Projecto de resolução n.º 153/ix
Aplicação da lei de protecção das crianças e jovens em risco e da lei da adopção
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A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Risco - a Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro - estabelece, no seu artigo 34.º e seguintes, importantes medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, medidas que são desenvolvidas umas no meio natural de vida e outras em regime de colocação.
Algumas dessas medidas visam a própria família natural e incluem apoio de natureza psicopedagógica e social e também ajuda económica do próprio agregado familiar da criança e do jovem - vide artigos 39.º e 40.º.
Entre essas medidas encontra-se também a educação parental - vide artigo 41.º-, segundo a qual os pais ou os familiares a quem a criança ou o jovem seja entregue podem beneficiar de um programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais.
Remete o artigo 41.º, quanto ao conteúdo e à duração dos programas de educação parental, para regulamento.
Por sua vez, o artigo 35.º da lei remete para legislação própria o regime de execução das medidas de promoção dos direitos e de protecção.
Até à data, e já lá vão quase quatro anos, não foi implementada a medida de educação parental e não existe legislação própria que estabeleça o regime de execução das medidas de promoção dos direitos e de protecção.
Mas é inegável a importância destas medidas, nomeadamente das que se destinam a apoiar a família natural, o agregado familiar da criança e do jovem em perigo, medidas que, aliás, surgem na decorrência do estabelecido na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Com efeito, no preâmbulo da Convenção consta o seguinte considerando:
«Convencidos de que a família, unidade fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e, em particular, das crianças, deve receber a protecção e a assistência de que tem necessidade para poder desempenhar plenamente o seu papel na comunidade (...)»
E se é certo que noutras disposições, em obediência ao superior interesse da criança, se prevê a necessidade da separação das crianças relativamente a pais e mães que os negligenciam e maltratam, a verdade é que não deixa de se responsabilizar o Estado pela adopção de medidas de apoio às famílias, ainda que naquelas condições.
Com efeito, logo no artigo 3.º os Estados obrigaram-se a assegurar à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos seus tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, responsabilizando-se pela adopção de medidas legislativas e administrativas apropriadas.
E no artigo 18.º os Estados responsabilizaram-se pela atribuição de ajuda apropriada aos pais e aos representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes incumbe de educar a criança e, outrossim, pela criação de instituições, estabelecimentos e serviços encarregados de velar pelo bem-estar das crianças, assumindo a obrigação de adopção de medidas apropriadas para assegurar às crianças cujos pais trabalham o direito de beneficiar de serviços e estabelecimentos de guarda das crianças, com as condições requeridas pela sua situação.
Assim, a Convenção assenta no reconhecimento da corresponsabilização do Estado na criação de condições às famílias para o exercício cabal dos seus direitos.
Uma criança pode parecer negligenciada e tal resultar tão só da falta de condições proporcionadas aos pais. Pode resultar de condições desumanas de trabalho.
Afinal, na União Europeia são os pais e as mães portugueses os que menos tempo de lazer podem passar com os filhos.
E a situação de risco pode resultar da pobreza.
Afinal, na União Europeia é Portugal que apresenta o maior fosso entre pobres e ricos.
E da pobreza surgem graves consequências em termos de saúde, nomeadamente de saúde mental, quer para as crianças quer para o seu agregado familiar.
Assim é reconhecido em todos os relatórios da Organização Mundial de Saúde.
Com efeito, o relatório do ano 2001 da Organização Mundial de Saúde assinala, relativamente à saúde mental, o círculo vicioso da pobreza e das perturbações mentais.
E é ainda nesse relatório que a OMS, ao tratar dos factores sociais que estão na base das perturbações mentais, afirma:
«Os pobres apresentam mais frequentemente perturbações mentais e do comportamento, nomeadamente decorrentes do uso de substancias psicotrópicas (...)
Parece também que a evolução das perturbações mentais e do comportamento é determinada pela situação sócio-económica do paciente, o que pode ser devido a uma penúria geral dos serviços de saúde mental, bem como aos obstáculos que bloqueiam o acesso aos cuidados por parte de certos grupos sócio-económicos (...)
As lacunas da cobertura são importantes para a maior parte das perturbações mentais, mas para os pobres elas são particularmente gritantes (...)
Em todos os níveis sócio-económicos, os múltiplos papéis assumidos pelas mulheres expõem-nas, mais do que outros membros da comunidade, a um risco de perturbações mentais ou de comportamento (...»
Neste contexto, as medidas de promoção e de protecção dos direitos previstas na lei assumem um relevo especial e são a tradução da corresponsabilização do Estado perante os direitos das crianças e dos jovens. E são a responsabilização do Estado face aos riscos a que as famílias estão sujeitas, nomeadamente as famílias pobres ou de níveis sócio-económicos baixos.
Sendo incompreensível que as Comissões de Protecção das Crianças e Jovens estejam impedidas de aplicar as medidas de promoção e protecção dos direitos, por falta de regulamento e do regime de execução das medidas.
Às Comissões de Protecção das Crianças e Jovens em risco estão cometidas importantes atribuições na promoção dos direitos das crianças e dos jovens, na prevenção das situações de risco e na adopção de soluções para as crianças e jovens a quem estão a ser negados elementares direitos.
As mesmas não dispõem, porém, de meios técnicos, humanos e financeiros que tornem possível o cabal desempenho das suas funções.
Importa que se faça uma avaliação das condições que às mesmas são concedidas, para que possam ser municiadas com os meios necessários ao desempenho das suas atribuições.
Por outro lado, na arquitectura jurídica destinada à protecção das crianças e jovens assume especial importância a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco - Decreto-Lei n.º 98/98, de 18 de Abril - a quem compete, nomeadamente:
Concertar a acção de todas as entidades públicas e privadas, estruturas e programas de intervenção na área das crianças e jovens em risco, de modo a reforçar estratégias de cooperação e de racionalização de recursos; e acompanhar e apoiar as comissões de protecção de menores, permitindo-lhes melhorar a qualidade do seu desempenho.
Segundo o diploma atrás referido, a Comissão deverá elaborar um relatório anual das suas actividades.
Importará fazer uma avaliação do trabalho da comissão, por forma a saber, nomeadamente, quais as dificuldades encontradas para o cabal desempenho da sua função, e quais as medidas que recomenda.
Através do Decreto Regulamentar n.º 17/98, de 14 de Agosto, foram definidos os requisitos e condições a que devem obedecer as instituições particulares de solidariedade social para o cabal desempenho do seu importante papel no encaminhamento para a adopção de crianças e jovens que se encontrem nessas circunstâncias.
Releva, para o efeito, a importância das equipas técnicas pluridisciplinares, a que se referem os artigos 5.º e 6.º do diploma.
Dado que o processo da adopção é reconhecidamente um processo moroso, importará avaliar se as equipas técnicas multidisciplinares são dotadas de pessoal suficiente para dar uma resposta ágil às situações em que o único meio de garantir a realização do superior interesse da criança é o seu encaminhamento para a adopção.
Por outro lado, dado que por várias circunstâncias, nomeadamente por razões atinentes à situação laboral do agregado familiar das crianças e jovens, a única possibilidade de contacto da família natural com a criança que se encontra a cargo da instituição é aos fins-de-semana, importará avaliar se as instituições funcionam normalmente nesses períodos, por forma a possibilitar os contactos entre a família biológica e as crianças.
Por outro lado ainda, salientando o diploma atrás referido as implicações definitivas que a adopção representa ao nível da ruptura com a família biológica, importará avaliar a forma como se processa a informação à família biológica de que a criança poderá ser encaminhada para a adopção e em que circunstâncias.
Assim, tendo em vista os considerandos atrás referidos, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, o seguinte:
a) Que proceda à aprovação urgente do regulamento relativo à educação parental, de acordo com o artigo 41.º da Lei da Protecção de Crianças e Jovens em Risco e do regime de execução das medidas de promoção dos direitos e de protecção de acordo com o artigo 35.º da mesma lei;
b) Que proceda, com carácter de urgência, à avaliação das carências de meios técnicos, humanos e financeiros das Comissões de Protecção das Crianças e Jovens, e bem assim dos obstáculos e bloqueios ao cabal exercício pelas mesmas das suas funções, bem como dos obstáculos e bloqueios à actividade da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, nomeadamente quanto à sua articulação com as comissões de protecção;
c) Relativamente à situação actual:
1 - Que elabore um relatório pormenorizado com o número actualizado de crianças a cargo de instituições privadas de solidariedade social, assim como da situação que as envolve, e que estejam a viver ou a depender economicamente da instituição.
2 - Que avalie quais as medidas a tomar quanto à situação actual relativamente às crianças em condições de ser adoptadas há mais de um ano.
d) Que proceda à avaliação, com carácter de urgência, relativamente às instituições particulares da segurança social que se encontrem ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 17/98, de 14 de Agosto, das situações seguintes:
1 - Se as mesmas dispõem em número suficiente de equipas técnicas multidisciplinares que possam agilizar o processo de adopção;
2 - Se todas as instituições tornam possível o contacto, aos fins-de-semana, entre a família biológica e a criança;
3 - Se no acolhimento das crianças nas instituições se atende à necessidade de proximidade entre a família biológica e a criança;
4 - Se a família biológica é adequadamente informada, de acordo com a sua situação social, de que a criança poderá ser encaminhada para a adopção e em que circunstâncias.
Assembleia da República, em 29 de Maio de 2003