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1. O software desempenha, cada vez mais, um papel fulcral nas actividades administrativas, políticas e económicas. Como tal, é essencial garantir que estas actividades fundamentais para o desenvolvimento e soberania do país não estejam sujeitas a monopólios de entidades privadas e que seja possível garantir a independência do estado face a formatos proprietários e de fornecedores de software, os quais podem encerrar ou descontinuar o software a qualquer altura.
2. O conceito de Software Livre assenta em quatro principios de liberdade fundamentais para o utilizador, definidos pela "Free Software Foundation" da seguinte forma:
A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito.
A liberdade de estudar o funcionamento de um programa e de adaptá-lo
às suas necessidades.
A liberdade de redistribuir cópias.
A liberdade de melhorar o programa e de tornar as modificações
públicas de modo que a comunidade inteira beneficie desse aperfeiçoamento.
O acesso ao código fonte é essencial para tornar possíveis estas quatro liberdades.
3. O Software Livre, enquanto garantia de acesso ao código fonte original, não só permite esta independência como traz poupanças significativas se utilizado na administração pública, pois não se encontra dependente do pagamento de licenças para a sua utilização. Permite também verificar, de forma inquestionável, se o software efectua de facto apenas as tarefas para as quais foi desenhado, não contendo nenhuma função oculta que possa colocar em causa a soberania ou a economia nacional.
4. É essencial para o bom funcionamento do Estado a interoperabilidade entre as diversas aplicações informáticas, sendo essencial garantir que as mesmas não estejam dependentes de formatos proprietários de empresas privadas. A iniciativa da comissão europeia para a troca electrónica de informação entre as administrações (IDA) dá especial relevância à utilização do Software Livre nesta actividade, tendo inclusivamente criado um observatório para o Software Livre.
5. O programa da União Europeia "eEurope 2005" recomenda a utilização de software de fonte aberta em diversos sectores, nomeadamente o e-government.
6. Conjuntamente com a adopção pela administração pública, é também desejável incentivar as empresas privadas a utilizar este modelo de software, como forma de dinamizar a economia nacional e tornar a mesma independente de monopólios privados.
7. O Software Livre é uma fonte de trabalho para os programadores de software portugueses, bem como para as micro, pequenas e médias empresas informáticas portuguesas, não só a nível do desenvolvimento de software mas também no acompanhamento e assistência técnica destes e de outras aplicações, que sigam a mesma filosofia de implementação e distribuição.
8. A adopção do Software Livre pela administração pública central e local só será possível se forem criadas as condições materiais de formação, suporte e apoio que permitam a transição entre o modelo actual do software proprietário para o modelo de Software Livre, e não através da imposição da mesma por decreto.
9. A utilização do Software Livre no ensino permite não só a redução de custos na utilização das tecnologias de informação, como também o acesso a informação detalhada sobre a forma de funcionamento do software utilizado pelos estudantes das áreas das tecnologias de informação, garantindo uma igualdade de oportunidades no seu acesso, não estando o estudante obrigado a pagar uma licença para a sua utilização fora do meio escolar. Evita também que o estudante se torne num mero operador de uma qualquer aplicação de uma qualquer empresa multinacional, mas sim num verdadeiro quadro técnico, factor essencial para o desenvolvimento do país.
10. O Software Livre permite uma fácil tradução para português de programas já existentes, não estando essa tradução dependente da vontade de empresas fornecedoras, nem limitado por qualquer tipo de licenciamento.
Assim, tendo em consideração os motivos acima expostos, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo a concretização das seguintes medidas:
1. Elaboração de um "Livro Branco do Software Livre em Portugal", que proceda, entre outras vertentes, à avaliação do quadro actual, levantamento de experiências em curso e à definição de cenários e linhas de intervenção.
2. Desenvolvimento de um programa de definição e enquadramento de projectos-piloto para a utilização de referência de Software Livre na administração pública, designadamente no âmbito da Unidade de Missão para a Informação e Conhecimento (UMIC) e dos ministérios da Cultura, da Educação e da Ciência e Ensino Superior.
3. Criação de um serviço de apoio, no quadro da UMIC, para suporte técnico à implementação de soluções Software Livre na adminstração pública.
4. Integração da vertente Software Livre no âmbito dos incentivos e programas de apoio à modernização administrativa das autarquias locais, incluindo, designadamente, apoio técnico, logístico e de formação.
5. Estabelecimento da obrigatoriedade de acesso ao código-fonte e especificações dos formatos de dados na aquisição de soluções informáticas destinadas à utilização pela administração pública e outras entidades do estado, para o exercício de funções de soberania e outras áreas de importância estratégica.
6. Desenvolvimento de uma "biblioteca on-line" que sistematize e actualize informação sobre o acervo de soluções e aplicações em Software Livre, com destaque para as existentes em língua portuguesa.
7. Adaptação dos diversos centros de recursos para as tecnologias da informação, no quadro da rede escolar pública, com vista à disponibilização obrigatória de soluções em Software Livre a estudantes e pessoal docente.
8. Inclusão da matéria relativa ao Software Livre na definição dos vários currículos e programas para o ensino das tecnologias da informação no ensino básico e secundário, identificando nesses currículos e programas referências actualmente existentes a marcas e produtos do software comercial, com vista à sua obrigatória substituição por correspondentes descrições genéricas.
9. Estabelecimento de bolsas de investigação e programas de apoio a projectos de investigação e desenvolvimento; à tradução para a lingua portuguesa (vertendo para o português a terminologia técnica e científica envolvida); e à aplicação de soluções em Software Livre, no âmbito do ensino superior e instituções de investigação científica.
10. Integração da vertente Software Livre nos programas de incentivo e apoio à conversão tecnológica das empresas, com destaque para as micro, pequenas e médias empresas; bem como no âmbito das iniciativas de divulgação das tecnologias da informação para o movimento associativo (juvenil, cultural, desportivo, recreativo, etc.).
Assembleia da República, 26 de Maio de 2004