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Projecto de Lei nº 495/IX/

Cria a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo


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1. Da criação da Reserva Ornitológica do Mindelo

 

Foi através da portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, publicada no Diário do Governo nº 204, II Série, de 2 de Setembro de 1957, que foi criada a Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), situada no litoral do Concelho de Vila do Conde.

 

O “pai” daquela que constituiu a primeira reserva natural portuguesa foi o Professor Doutor Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, que pertenceu ao quadro de catedráticos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A proposta para a criação da ROM foi apresentada pelo Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, do qual Santos Júnior era director, tendo a reserva ficado funcionalmente “tutelada” por esse Instituto.

 

Inicialmente com uma área de 411 há, a Reserva Ornitológica do Mindelo foi depois alargada com a inclusão de mais 183 há, passando a dispor de um conjunto de terrenos delimitado, “ao norte, pelo Rio Ave, ao sul, pela estrada que, desde Gafa, se dirige a Mindelo, a oeste, pelo limite do domínio público marítimo e secadouro público de sargaço de Gafa, e, finalmente, a leste, pela linha de caminho de ferro do Porto à Póvoa de Varzim e pela estrada que liga a povoação da Areia ao rio Ave”. Estes terrenos, diz a portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, publicada no Diário do Governo, II Série, nº 115, de 11 de Maio de 1959, passam a ter a superfície total de 594 ha, competindo aos proprietários determinadas obrigações, (de execução de planos de arborização, de proceder à regeneração natural do arvoredo e de manutenção dos povoamentos), enquanto o Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre ficava obrigado à colocação de delimitações de áreas e a assumir os encargos de fiscalização.

 

Tendo sido a “primeira área protegida” em Portugal, e não obstante ter sido criada no âmbito do regime florestal, a verdade é que a Reserva Ornitológica do Mindelo teve desde a sua génese, em 1957, um verdadeiro plano de gestão, designado por “Plano de Arborização, Tratamento e Exploração da Reserva Ornitológica do Mindelo”.

 

O Prof. Santos Júnior, aliás na sequência de interesses manifestados desde finais do século XIX, imprimiu um carácter científico à gestão da ROM, tendo esta servido de base a numerosos estudos cuja importância ultrapassou fronteiras. Como pioneiro da anilhagem científica de aves em Portugal, o Prof. Santos Júnior soube, por exemplo, incorporar a participação activa dos “roleiros” de Mindelo, ( praticantes da captura de rolas com artes tradicionais únicas), que contribuíram decisivamente para anilhagem de dezenas de milhar de variadíssimas espécies de aves na Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

Com a evolução dos anos e a criação, na década de setenta, de departamentos governamentais vocacionados para a conservação da natureza e para a criação de uma rede nacional de áreas protegidas, a Reserva Ornitológica do Mindelo começou, contraditoriamente, a ser esquecida, facto entretanto agravado pela morte do Prof. Santos Júnior, ocorrida em 1990.

 

O papel deste cientista, intimamente ligado à criação e desenvolvimento da Reserva Ornitológica do Mindelo, à sua preservação e sustentação, justificam, só por si, a adopção de algumas medidas que constituam uma forma de homenagear a sua memória. É o caso do estabelecimento de um “museu da ornitologia em Portugal”, reunindo vasto património documental sobre a evolução desta disciplina ao qual se deveriam juntar os testemunhos museológicos da antiga técnica tradicional dos “roleiros” de Mindelo.

 

 

2. A degradação da Reserva Ornitológica

 

O desenvolvimento urbanístico de muitos dos terrenos onde a Reserva está instalada, a construção de novas acessibilidades, o abate ilegal de aves, a expansão de espécies não autóctones, a degradação e destruição da protecção dunar, (designadamente com a extracção ilegal de areias), a deposição de lixos e a criação de entulheiras, a poluição da ribeira de Silvares e da sua laguna terminal, constituíram factores convergentes para degradar a ROM, provocar o desinteresse (ainda que parcial) das populações locais e até justificar o alheamento das entidades e instituições com responsabilidades políticas e funcionais pela conservação da natureza.

 

Aquilo que constituiu, ao longo de anos, uma vasta zona de significativo interesse geológico onde conviviam a paisagem humanizada, áreas húmidas, matas, campos agrícolas, dunas, zonas florestais albergando mais de centena e meia de espécies de aves, cerca de dezena e meia de anfíbios e quatro espécies de répteis, foi assim sofrendo um processo de degradação que é fundamental estancar e fazer reverter.

 

A indefinição e desadequação do seu estatuto está certamente na base do desinteresse e tem potenciado esse processo de degradação do qual nem sequer incêndios, de origem provavelmente criminosa, têm estado excluídos.

 

A pressão urbanística acentuou-se e foi já com grande dificuldade que, durante os anos oitenta, se conseguiu estancar um grande projecto para a construção de cerca de 2000 habitações turísticas com campos de ténis, hotéis e um vasto complexo de piscinas, que ameaçou de morte a Reserva.

 

O congregar de opiniões suscitado pela discussão pública daquele mega projecto urbanístico permitiu que instituições como a Quercus, o Serviço Nacional de Parques, o Departamento de Zoologia da Universidade do Porto, e outros, reafirmassem a viabilidade da Reserva Ornitológica do Mindelo, facto que esteve então na base da inviabilização da pretensão pela Comissão de Coordenação da Região Norte e pela Secretaria de Estado do Ambiente.

 

Foi na sequência da rejeição desta pretensão urbanística que chegou a ser preparada a criação de uma Área de Paisagem Protegida para o Mindelo, tendo o projecto para o respectivo Decreto Lei chegado a estar pronto para aprovação em Conselho de Ministros (na sequência da elaboração da “Proposta de Plano Preliminar da Área de Paisagem Protegida do Mindelo – Vila do Conde”, concluído em 1987 no Serviço Nacional de Parques).

 

A redefinição de um estatuto legal que clarificasse a situação da área integrante da ROM e orientasse o respectivo desenvolvimento e recuperação ficou mais uma vez adiado.

 

De pouco vale também à Reserva Ornitológica do Mindelo a sua classificação como Biótopo Corine (nº C11400138), ou a sua integração parcial em reserva de caça (Portaria 725-E/93 de 10 de Agosto).

 

Apesar das portarias da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, de 1957 e 1959, se manterem em vigor, a verdade é que elas são “letra morta” e os condicionantes mais relevantes que enquadram a Reserva Ornitológica do Mindelo são as que decorrem das suas áreas incluídas na Reserva Agrícola e Ecológica Nacionais definidas no Plano Director Municipal de Vila do Conde, actualmente em revisão.

 

 

3. A Reserva Ornitológica na actualidade

 

Não obstante a evolução negativa sofrida, a ROM continuou a “resistir” e mantém muitas das suas potencialidades naturais, conservando, segundo o próprio Plano de Ordenamento da Orla Costeira, área Caminha-Espinho, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, de 7 de Abril de 1999, uma “importância regional inegável”, “sendo uma das mais bem conservadas da área do plano, muito utilizada pelas aves migratórias, em especial passariformes”. Segundo o mesmo POOC, a ROM, sendo “quase a única área com importância de conservação regional entre o litoral de Esposende e a Barrinha de Esmoriz, faz desta pequena área um importante refúgio a conservar a todo o custo”.

 

A convergência de opiniões em torno da preservação da Reserva Ornitológica do Mindelo, envolvendo muitas organizações não governamentais na área do ambiente, de natureza local e nacional, as autarquias locais, quer ao nível de freguesias, quer ao nível da Câmara Municipal de Vila do Conde, e ainda de diversos departamentos do Ministério que tutela o sector do ambiente, justifica que se dêem passos concretos com vista a criar um estatuto legal bem claro e definido para a Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

 

4. A urgência de uma decisão que preserve a Reserva Ornitológica

 

Há cerca de um ano o Grupo Parlamentar do PCP fez agendar o seu projecto 232/IX/1ª que visava criar uma área de paisagem protegida na Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

No debate ocorrido em plenário em 24 de Outubro de 2003, a maioria optou entretanto pela rejeição daquele projecto (e de um outro apresentado pelo Bloco de Esquerda agendado “por arrastamento”), tendo entretanto aprovado um projecto de resolução (com o nº 183/IX) sobre o mesmo tema, consubstanciado em cinco pontos, onde se “recomendava ao Governo” que efectuasse estudos prévios, auscultasse diversas instituições e associações e, só depois, criasse uma área protegida com limites a definir e um plano de ordenamento adequado…

 

Tudo isto era recomendado sem qualquer prazo o que, quase um ano depois do debate, mostra bem a ineficiência da via aprovada pela maioria para proteger a natureza e o desenvolvimento ambientalmente sustentável na Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

Como o PCP então previu, e o debate já na altura indiciava, esta resolução serviu apenas para adiar uma tomada de decisão que, à medida que os anos passam, corre o risco de se poder vir a tornar inútil.

 

Surgiu entretanto – aliás foi entregue na Assembleia da República na véspera do dia do debate do Projecto de Lei do PCP – uma petição assinada por cerca de 7.000 cidadãos reclamando deste órgão de soberania a “recuperação e protecção urgente” da ROM, tendo como “objectivos a preservação do valor natural, paisagístico e cultural, o desenvolvimento rural e a prática de actividades científicas, educativas e recreativas”.

 

No fundo, os milhares de subscritores desta petição reclamam a criação de um estatuto legal que preserve a ROM e que permita o seu ordenamento.

 

Para a elaboração do relatório parlamentar sobre esta petição foram consultadas algumas instituições e associações cujos pareceres são bem pertinentes e justificam plenamente a insistência do PCP numa iniciativa legislativa que crie uma área de Paisagem Protegida na Reserva Ornitológica do Mindelo.

 

De facto

 

 

 

 

 

 

Estão assim cumpridas as auscultações previstas na Resolução aprovada em Outubro de 2003. Outro tanto se poderá dizer quanto à elaboração de estudos, na medida em que, quanto a estes, eles existem, com suporte e credibilidade técnica, e há bastante tempo. A título meramente exemplificativo podem citar-se o estudo apresentado pela Associação Movimento ProMindelo, o estudo elaborado pela então Comissão Coordenadora da Região Norte, para não esquecer toda a reflexão que precedeu a “classificação” constante no Plano de Ordenamento da Orla Costeira entre Caminha e Espinho. Há pois estudos oficiais e estudos promovidos por ONGs, perfeitamente concordantes e que assumem completa e total actualidade.

 

As opiniões são no essencial consensuais em torno da necessidade de aprovar um regime legal de protecção para a ROM. No entanto, o tempo entretanto decorrido, (não só sobre a data da aprovação da Resolução como igualmente sobre as datas em que todos os pareceres citados foram emitidos), mostra à evidência que é preciso tomar uma nova iniciativa para concretizar do ponto de vista legislativo a ideia de conferir um estatuto legal que permita a defesa e recuperação da ROM.

 

Importa portanto criar a Área de Paisagem Protegida, conferir-lhe natureza regional, (pois o interesse no âmbito da Área Metropolitana do Porto parece evidente), e aprovar em lei da Assembleia da República os preceitos gerais aos quais o Governo dará seguimento administrativo e regulamentar.

 

É este objectivo que o Projecto de Lei do PCP visa. A partir dele será possível definir áreas de ordenamento da ROM, (áreas de reserva natural, áreas de agricultura e florestação, áreas de turismo, lazer e recreio, áreas afectas ao desenvolvimento urbano), num processo de delimitação onde participem as autarquias, as associações ambientalistas e as associações de proprietários.

 

Com a criação de uma área de paisagem protegida, abrir-se-á o caminho da recuperação da ROM e da conservação dos recursos naturais existentes e/ou recuperáveis, potenciando-se actividades produtivas compatíveis, e viabilizando-se um plano de ordenamento diversificado.

 

Para além da conservação da natureza e da prossecução de objectivos de educação ambiental, a criação da Área de Paisagem Protegida da ROM permitirá, entre outros objectivos, encetar de forma consistente acções de limpeza e de remoção de lixeiras e montureiras, acções de recuperação de dunas e da vegetação natural, acções de despoluição e de limpeza de ribeiras, lagunas e zonas húmidas do sapal da Azurara, a criação de centros de recuperação e tratamento de aves, a par da instalação de núcleos museológicos relativos à ornitologia e à prática da arte dos “roleiros” de Mindelo.

 

 

Assim, no âmbito do disposto pela Lei de Bases do Ambiente e tendo em atenção o disposto no Decreto-lei nº19/93, de 23 de Janeiro, os Deputados do PCP, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto para a criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo.

 

 

Artigo 1º

Criação

 

É criada a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo.

 

 

Artigo 2º

Limites

 

Os limites da área de paisagem protegida correspondem aos definidos para a Reserva Ornitológica do Mindelo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 6º:

 

 

 

Artigo 3º

Objectivos

 

Sem prejuízo do disposto no artigo 3º do Decreto-lei nº19/93 de 23 de Janeiro, constituem objectivos específicos da criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo:

 

 

 

Artigo 4º

Regulamentação

 

Cabe ao Governo regulamentar a criação e gestão da Área de Paisagem Protegida da ROM, sem prejuízo do disposto no artigo 27º do Decreto Lei 19/93, de 23 de Janeiro.

 

 

Artigo 5º

Comissão Instaladora

 

  1. O Governo nomeará uma Comissão Instaladora que deverá integrar um representante de cada uma das seguintes entidades:

 

 

  1. A Comissão Instaladora será presidida pelo representante da Junta Metropolitana do Porto.

 

  1. A Comissão Instaladora procede à instalação da Área Protegida no prazo máximo de seis meses

 

 

Artigo 6º

Competências da Comissão Instaladora

 

São competências da Comissão Instaladora:

 

 

 

Artigo 7º

Plano de Ordenamento

 

 

 

 

 

Artigo 8º

Avaliação de impacte ambiental

 

 

 

 

 

Artigo 9º

Museu

 

Após a aprovação do regulamento os responsáveis das Área de Paisagem Protegida criam um espaço museológico destinado a preservar testemunhos ornitológicos, designadamente, as técnicas tradicionais locais.

 

 

Artigo 10º

Disposições finais e transitórias

 

Até à aprovação do regulamento previsto no artigo 6º ficam interditas as seguintes acções:

 

 

 

Assembleia da República, em 29 de Setembro de 2004