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Projecto de Lei nº 232/IX
Cria a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo

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Foi através da portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, publicada no Diário do Governo nº 204, II Série, de 2 de Setembro de 1957, que foi criada a Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), situada no litoral do Concelho de Vila do Conde.

O “pai” daquela que constituiu a primeira reserva natural portuguesa foi o Professor Doutor Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, que pertenceu ao quadro de catedráticos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A proposta para a criação da ROM foi apresentada pelo Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, do qual Santos Júnior era director, tendo a reserva ficado funcionalmente “tutelada” por esse Instituto.

Inicialmente com uma área de 411 ha, a Reserva Ornitológica do Mindelo foi depois alargada com a inclusão de mais 183 ha, passando a dispor de um conjunto de terrenos delimitado, “ao norte, pelo Rio Ave, ao sul, pela estrada que, desde Gafa, se dirige a Mindelo, a oeste, pelo limite do domínio público marítimo e secadouro público de sargaço de Gafa, e, finalmente, a leste, pela linha de caminho de ferro do Porto à Póvoa de Varzim e pela estrada que liga a povoação da Areia ao rio Ave”. Estes terrenos, diz a portaria da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, publicada no Diário do Governo, II Série, nº 115, de 11 de Maio de 1959, passam a ter a superfície total de 594 ha, competindo aos proprietários determinadas obrigações, (de execução de planos de arborização, de proceder à regeneração natural do arvoredo e de manutenção dos povoamentos), enquanto o Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre ficava obrigado à colocação de delimitações de áreas e a assumir os encargos de fiscalização.

Tendo sido a “primeira área protegida” em Portugal, e não obstante ter sido criada no âmbito do regime florestal, a verdade é que a Reserva Ornitológica do Mindelo teve desde a sua génese, em 1957, um verdadeiro plano de gestão, designado por “Plano de Arborização, Tratamento e Exploração da Reserva Ornitológica do Mindelo”.

O Prof. Santos Júnior, aliás na sequência de interesses manifestados desde finais do século XIX, imprimiu um carácter científico à gestão da ROM, tendo esta servido de base a numerosos estudos cuja importância ultrapassou fronteiras. Como pioneiro da anilhagem científica de aves em Portugal, o Prof. Santos Júnior soube, por exemplo, incorporar a participação activa dos “roleiros” de Mindelo,( praticantes da captura de rolas com artes tradicionais únicas), que contribuíram decisivamente para anilhagem de dezenas de milhar de variadíssimas espécies de aves na Reserva Ornitológica do Mindelo.

Com a evolução dos anos e a criação, na década de setenta, de departamentos governamentais vocacionados para a conservação da natureza e para a criação de uma rede nacional de áreas protegidas, a Reserva Ornitológica do Mindelo começou, contraditoriamente, a ser esquecida, facto entretanto agravado pela morte do Prof. Santos Júnior, ocorrida em 1990.

O papel deste cientista, intimamente ligado à criação e desenvolvimento da Reserva Ornitológica do Mindelo, à sua preservação e sustentação, justificam, só por si, a adopção de algumas medidas que constituam uma forma de homenagear a sua memória. É o caso do estabelecimento de um “museu da ornitologia em Portugal”, reunindo vasto património documental sobre a evolução desta disciplina ao qual se deveriam juntar os testemunhos museológicos da antiga técnica tradicional dos “roleiros” de Mindelo.

O desenvolvimento urbanístico de muitos dos terrenos onde a Reserva está instalada, a construção de novas acessibilidades, o abate ilegal de aves, a expansão de espécies não autóctones, a degradação e destruição da protecção dunar, (designadamente com a extracção ilegal de areias), a deposição de lixos e a criação de entulheiras, a poluição da ribeira de Silvares e da sua laguna terminal, constituíram, e constituem ainda hoje, factores convergentes para degradar a ROM, provocar o desinteresse (ainda que parcial) das populações locais e até justificar o alheamento das entidades e instituições com responsabilidades políticas e funcionais pela conservação da natureza.

Aquilo que constituiu, ao longo de anos, uma vasta zona de significativo interesse geológico onde conviviam a paisagem humanizada, áreas húmidas, matas, campos agrícolas, dunas, zonas florestais albergando mais de centena e meia de espécies de aves, cerca de dezena e meia de anfíbios e quatro espécies de répteis, foi assim sofrendo um processo de degradação que é fundamental estancar e fazer reverter.

A indefinição e desadequação do seu estatuto está certamente na base do desinteresse e tem potenciado esse processo de degradação do qual nem sequer incêndios, de origem provavelmente criminosa, têm estado excluídos.

A pressão urbanística acentuou-se e foi já com grande dificuldade que, durante os anos oitenta, se conseguiu estancar um grande projecto para a construção de cerca de 2000 habitações turísticas com campos de ténis, hotéis e um vasto complexo de piscinas, que ameaçou de morte a Reserva.

O congregar de opiniões suscitado pela discussão pública daquele mega projecto urbanístico permitiu que instituições como a Quercus, o Serviço Nacional de Parques, o Departamento de Zoologia da Universidade do Porto, e outros, reafirmassem a viabilidade da Reserva Ornitológica do Mindelo, facto que esteve então na base da inviabilização da pretensão pela Comissão de Coordenação da Região Norte e pela Secretaria de Estado do Ambiente.

Foi na sequência da rejeição desta pretensão urbanística que chegou a ser preparada a criação de uma Área de Paisagem Protegida para o Mindelo, tendo o projecto para o respectivo Decreto Lei chegado a estar pronto para aprovação em Conselho de Ministros (na sequência da elaboração da “Proposta de Plano Preliminar da Área de Paisagem Protegida do Mindelo – Vila do Conde”, concluído em 1987 no Serviço Nacional de Parques).

A redefinição de um estatuto legal que clarificasse a situação da área integrante da ROM e orientasse o respectivo desenvolvimento e recuperação ficou mais uma vez adiado.

Apesar das portarias da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, de 1957 e 1959, se manterem em vigor, a verdade é que elas não são cumpridas e os condicionantes mais relevantes que enquadram a Reserva Ornitológica do Mindelo são as que decorrem das suas áreas incluídas na Reserva Agrícola e Ecológica Nacionais definidas no Plano Director Municipal de Vila do Conde, actualmente em revisão.

De pouco vale também à Reserva Ornitológica do Mindelo a sua classificação como Biótopo Corine (nº C11400138), ou a sua integração parcial em reserva de caça (Portaria 725-E/93 de 10 de Agosto).

Não obstante a evolução negativa sofrida, a ROM continuou a “resistir” e mantém muitas das suas potencialidades naturais, conservando, segundo o próprio Plano de Ordenamento da Orla Costeira, área Caminha-Espinho, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, de 7 de Abril de 1999, uma “importância regional inegável”, “sendo uma das mais bem conservadas da área do plano, muito utilizada pelas aves migratórias, em especial passariformes”. Segundo o mesmo POOC, a ROM, sendo “quase a única área com importância de conservação regional entre o litoral de Esposende e a Barrinha de Esmoriz, faz desta pequena área um importante refúgio a conservar a todo o custo”.

A convergência de opiniões em torno da preservação da Reserva Ornitológica do Mindelo, envolvendo muitas organizações não governamentais na área do ambiente, de natureza local e nacional, as autarquias locais, quer ao nível de freguesias, quer ao nível da Câmara Municipal de Vila do Conde, e ainda de diversos departamentos do Ministério que tutela o sector do ambiente, justifica que se dêem passos concretos com vista a criar um estatuto legal bem claro e definido para a Reserva Ornitológica do Mindelo.

Para isso o PCP apresenta o presente projecto de criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo, no Concelho de Vila do Conde.

Com a criação desta área de paisagem protegida, abrir-se-á o caminho da recuperação da ROM e da conservação dos recursos naturais existentes e/ou recuperáveis, potenciando-se actividades produtivas compatíveis, (incluindo o turismo rural e o lazer), e viabilizando-se um plano de ordenamento que inclua zonas de reserva natural, zonas de desenvolvimento urbano, zonas de recreio (praias e parques de campismo), zonas de utilização intensiva (de génese agrícola) e de utilização extensiva (de natureza fundamentalmente florestal).

Para além da conservação da natureza e da prossecução de objectivos de educação ambiental, a criação da Área de Paisagem Protegida da ROM permitirá, entre outros objectivos, encetar de forma consistente acções de limpeza e de remoção de lixeiras e montureiras, acções de recuperação de dunas e da vegetação natural, acções de despoluição e de limpeza de ribeiras, lagunas e zonas húmidas do sapal da Azurara, a criação de centros de recuperação e tratamento de aves, a par da instalação de núcleos museológicos relativos à ornitologia e à prática da arte dos “roleiros” de Mindelo.

Assim, no âmbito do disposto pela Lei de Bases do Ambiente e tendo em atenção o disposto no Decreto-lei nº19/93, de 23 de Janeiro, os Deputados do PCP, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto para a criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo.


Artigo 1º
Criação

É criada a Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica de Mindelo.

Artigo 2º
Limites

Os limites da área de paisagem protegida correspondem aos definidos para a Reserva Ornitológica do Mindelo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 6º:

• a Norte, o Rio Ave, entre a Foz e a ponte rodoviária (EN 13);
• a Sul, a estrada municipal 531-2 entre o Oceano Atlântico e o canal da futura linha do metro ligeiro de superfície entre a Póvoa de Varzim e o Porto;
• a Oeste, o limite do domínio público marítimo;
• a Leste, o canal destinado à instalação do metropolitano ligeiro de superfície da Área Metropolitana do Porto até ao cruzamento com a EN 13. A partir daqui, e até ao Rio Ave, a própria EN 13.

Artigo
Objectivos

Sem prejuízo do disposto no artigo 3º do Decreto-lei nº19/93 de 23 de Janeiro, constituem objectivos específicos da criação da Área de Paisagem Protegida da Reserva Ornitológica do Mindelo:

a) A recuperação e preservação de valores naturais e culturais através da conservação dos seus aspectos paisagísticos, florestais e faunísticos;
b) A conservação e melhoria de aptidões para a educação ambiental, para o lazer e recreio, para a valorização do património e o desenvolvimento sustentado das componentes urbanizadas;
c) A promoção de actividades económicas compatíveis, designadamente a actividade agrícola e florestal, o turismo rural e ecológico, envolvendo as populações e proprietários;
d) A criação de núcleos museológicos de valorização da ornitologia e de técnicas tradicionais locais bem assim como a potenciação de objectivos de investigação ornitológica.

Artigo 4º
Regulamentação

Cabe ao Governo regulamentar a criação e gestão da Área de Paisagem Protegida da ROM, sem prejuízo do disposto no artigo 27º do Decreto Lei 19/93, de 23 de Janeiro.

Artigo 5º
Comissão Instaladora

1. O Governo nomeará uma Comissão Instaladora que deverá integrar um representante de cada uma das seguintes entidades:

a) o Instituto da Conservação da Natureza;
b) a Junta Metropolitana do Porto;
c) a Câmara Municipal de Vila do Conde;
d) as Juntas de Freguesia de Árvore, Azurara e Mindelo;
e) o departamento de zoologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto;
f) a Comissão de Coordenação Regional do Norte;
g) a Direcção Geral de Florestas;
h) associações de conservação da natureza com actividade local.

2. A Comissão Instaladora será presidida pelo representante da Junta Metropolitana do Porto.

Artigo 6º
Competências da Comissão Instaladora

São competências da Comissão Instaladora:

a) elaborar a proposta de regulamento da área de paisagem protegida, a aprovar pelo Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
b) Propor ao Ministério da tutela a alteração dos limites definidos pelo artigo 2º, desde que devidamente fundamentada.

Artigo 7º
Plano de Ordenamento

1. A Área de Paisagem Protegida disporá, no prazo máximo de 1 ano após a sua criação, de um plano de ordenamento que definirá a utilização diversificada do território da ROM.

2. A elaboração e aprovação deste plano de ordenamento deve ser feito em colaboração com a CCRN, as autarquias locais e as associações locais de natureza ambiental.

3. A aprovação final deste plano de ordenamento terá que ser obrigatoriamente precedida de um período de discussão pública não inferior a 30 dias.

Artigo
Avaliação de impacte ambiental

1. Quaisquer acções ou projectos susceptíveis de afectar significativamente a área de paisagem protegida e tendo em vista a conservação da mesma, podem ser sujeitos a uma avaliação de impacte ambiental ou de um processo prévio de análise de incidências ambientais, sem prejuízo das alíneas b) e h)do artigo 10º e da legislação específica em vigor.

2. Verificando-se impactes negativos as acções ou projectos só podem ser autorizados pelo Ministério da tutela, mediante despacho fundamentado, quando:

a) estejam em causa razões de saúde ou de segurança públicas;
b) ocorram outras razões de interesse público, reconhecidas pelas instâncias competentes.

Artigo 9º
Museu

Após a aprovação do regulamento os responsáveis das Área de Paisagem Protegida criam um espaço museológico destinado a preservar testemunhos ornitológicos, designadamente, as técnicas tradicionais locais.

Artigo 10º
Disposições finais e transitórias

Até à aprovação do regulamento previsto no artigo 6º ficam interditas as seguintes acções:

a) Alterações do relevo natural ou no uso do solo;
b) Operações de loteamento e de urbanização sem prejuízo da aplicação do PDM de Vila do Conde;
c) Depósitos de lixos ou entulhos;
d) Extracção e recolha de areias;
e) O derrube de árvores em maciço e a recolha de espécies vegetais que não sejam provenientes de explorações agrícolas ou florestais permitidas;
f) A caça e outras actividades que possam constituir ameaça à avifauna;
g) A plantação de novas espécies florestais;
h) Demolições ou novas construções com excepção das que forem determinadas em execução estrita do PDM de Vila do Conde.


Assembleia da República, em 20 de Fevereiro de 2003