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Projecto de Resolução nº 289/IX
Sobre as condições de concessão da «Marina da Barra» em Aveiro
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O Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de Setembro, criou a Zona de Protecção Especial (ZPE) da Ria de Aveiro, com uma superfície total de cerca de 51.150 hectares e com os limites que constam do seu Anexo IV.

 

Entre outros objectivos inerentes à criação das Zonas de Protecção Especial estão a conservação de todas as espécies de aves constantes do Anexo A-I ao Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril, que estabelece na ordem jurídica interna o conjunto de normativos constantes das Directivas relativas à conservação das aves selvagens e à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. É igualmente objectivo indissociável das Zonas de Protecção Especial (ZPE), a conservação das espécies de aves migratórias não referidas no anexo citado mas cuja ocorrência no território nacional seja regular. Finalmente, incumbe às ZPEs “a protecção, a gestão e o controlo” de todas as espécies atrás referidas por “forma a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução”.

 

Entretanto o Decreto-lei nº 507/99, de 23 de Novembro, autorizou a APA–Administração do Porto de Aveiro, SA, a concessionar pelo prazo de 60 anos, em regime de serviço público, a construção e a exploração de uma marina para apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio, bem como as instalações e serviços de natureza comercial e industrial operacionais, complementares e acessórios, designando-se o complexo por “Marina da Barra”.

 

O Decreto-Lei nº 507/99, de 23 de Novembro, é em si mesmo contraditório. Por um lado o preâmbulo diz claramente que “a construção neste local de uma infraestrutura desta natureza, tendo em atenção a classificação da área como zona de protecção especial a integrar na Rede Natura 2000, implica a construção de apoios em terra, comerciais e hoteleiros”. Por outro lado, o seu Anexo, que estabelece as “Bases” para a concretização da concessão, dispõe que a concessionária estabeleça “dentro da área dominial afecta à concessão o estabelecimento de serviços complementares de natureza habitacional, hoteleira e comercial”, estipulando mesmo o número de moradias, apartamentos e hotéis passíveis de serem edificados. No fundo o Decreto-Lei nº 507/99, de 23 de Novembro, admite no articulado o que rejeita em preâmbulo, isto é, a possibilidade dos equipamentos inerentes directamente ao funcionamento da marina, tal como a implementação de habitação e hotelaria, poderem vir a ser edificados no leito da Ria.

 

Ao abrigo da concessão atribuída pela aplicação do Decreto-Lei nº 507/99, de 23 de Novembro, a concessionária elaborou já dois projectos para a construção da “Marina da Barra” que, naturalmente, não ultrapassaram a fase de Avaliação do Impacto Ambiental.

 

A desconformidade ambiental dos referidos projectos não constituiu surpresa dada a localização do “complexo”, que deveria ocupar uma superfície de cerca de 57 hectare, estar precisamente situada em área incluída na Zona de Protecção Especial da Ria de Aveiro criada pelo já referido Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de Setembro.

 

A área concessionada pela APA – Administração do Porto de Aveiro, SA, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 507/99, situa-se integralmente na ZPE da Ria de Aveiro, em área de comprovada sensibilidade ecológica e ambiental, onde existe um sapal e um importante banco de lodo internidal, cuja destruição iria afectar a laguna, e contrariaria os objectivos fundamentais de gestão das ZPEs atrás enunciados.

 

Aliás o próprio Estudo de Impacto Ambiental do segundo dos projectos apresentados pela concessionária reconhece, não obstante a menorização valorativa, que entre os impactos negativos permanentes consta a “perda de usos actuais… e a destruição de habitats naturais, como o sapal e os bancos de lodo, e das comunidades bentónicas, de que resultará o abandono do local pelas aves aquáticas e peixes que aí procuravam alimento e repouso”. Abandono que, (é também o EIA que o explicita), será definitivo quando, ao avançar com “medidas compensatórias”, reconhece que elas não asseguram a conservação da fauna afectada pela edificação do “Complexo da Marina”…

 

Há muito que existe a aspiração de construir uma marina ou de instalar equipamentos similares na Ria de Aveiro. Desde os anos setenta do século passado que há mesmo quem defenda a construção de um equipamento deste tipo na área objecto da concessão atribuída pela APA. Só que os termos em que o Decreto-Lei nº 507/99, de 23 de Setembro, veio criar esta concessão, possibilitaram também a admissão de projectos com uma dimensão e uma natureza inaceitáveis, completamente incompatíveis com a natureza da área e com qualquer processo credível de Avaliação do Impacto Ambiental.

 

A verdade é que este diploma de concessão fixa de forma peremptória a localização de instalações, equipamentos, habitação, hotelaria e comércio nas suas “Bases de Concessão”. Isto tem impedido a apresentação de alternativas – aliás absolutamente necessárias para cumprir o Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Março, que aprova o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 85/337/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997. Importaria, assim, que o propósito enunciado de “construção de equipamentos de apoio em terra”, como diz o preâmbulo do Decreto-Lei nº 507/99, de 23 de Novembro, possa ser exequível. Idêntica possibilidade deve também ser criada para cumprir a Base V relacionada com a faculdade de serem criados “serviços complementares de natureza habitacional, hoteleira e comercial”.

 

Nos termos em que vigora, a concessão parece ser irrealizável pois é incompatível a construção de certos equipamentos e serviços na área concessionada com a sua riqueza e valores ecológicos e de preservação da biodiversidade, que a título algum podem ou devem ser menosprezados.

 

É assim fundamental criar condições para superar o impasse, permitindo que a marina se construa e que os valores ambientais de preservem. Razão pela qual a Assembleia da República resolve instar o Governo a:

  1. Promover junto da entidade concessionária da “Marina da Barra” a alteração das Bases da respectiva concessão, com vista à preservação dos valores ambientais em causa e à necessidade de exequibilidade de um projecto para a zona;
  2. Assegurar a aplicação integral da legislação ambiental em vigor, tendo em conta as especificidades das zonas envolvidas,
  3. Definir, caso necessário, a fixação de áreas alternativas à implementação total ou parcial do “Complexo da Marina da Barra” prevista na concessão.

Assembleia da República, em 12 de Novembro de 2004