo social.
Ao apresentar o presente Projecto de Lei o PCP verificou da sua exequibilidade em termos orçamentais. Implicando verbas naturalmente elevadas, o objectivo proposto representa um investimento que se justifica plenamente e que não será mais do que uma pequena fatia do orçamento da Saúde, cada vez mais esbanjado no pagamento de actividades privadas. Para além disso, o facto das verbas provenientes do "joker" se destinarem precisamente a financiar acções de combate à toxicodependência faz com que a concretização dos objectivos constantes do presente Projecto de Lei não depare com quaisquer obstáculos de natureza financeira.
Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1°
(Objecto)
1 - Pela presente lei, é criada uma rede de serviços públicos visando a desintoxicação física e psicológica, bem como a reinserção social e profissional, dos cidadãos afectados de toxicodependência.
2 - A rede de serviços públicos criada pela presente lei tem carácter geral, universal e gratuito, por forma a garantir o acesso a cuidados de prevenção, tratamento e reinserção social e profissional. de todos os cidadãos afectados por toxicodependência independentemente da sua condição económica
Artigo 2°
(Rede de serviços públicos)
A rede de serviços públicos criada pela presente lei integra pelo menos:
a) Uma unidade de atendimento de toxicodependentes por cada distrito.
b) Seis unidades de internamento de curta duração, a funcionar preferencialmente junto de unidades de atendimento, com a capacidade unitária de dez camas, para além das unidades existentes à entrada em vigor da presente lei.
c) Comunidades terapêuticas, distribuídas por forma a cobrir adequadamente todo o território nacional e dimensionadas na base de uma cama para cada dez mil habitantes.
Artigo 3°
(Unidades de Atendimento)
As unidades de atendimento destinam-se a assegurar o atendimento de toxicodependentes em sistema ambulatório e o acompanhamento do doente e da sua família durante o tratamento.
Artigo 4°
(Unidades de internamento)
As unidades de internamento de curta duração destinam-se a assegurar a desintoxicação física de toxicodependentes e funcionam preferencialmente junto de unidades de atendimento.
Artigo 5°
(Comunidades terapêuticas)
As comunidades terapêuticas destinam-se a assegurar a desintoxicação psicológica e o desenvolvimento social de toxicodependentes sempre que tal seja clinicamente aconselhado.
Artigo 6°
(Desintoxicação em meio familiar)
Sempre que nas unidades de atendimento se considere como vantajosa para os toxicodependentes a desintoxicação na residência familiar, o Estado facultará através do Serviço Nacional de Saúde em colaboração com o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, todo o apoio clínico e medicamentoso necessário para o tratamento e assegurará que a ausência do emprego durante a desintoxicação não implique a perda de quaisquer regalias, quer para o toxicodependentes, quer para os seus familiares.
Artigo 7°
(Reinserção social e profissional)
O Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, através de protocolos a celebrar com o Instituto de Emprego e Formação Profissional e com as empresas que para isso se disponibilizem, criará condições para a reinserção profissional e social de toxicodependentes em fase adequada do percurso de tratamento.
Artigo 8°
(Tutela)
A rede de serviços públicos criada pela presente lei integra-se no Serviço de Prevenção e Tratamento da toxicodependência, sob tutela do Ministério da Saúde, e estrutura-se nos termos da respectiva lei orgânica.
Artigo 9°
(Financiamento)
Os recursos financeiros necessários para a criação da rede de serviços públicos prevista na presente lei e para assegurar o seu funcionamento adequado serão incluídos no Orçamento do Estado, revertendo ainda para estes serviços 50% dos bens declarados perdidos a favor do Estado nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 39° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro.
Artigo 10°
(Recursos humanos)
Os serviços integrados na rede pública criada pela presente lei devem dispor de quadros de pessoal devidamente qualificado que assegurem o seu funcionamento em termos adequados.
Artigo 11°
(Regulamentação)
O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias a contar da sua entrada em vigor.
Artigo 12°
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor com a
publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua
aprovação.
Assembleia da República, 24 de Novembro de 1995
Os Deputados,