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Preâmbulo
A calçada de vidraço à portuguesa constitui uma forma tradicional de tratamento do espaço urbano, que assumindo valor estético genuíno não pode deixar de ser considerada como uma verdadeira manifestação da nossa cultura, aliás, reconhecida e apreciada mesmo internacionalmente.
Não obstante, verifica-se que esta forma tradicional de revestimento artístico de passeios, conhece cada vez maior dificuldade de sobrevivência, sobretudo devido a dificuldades que incidem sobre a obtenção da sua matéria - prima e também pela progressiva desertificação que ultimamente se tem registado nas candidaturas à profissão de calceteiro, pelo que esta arte corre um sério risco de entrar em vias de extinção.
Torna-se, assim necessário, assumir um conjunto de medidas visando a capacidade de defesa e valorização desta forma tradicional portuguesa de embelezamento urbano.
Desde logo no que respeita às pedreiras de calcário (branco,
preto ou rosa)
cuja exploração fornece a matéria-prima para a calçada
de vidraço à portuguesa e que são específicas pelo
seu corte próprio, geralmente de pequena dimensão, sendo conhecidas
por “pedreiras pequenas”, com localização predominante
nas zonas da Leiria, Porto de Mós, Santarém e Batalha, embora
menos significativas, noutros pontos dispersos do País.
Trata-se de uma actividade económica de significativa valia nacional, não só pelo efeito de contrapartida à grave crise industrial e agrícola que se verifica naquelas zonas, como, sobretudo pelo potencial de procura interna e externa que a pedra de calcário pode vir a constituir, designadamente através de exportação para países da União Europeia, Japão e China, por ligação a Macau.
Também a formação profissional e a valorização dos trabalhadores que executam este tipo de calçada devem merecer especial atenção, já que neles reside, em grande parte, a capacidade de preservação deste património.
Refira-se que o calcetamento artístico pode fazer-se com três tipos de aparelhagem de pedra – a “quadrado”, com superfícies sensivelmente de 0,05m x 0,05m; a “sextavado”, com a mesma dimensão diametral e a “malhete” por pedras irregulares de tamanho variável, sempre “maneirinho”, assentes livremente, tantas vezes em leque, de modo a bem acasalarem – Esta última é, naturalmente, a detentora da verdadeira expressão “calçada à portuguesa”.
Diz Liberato Teles de Castro da Silva, in “Duas Palavras sobre Pavimentos”, 1986 - Páginas 39-40: “Demanda este trabalho muita atenção na regularização da superfície a calçar nivelando-se muito bem, em seguida fixar-se-ão os moldes dos desenhos a produzir, partindo dos centros para os lados; a posição do molde é determinada por meio de esquadria, ou por outra, determinado o eixo da rua, passeio, etc., fixar-se-á nos extremos um cordel indicando-o, e deste modo para o lado se levantarão perpendiculares e só por meio delas se poderão assentar convenientemente os moldes.
Assentes estes, começar-se-ão a encher os vazios com pedra de dimensões iguais às da calçada com pedra miúda, encostando-as de encontro aos moldes, preparando-se muito bem a pedra para poder produzir esse fim – cheios os vazios tiram-se os moldes e calcetam-se com pedra de outra cor o espaço por eles ocupado, empregando-se todos os cuidados na execução, obtendo-se assim bonitos desenhos…”
“Uma equipa de trabalho é constituída por um calceteiro,
um batedor de maço e um servente. Este último ajeita o chão
de terra regularizando-o e faz a chamada caixa”, sob orientação
do calceteiro, deita a sub-base, após o que o calceteiro assenta o molde,
nivelando-o e começa a contornar com um tom de pedra a área que
convenha e ainda os vazios.
Levanta depois o molde e preenche o espaço que resta com pedra a contrastar.
A tarefa do batedor de maço vai completar a obra.
É uma arte com potencialidades criativas, exercida por profissionais
em extinção e que importa preservar.” In Empedrados Artísticos
de Lisboa, Ed. M. Bairrada, 1985.
Com este Projecto de Lei pretende-se ir ao encontro da defesa e valorização da calçada de vidraço à portuguesa, enquanto manifestação tradicional de interesse nacional e internacional. O seu âmbito incide exclusivamente sobre o empedramento de pedra calcária executado de forma particular por artesãos, obedecendo a normas, dimensões e desenhos tradicionais e cuja actividade regista, infelizmente, cada vez menor expressão.
Para tal é criada uma Comissão com vista à defesa e valorização da calçada de vidraço à portuguesa constituída, por representantes ao nível do Poder Central, dos Ministérios da Economia (que exerce a tutela), da Cultura (com um representante do IPPAR) e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente; ao nível regional e local, por representantes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, Câmaras Municipais e Àreas Protegidas interessadas e ainda por representantes das associações de exploradores das pedreiras de calçada e de lajes para este fim específico e por representantes das estruturas representativas dos trabalhadores do sector.
Constituem atribuições desta Comissão, nomeadamente, certificar e fiscalizar a genuinidade da exploração e produção da calçada de vidraço, promover acções dos mais diversos tipos que a divulguem e valorizem e ainda tomar as medidas que considerar necessárias de forma a implementar cursos de formação profissional, com apoio de nível autárquico, que promovam a profissão de calceteiro.
Partindo do pressuposto de que são reconhecidas as particularidades das pedreiras donde são oriundas as pedras calcárias, propõe-se que seja criado um regime especial de licenciamento de pesquisa e de exploração, não obstante a exigência do total cumprimento pelas normas em vigor relativamente à segurança, saúde e protecção do ambiente.
De facto estamos perante pequenas explorações, muitas correspondendo a empresas de carácter familiar, das quais dependem um elevado número de pessoas especialmente das zonas de Leiria/Porto de Mós/Santarém/Batalha, com uma actividade artesanal que é razão da sua subsistência e que assume grande importância económica ao nível local.
A exploração de calcário para a calçada de vidraço
à portuguesa, utilizada segundo as regras tradicionais, procede a escavação
das encostas até cerca de três metros de profundidade pelo que
a sua recuperação paisagística e ambiental não levanta
grandes problemas. Nas situações abrangidas, é possível
a conciliação entre a exploração e a preservação
do ambiente, desde que a exploração seja concebida e executada
tendo em atenção a minimização dos seus impactes
negativos.
Neste sentido, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais
aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte
Projecto de Lei:
Capítulo I
Âmbito e classificação da calçada de vidraço
à portuguesa
Artigo 1º
Âmbito
O âmbito do presente diploma incide sobre o conjunto de actividades ligadas à construção de calçada de vidraço à portuguesa que deve ser entendida como o empedramento de pedra calcária proveniente de pedreiras pequenas, que reveste passeios e que é executado com base em normas tradicionais de execução e de dimensão do material, podendo apresentar desenhos de duas ou mais cores e com valor estético reconhecido.
Artigo 2º
Classificação
A calçada de vidraço à portuguesa é classificada para os efeitos previstos neste diploma, quanto à origem dos materiais e à sua utilização específica.
Artigo 3º
Regime especial
1. As pedreiras cuja exploração seja destinada à utilização na calçada de vidraço à portuguesa são objecto de um regime especial de licenciamento de pesquisa e de exploração que tem em conta a sua especificidade, sem prejuízo das normas de segurança, saúde e protecção do ambiente.
2. O Governo aprova o regime especial previsto no número anterior, no prazo de 30 dias, após a apresentação da proposta nos termos do nº 3 do artigo 5º.
3. Não são aplicáveis a estas explorações as normas constantes do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio.
Capítulo II
Comissão para a Defesa e Valorização da Calçada de Vidraço à Portuguesa
Artigo 4º
Criação
1. É criada uma Comissão para a Defesa e Valorização da Calçada de Vidraço à Portuguesa, adiante designada por Comissão.
2. A Comissão é uma pessoa colectiva de direito público.
Artigo 5º
Composição
1. O Governo nomeará, no prazo de 60 dias, a Comissão, constituída
por:
a) Um representante do Ministério da Economia, que preside;
b) Um representante do Ministério da Cultura;
c) Um representante do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território
e Ambiente;
d) Um representante da Associação Nacional dos Municípios
Portugueses;
e) Um representante de cada uma das Câmaras Municipais onde se localizem
as pedreiras;
f) Um representante do Parque Natural da área respectiva;
g) Dois representantes das associações representativas dos exploradores
de pedreiras de calçada;
h) Dois representantes dos sindicatos dos trabalhadores do sector.
2. A designação dos representantes referidos nas alíneas d), e), f), g), e h) do número anterior é da competência das respectivas entidades, devendo ser comunicada ao Ministério da Economia no prazo de 30 dias.
3. A Comissão propõe ao Governo, no prazo máximo de 60 dias a partir da data da sua nomeação, o projecto de estatutos da Comissão com a definição da sua estrutura e serviços, competência e funcionamento, bem como a proposta do regime especial de pedreiras de calçada à portuguesa prevista no artigo 3º.
Artigo 6º
Sede
A Comissão tem a sua sede na cidade de Leiria, podendo abrir delegações em qualquer outro ponto do território nacional.
Artigo 7º
Atribuições
1. São atribuições da Comissão:
a) Garantir a classificação da calçada de vidraço
à portuguesa prevista no artigo 2º;
b) Promover, controlar, certificar e fiscalizar a qualidade, origem, genuinidade
e situação legal da exploração e produção;
c) Incentivar e apoiar a actividade da calçada de vidraço à
portuguesa;
d) Promover estudos e acções tendentes a divulgar a valorização
da calçada de vidraço à portuguesa;
e) Promover acções de formação profissional em colaboração
com outras entidades, nomeadamente com as Câmaras Municipais;
f) Colaborar com outras entidades públicas ou privadas, na defesa e valorização
da calçada de vidraço à portuguesa;
g) Contribuir para a aplicação ao sector das normas que regulam
a actividade artesanal, do artesão e da unidade produtiva artesanal,
designadamente do disposto no Decreto-Lei nº41/2001, de 9 de Fevereiro,
alterado pelo Decreto-Lei nº110/2002, de 16 de Abril.
2. A Comissão deve ainda estudar e propor iniciativas de forma a compatibilizar as explorações das pedreiras destinadas à calçada de vidraço à portuguesa com as normas em vigor quanto à defesa do ambiente, designadamente através da determinação de requisitos que permitam a adopção de um regime particular tendo em conta a sua especificidade.
Artigo 8º
Representação
A Comissão designará um representante na Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das Micro Empresas Artesanais criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº4/2000, de 1 de Fevereiro.
Artigo 9º
Tutela
A tutela ministerial da Comissão é exercida pelo Ministério da Economia.
Artigo 10º
Meios financeiros
A Comissão é financiada através de dotação
específica do Orçamento do Estado e ainda por:
a) Rendimentos próprios;
b) Doações, heranças ou legados;
c) Produto da prestação de serviços nos domínios
da actividade da Comissão.
Artigo 11º
Entrada em vigor
1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2. As normas com incidência orçamental entram em vigor com o Orçamento do Estado seguinte.
Assembleia da República, em 20 de Dezembro de
2002