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O PCP tem assumido, desde a sua criação no Conselho Europeu de Amesterdão, em Junho de 1997, uma posição crítica sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, bem como o respectivo Programa nacional, por não constituir um instrumento adequado a uma política que pretenda articular rigor nas contas públicas com crescimento e desenvolvimento, por ser uma alavanca para a crescente desresponsabilização e ausência do Estado em sectores económicos essenciais e áreas sociais garantes de direitos básicos dos cidadãos e ser ainda factor de alargamento das desigualdades entre Estados-membros da União Europeia.
O Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007, que o Governo entregou à Comissão Europeia, sem nenhuma auscultação nem debate prévio no País, e tal como o anterior, assenta o objectivo de consolidação das finanças públicas no agravamento da “redução do peso da despesa no PIB”, no prosseguimento de restrições à despesa pública nas áreas da saúde e educação com a consequente transferência de custos para os cidadãos, na diminuição das responsabilidades do Estado para os sistemas de segurança social, tanto dos trabalhadores do sector privado como dos trabalhadores da Administração Pública (aí estão, aliás, já as propostas de redução das comparticipações do Estado para a ADSE e da redução dos valores das prestações sociais como o subsídio de desemprego e o subsídio de doença), numa reforma da Administração Pública feita contra os seus trabalhadores e em prejuízo da qualidade da prestação de serviços. E, obviamente, o lugar que compete às políticas públicas é, para o Governo cumprir estes objectivos, progressivamente ocupado pelos interesses privados através do prosseguimento de anti-económicas e anti-sociais políticas de privatizações.
Os resultados da aplicação dos PEC’s em Portugal, com a obsessão do cumprimento do défice, estão bem à vista: contribuiu, de forma decisiva, para a recessão que o País atravessa, para a quebra dos salários reais dos trabalhadores e redução do rendimento disponível das famílias, para a contracção do mercado interno através de uma artificial pressão sobre o consumo, para a diminuição do investimento, para o aumento das falências, para o disparar do desemprego, que em Novembro de 2003 já atingia, segundos dados do IEFP, mais de 480.000 trabalhadores (9,4% da população activa). E tudo isto, nem sequer se traduziu na consolidação de um processo de controlo das contas públicas nem na aproximação de Portugal ao nível médio de desenvolvimento da União Europeia. Se forem descontadas as operações de engenharia financeira e a contabilidade criativa que vêm sendo feitas o défice oficial de 2,9% em 2003 cresceria mais dois pontos percentuais. E o País continua a divergir em, pelo menos, quatro anos consecutivos (2002-2005) com a União Europeia.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento, que está na base de todo este quadro, é um instrumento das políticas monetaristas e neo-liberais ao serviço dos sistemas financeiros, mas não é, seguramente, um instrumento de políticas de desenvolvimento e de coesão económico-social no seio da União Europeia. A partir de uma errada opção por uma política de estabilidade de preços, sustenta os seus objectivos basicamente no critério de um valor de défice máximo sem qualquer rigor técnico-científico, não tem em conta as especificidades e condições muito diferenciadas de desenvolvimento dos diversos Estados-membros e, portanto, as necessidades muito diversas em matéria de investimento público de qualidade nas áreas económicas, de infraestruturas, de educação, de formação e qualificação dos recursos humanos, de saúde, de prestações sociais que garantam níveis de dignidade para as situações de desemprego e na velhice e invalidez. Nem sequer tem a necessária flexibilidade para enfrentar períodos de desaceleração das economias funcionando como um instrumento de políticas contra cíclicas.
Depois de ter sido qualificado de “estúpido” pelo próprio Presidente da Comissão Europeia, teve a sua prova de vida quando se tratou de o fazer aplicar, bem como às respectivas sanções em caso de violação, aos países dominantes da União Europeia, a França e a Alemanha. Aí se demonstrou, no Conselho Ecofin de 25 de Novembro, com o próprio voto do Governo português, que afinal a Europa estava unicamente perante um instrumento de carácter político, aplicável ou não consoante os interesses dos países mais poderosos da União Europeia.
Entretanto, a decisão da Comissão Europeia, de 13 de Janeiro de 2004, embora excepcionalmente tímida, de “introduzir melhorias a nível da aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento” visando a “necessidade de melhor conjugar a disciplina orçamental com considerações relacionadas com o crescimento económico” e “conciliar uma disciplina mais rigorosa com a flexibilidade na condução das políticas orçamentais nacionais” é o reconhecimento implícito de que o actual modelo falhou e urge a sua substituição.
Já no Programa Eleitoral para as Legislativas de 2002 apresentado pelo PCP se defendia, a par de “uma política de rigor e verdade nas finanças públicas” a “suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade tendo em conta as condições, especificidades, níveis de desenvolvimento e necessidades de recurso à despesa pública para efeitos de investimento nas áreas económicas e sociais de cada País” como “condição para a concretização de uma política económica e social necessárias ao progresso de Portugal e ao processo de convergência real com a União Europeia”. Neste sentido apresentámos, no Parlamento Europeu, em Outubro de 2002, um Projecto de Resolução e em Janeiro de 2003, na Assembleia da República, o Projecto de Resolução 77/IX.
Face aos factos ocorridos desde então, impõe-se hoje, por maioria de razão, que o País, e desde logo o Governo e a Assembleia da República, se empenhem no debate e nas propostas visando a substituição do Pacto de Estabilidade e Crescimento por um outro instrumento de coordenação das políticas monetária e orçamental da União Europeia e da zona Euro que, antes de mais, tenha como objectivo, construir os mecanismos que permitam a convergência real das economias e dos níveis de desenvolvimento dos Estados membros. Neste sentido o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007 vai ao arrepio do que, neste preciso momento, se impõe que seja feito.
Neste quadro, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do art.º 106.º da Constituição, o seguinte:
1. Recomendar ao Governo que retire o Programa de Estabilidade e Crescimento
para 2004-2007, substituindo-o por outro que resulte de debate na Assembleia
da República e que vise a articulação da sustentabilidade
das finanças públicas com objectivos de desenvolvimento do País
através do reforço do investimento de qualidade; o aumento das
receitas públicas com o alargamento da base tributária aplicando
o princípio de que todo o rendimento deve ser tributado e lançando
um verdadeiro e eficiente combate à fraude, evasão e elisão
fiscais e à fuga de contribuições para a Segurança
Social; reduzir as despesas correntes não essenciais; combater as despesas
excessivas na multiplicidade de estruturas paralelas do Estado e da Administração
Pública e, em particular, nos Hospitais SA, reintegrando-os no Sector
Público Administrativo; restringir as despesas nos gabinetes dos membros
do Governo; disciplinar a transferência de recursos do sector público
para o sector privado e suspender os processos de privatizações;
promover a reorganização e modernização da Administração
Pública, com o envolvimento e participação dos seus trabalhadores,
visando a melhoria da sua eficiência e da qualidade dos serviços
prestados aos cidadãos bem como a valorização, qualificação
e remuneração dos respectivos funcionários; atribuir prioridade
à afectação de recursos orçamentais na área
da educação, da formação e qualificação
dos recursos humanos, em I&D, na Justiça, na Saúde e Segurança
Social.
2. Afirmar a necessidade da substituição do actual Pacto de Estabilidade
e Crescimento por um outro instrumento de coordenação das políticas
monetária e orçamental que abandone o critério de um valor
fixo do défice e tenha em conta os níveis de desenvolvimento e
de necessidade de investimento de cada Estado-membro; que conceda uma maior
importância ao critério da dívida pública; que preveja
a exclusão do cálculo do défice das despesas com investimento
reprodutivo e de qualidade e das despesas com I&D visando o desenvolvimento
e a modernização do aparelho produtivo bem como das despesas necessárias
para fazer face a situações de emergência resultantes de
catástrofes naturais; que integre objectivos de convergência real
das economias, de coesão social e de criação de emprego;
que preveja a sua flexibilização para poder ser utilizado como
instrumento de políticas anti-cíclicas;
3. Pronunciar-se pela necessidade do Governo não apresentar à
Comissão Europeia nenhum Programa de Estabilidade e Crescimento nem os
seus contributos para a revisão do Pacto sem prévio debate na
Assembleia da República;
4. Manifestar-se pela necessidade de serem estabelecidos, no processo orçamental,
objectivos de base plurianual.
Assembleia da República, em 3 de Fevereiro de
2004