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Projecto de lei nº 516/IX
Suspende os procedimentos criminais instaurados pela prática de crime de aborto punível nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 140º do Código Penal
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Os recentes e sucessivos julgamentos de mulheres pela prática de aborto, realizados nos Tribunais da Maia, Aveiro , Setúbal e Lisboa vieram mostrar que a lei penal sancionava a mais revoltante devassa da privacidade das mulheres.
Investigadas pelos órgãos de polícia, inquiridas sobre a sua vida mais íntima, sobre as suas mais dramáticas decisões, sujeitas a exames que violam a sua privacidade, as mulheres remetidas para a humilhante clandestinidade do aborto, sentam-se no banco dos acusados, como se a sociedade lhes exigisse a expiação por um crime.
Ou então vêem-se “ coagidas” a aceitar medidas de injunção e regras de boa conduta que acrescentam uma nova humilhação à humilhação do aborto clandestino. Como aconteceu recentemente em Coimbra.
Novos julgamentos se anunciam.
E, no entanto, o sentimento geral é o de que, sendo embora o aborto um momento difícil para a mulher que se vê confrontada com a difícil decisão, não comete a mulher qualquer crime.
A prová-lo estão as estatísticas das denuncias pelo crime de aborto, quando cotejadas com os estimados milhares de abortos clandestinos realizados.
Apesar disso, depois do referendo, sucedem-se de uma forma preocupante os julgamentos de mulheres. A perseguição penal aparenta ser como que uma espécie de desforço post- referendário, contra as mulheres que ousam desafiar a lei que as humilha.
Os que defendem a manutenção da penalização, sempre que há algum julgamento multiplicam-se em declarações no sentido de que não querem a condenação das mulheres.
O mesmo fizeram nos últimos debates parlamentares sobre a despenalização.
Em Janeiro do corrente ano, segundo a Comunicação Social, o então Primeiro Ministro Durão Barroso declarou admitir a descriminalização do aborto. Mas remeteu a sua concretização para 2006.
E declarou apoiar as propostas da JSD no sentido de, numa 1ª fase, serem tomadas medidas de combate às causas que levam a mulher a abortar e, seguidamente, impedir que, ao fazê-lo, a mulher seja condenada.
A maioria aprovou uma Resolução que pretende corresponder à 1ª fase. A qual não tem qualquer espécie de concretização. Diga-se em abono da verdade.
Mas ao apresentar a proposta de Resolução, a maioria reconheceu que às mulheres não têm sido garantidas as medidas de prevenção do aborto.
O actual 1º Ministro acenou com a possibilidade de alteração da lei na próxima legislatura.
Pergunta-se assim que ética preside à continuação da perseguição penal das mulheres?
Sobre esta matéria escreveu o Professor Costa Andrade, num artigo publicado no Jornal O Público de 2 de Fevereiro, sob o título “O Dia em que o PSD descriminalizou o aborto”, o seguinte:
“De forma decididamente apodíctica (a promessa de Durão Barroso) descriminalizou de facto, desde já e forma irreversível, o aborto. Promessas à parte, o aborto foi descriminalizado aos meados de Janeiro de 2004 …
A descriminalização tornou-se law in action antes de se ter tornado law in books …como pode esperar-se que os juízes portugueses condenem hoje por um facto que amanhã vai ser inapelavelmente descriminalizado? E com que empenhamento vão iniciar processos, que podem muito bem acabar quando a prática já deixou de ser ilícita, tendo passado para o campo do criminalmente neutro ou indiferente?
A argumentação do Professor Costa Andrade veio dar alento à reflexão que o PCP vinha fazendo, sobre a forma de pôr cobro à perseguição penal das mulheres, caso a despenalização não fosse aprovada.
Assim, o PCP vem propor uma moratória na aplicação da lei penal até à apreciação definitiva de lei que vise a descriminalização do aborto no primeiro trimestre, quando a IVG seja realizada por decisão da mulher e com o consentimento desta.
Esta proposta de moratória na aplicação da lei penal não significa qualquer abrandamento na defesa da despenalização da IVG até às 12 semanas a pedido da mulher, em que o PCP se empenha há mais de 20 anos. Antes significa uma proposta que - respondendo à situação concreta de bloqueio imposta pela maioria de direita, apesar de hipócritas declarações em sentido contrário – visa impedir que as mulheres continuem a ser perseguidas e humilhadas no quadro legal actual, perspectivando a alteração de fundo da lei penal nesta matéria logo que possível.
Assim, o PCP propõe:
1 – A suspensão imediata dos procedimentos criminais já instaurados até à entrada em vigor da lei, ou que venham a ser instaurados posteriormente.
2 – A suspensão produzirá efeitos até à apreciação definitiva de iniciativa legislativa que vise a despenalização da IVG no primeiro trimestre, quando decidida pela mulher e realizada com o consentimento desta.
3 – Suspender-se-ão todas e quaisquer diligências já ordenadas nos procedimentos criminais e não poderão ordenar-se diligências nos processos que venham a ser instaurados posteriormente à entrada em vigor da lei.
4 – Fica também suspensa a aplicação de medidas de injunção e regras de boa conduta, decididas nos termos do artigo 281º do Código do Processo Penal.
5- Com a suspensão dos procedimentos criminais suspende-se também o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP, apresenta o seguinte:
Projecto de Lei
Suspende os procedimentos criminais instaurados pela
prática de crime de aborto punível nos termos dos
nºs 2 e 3 do artigo 140º do Código Penal
Artigo 1º
Suspensão do procedimento criminal
1 – Até à primeira apreciação definitiva posterior à presente lei, de iniciativa legislativa visando a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez quando realizada no primeiro trimestre da gravidez por decisão e com o consentimento da mulher, ficam suspensos todos os procedimentos criminais instaurados pela prática do crime previsto no nº 3 do artigo 140º do Código Penal.
2 – Ficam igualmente suspensos nos termos previstos no número anterior, os procedimentos criminais instaurados pela prática do crime previsto no nº 2 do artigo 140º do Código Penal.
3 – Relativamente aos processos instaurados à data da entrada em vigor da presente lei, por despacho do Ministério Público, do Juiz de Instrução ou do Juiz a quem o processo tiver sido distribuído para julgamento na 1ª instância ou no tribunal de recurso, conforme a fase em que o processo se encontre, será suspenso o andamento dos autos ficando suspensa a realização de quaisquer diligências já ordenadas.
4 – Se o procedimento criminal se encontrar pendente para investigação em órgão de polícia criminal, os autos serão imediatamente remetidos ao Ministério Público para que seja proferido o despacho de suspensão, suspendendo-se, imediatamente, com a remessa dos autos, quaisquer diligências que estejam em curso.
5 – Relativamente aos procedimentos criminais instaurados posteriormente à entrada em vigor da presente lei, o Ministério Público ordenará a suspensão imediata dos mesmos, suspendendo-se de igual modo a realização de quaisquer diligências; caso o procedimento criminal tenha sido instaurado perante órgão de polícia criminal, aplica-se o disposto na parte final do número anterior.
6 – Fica de igual modo suspensa a aplicação de injunções e regras de boa conduta, decididas nos termos do artigo 281º do Código do Processo Penal.
7-Durante o prazo de suspensão previsto na presente lei, suspende-se o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Artigo 2º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, 15 de Novembro de 2004