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1. A evolução tecnológica, o desenvolvimento das políticas de prevenção da doença e da promoção do bem-estar, a construção de novas unidades hospitalares e de centros de saúde são circunstâncias que exigem mais e melhores recursos humanos na área da saúde.
A insuficiente cobertura das necessidades que o país apresenta em matéria de profissionais da área da saúde é um dado adquirido na opinião pública e reconhecido entre os agentes intervenientes no sector. Há falta de médicos e falta de enfermeiros face à dimensão que modernamente se adquiriu de prestação de cuidados de saúde e em ordem aos padrões hoje exigíveis de bem-estar e qualidade de vida.
2. Ciente desta indesejável e incomportável situação o PCP, em presença do diagnóstico e das previsões que então era possível adiantar, deu o alerta público. Apresentou depois um Projecto de Resolução (PJR 12/VIII) que viria a ser aprovado por unanimidade pelo Plenário da Assembleia da República em 14 Janeiro de 2000.
Recomendava então a Assembleia ao Governo “que, em colaboração com as instituições públicas que intervêm nesta área, ponha em prática um plano de acção urgente para o aumento de formandos nas profissões da saúde, da forma a garantir os recursos de saúde à população portuguesa”.
3. Três anos mais tarde a situação mantém os seus traços preocupantes. O atraso não só não foi recuperado, como algum esforço inicial – duas novas faculdades de medicina, incentivos na formação de enfermeiros sobretudo direccionados para o sector particular – não está a ser continuado, revelando-se agora um notório abrandamento nos índices de formação.
4. Segundo projecções sobre dados da Direcção Geral de Saúde de 1997, neste momento cerca de 9000 médicos ou já se aposentaram ou têm mais de 55 anos de idade estando a iniciar a entrada na aposentação e deixando de praticar certas funções que a idade dispensa (urgências e serviço nocturno). Esse número elevar-se-á a mais de 13000 em 2007 e a cerca de 22000 no ano de 2012, volume que representa respectivamente 29%, 42% e 71% do total de médicos existentes no nosso país em 1997.
Para compensar a saída do activo desses milhares de médicos o país não teve no passado nem tem no presente a correspondente admissão no ciclo da formação superior em medicina. Se todos os alunos que em 1998 entraram nas faculdades de medicina do país se formarem e começarem a exercer em sete anos, isso significará que esses 561 alunos de 1998 serão os 561 médicos que em 2005 virão substituir os milhares que abandonam o SNS.
Nos anos seguintes o ritmo é semelhante: 566 em 1999 e 735 em 2000. No ano lectivo de 2001/2002 registaram-se 945 vagas (+210) para medicina, tendo sido 110 à custa das duas novas faculdades então criadas. Mas no presente ano lectivo (2002/2003) apenas se criaram 60 novas vagas para medicina, deitando-se por terra o ténue incremento registado nos dois anos anteriores.
Os 1005 potenciais médicos que este ano iniciaram os seus estudos nas faculdades de medicina, poderão aspirar a exercer medicina em 2010, ano em que provavelmente só restarão no activo cerca de 40% dos seus colegas que hoje ocupam funções no SNS. A este ritmo o país caminha para uma situação insustentável.
5. Os recentes cortes orçamentais vêm adicionalmente condicionar o adequado funcionamento das instituições de ensino e comprometer a qualidade da formação médica. O problema tem assim natureza técnica, económico-financeira e política na medida em que o Estado tem sido incapaz de delinear um plano de acção que articule o investimento na formação com as necessidades da população.
6. A insuficiência nacional em enfermeiros é também notória.
Em 1998, Portugal apresentava em média 3,7 enfermeiros por mil habitantes,
em contraste flagrante com o valor médio de 5,9 verificado para toda
a União Europeia.
Prevêem-se para o período de 2004 a 2006 necessidades da ordem
dos onze a doze mil enfermeiros. Se todos os estudantes de enfermagem que no
presente ano lectivo iniciaram o seu curso o vierem a completar em 2007, o País
terá nesse ano mais cerca de 3380 enfermeiros o que, descontados os que
saíram da vida activa, revela a natureza dramática dos números.
Acresce que neste ano não se formarão novos enfermeiros em virtude
de o curso ter passado a licenciatura com a duração de 4 anos.
Quanto ao acesso aos cursos inverteu-se, é certo, o decréscimo registado em 1999 (menos 109 vagas) mas o incremento registado, na ordem dos 600 lugares, ainda que à custa da oferta de estabelecimentos particulares (+483) e do reduzido contributo do sector público (+135), é manifestamente insuficiente.
Haverá que avaliar e rentabilizar a capacidade instalada nas 27 escolas públicas de enfermagem do país. Desde 2000 que não se abre mais nenhum curso público de enfermagem (verificando-se tendência inversa no sector privado) cabendo prioritariamente ao Estado a tarefa de acelerar a formação de enfermeiros.
7. Quanto aos restantes profissionais de saúde (Técnicos Superiores de Saúde, Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, Administrativos, Auxiliares, Operários, etc), o problema não é diferente, resultado quer de uma política desastrosa de numerus clausus no acesso a esses cursos quer do congelamento das admissões.
8. Por outro lado, a política economicista do Governo já se vai
fazendo sentir. Enfermeiros, auxiliares e administrativos admitidos para fazerem
face a necessidades permanentes dos serviços estão a ser despedidos
dos hospitais. A possibilidade de admissão em regime de Contrato Individual
de Trabalho, tão defendida pelo Governo como a panaceia para acabar com
a falta de pessoal e com a precariedade é mais uma miragem. A orientação
é não admitir! Outras orientações passam pela diminuição
de enfermeiros e auxiliares de acção médica em cada turno
nos serviços, ou seja, menos profissionais disponíveis para fazer
o mesmo trabalho, querendo as administrações das novas SA’s
criadas aumentar a carga semanal de trabalho para as 40 horas semanais, ao invés
das 35 horas.
Trata-se de uma política com inevitáveis consequências na
qualidade dos cuidados prestados.
Em presença destas considerações, a Assembleia da República recomenda ao Governo:
1. que encare a grave insuficiência dos recursos humanos qualificados
afectos à prestação de cuidados de saúde como uma
questão decisiva para o futuro do País;
2. que, em articulação com as instituições públicas
envolvidas, proceda a um levantamento das necessidades objectivas em matéria
de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição
pelas diferentes valências, bem como da capacidade formativa instalada
ou susceptível de ser ampliada nos estabelecimentos de ensino públicos;
3. que proceda à concretização, com carácter de
urgência, de um plano de acção plurianual que calendarize
o necessário aumento do número de formandos nas profissões
da saúde de acordo com as necessidades do país;
4. que adeque anualmente ao plano de acção a fixação
de vagas no ensino superior público;
5. que estabeleça um programa de descongelamento de vagas na administração
pública da saúde e de revisão dos quadros de pessoal das
instituições do Serviço Nacional de Saúde.
Assembleia da República, em 2 de Maio de 2003