Ano após ano Portugal continua a ser flagelado por vagas de incêndios florestais que têm vindo a consumir uma parte significativa da floresta nacional. De 1980 a 2000 mais de 2 milhões de hectares de floresta foram percorridos por incêndios, em 2001 arderam 106 592 hectares e em 2002 a área ardida ascendeu a 117 294 hectares.
Apesar da múltipla legislação existente, da Lei de Bases da Política Florestal bem como dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF’s) e dos Planos de Gestão Florestal (PGF’s) a verdade é que a rearborização das áreas queimadas não se realiza, ou realiza-se de forma demasiado lenta e, nestes casos, repetindo arborizações e normas silvícolas que mantêm os riscos de fácil propagação dos incêndios.
Ocupando a floresta em Portugal 3,3 milhões de hectares, 87% desta área é privada, 3% é do Estado e 10% é dos baldios. E, facto particularmente importante, 85% do total das explorações florestais têm uma área inferior a cinco hectares nelas imperando, em grande parte, o absentismo. Ora, a dispersão da estrutura fundiária, o absentismo e a fragilidade económica de grande parte dos produtores florestais dificulta, quando não impossibilita, a rearborização das áreas queimadas e, por maioria de razão, a concretização de programas de rearborização e de gestão que assegurem o crescimento de uma floresta ordenada, sustentada e compartimentada, que contribua para evitar a multiplicação dos incêndios florestais.
Assim, as situações mais comuns na rearborização das áreas florestais percorridas por incêndios florestais são a reconstituição do coberto florestal anterior com base na regeneração natural que potencia a repetição das grandes manchas de monocultura de resinosas; a reconversão artificial para espécies de rápido crescimento; a transformação de áreas florestais em áreas votadas à especulação urbanística ou ao abandono puro e simples.
Ora, as consequências de ordem económica, social e ambiental que os incêndios florestais têm provocado, os processos de desertificação humana a que dão origem e que aceleram o processo de abandono das áreas rurais que as políticas agrícolas têm ajudado a promover, exigem um quadro integrado de medidas que assegurem a necessária rearborização das áreas queimadas no respeito pelas orientações estratégicas do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. Não se pode esquecer que a floresta portuguesa contribui para a existência de mais de sete mil empresas correspondente a mais de 164 mil postos de trabalho sendo Portugal o terceiro País da União Europeia onde o sector florestal tem mais peso no P.I.B.
É preciso, pois, criar um quadro legal especificamente orientado para a rearborização ordenada das áreas ardidas a realizar pela Direcção Geral das Florestas em parceria com os produtores florestais e as comunidades de baldios.
Verifica-se, pelas estatísticas disponíveis, que uma elevada percentagem da área ardida é devida a um pequeno número de fogos de grandes dimensões. Em 2002, por exemplo, o número de incêndios que percorreram de forma contínua mais de cem hectares totalizam 72 937 hectares correspondente a 62,2% da área total ardida com uma estimativa de prejuízos de 58 milhões de euros, embora o número de incêndios correspondente não ultrapasse os 164, isto é, 2,4% do total.
Perante a estrutura fundiária e socio-económica das explorações e dos produtores florestais e face ás gravíssimas consequências de ordem ambiental e humana para os territórios devastados por incêndios, o Estado não pode limitar-se a uma posição passiva nem permitir que muitos dos produtores acabem por ficar dependentes de interesses sem escrúpulos. O Estado deve pois intervir numa matéria que é de relevantíssimo interesse nacional articulando os interesses dos produtores e das populações afectadas com os imperativos nacionais.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projecto de Lei:
PROGRAMA DE REARBORIZAÇÃO
PARA ÁREAS PERCORRIDAS POR INCÊNDIOS FLORESTAIS
É criado um Programa de Rearborização para
Áreas Percorridas por Incêndios Florestais, adiante designado por
Programa.
Para os efeitos do presente diploma consideram-se instrumentos do Programa, os planos orientadores de gestão e os projectos de rearborização.
Artigo 3.º
Âmbito
1.O Programa aplica-se às áreas queimadas de forma
contínua numa extensão igual ou superior a 100 hectares.
2.Para as áreas contínuas inferiores a 100 hectares a Direcção
Geral das Florestas analisará, caso a caso, a viabilidade técnica,
económica e social de uma intervenção idêntica à
prevista no número anterior.
Artigo 4.º
Aplicação
1. Os planos orientadores de gestão para as áreas percorridas por incêndios florestais deverão respeitar os Planos de Gestão Florestal previstos no Decreto-Lei n.º 205/99 de 9 de Junho.
2. Sempre que não seja exequível a rearborização das áreas referidas no número 2 do artigo anterior será elaborado um Programa geral de rearborização para aquelas áreas, integrado no respectivo Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF) contemplando a definição do elenco das espécies a privilegiar bem como normas de silvicultura e de gestão adequadas a uma organização sustentada do espaço florestal.
Artigo 5.º
Obrigações da Direcção Geral das Florestas
A Direcção Geral das Florestas deverá, no prazo máximo de um ano após os incêndios, realizar relativamente às áreas abrangidas pelo disposto no artigo 3º, as seguintes operações:
a) Promover a elaboração, tendo presente a orientação estratégica do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/99 e de acordo com as normas orientadoras do respectivo Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF), criados pelo Decreto-Lei n.º 204/99 de 9 de Junho, de projectos de rearborização e planos orientadores de gestão que atendam aos condicionalismos de natureza ecológica, económica e social de nível local e regional;
b) Promover o levantamento sociológico da área atingida com a caracterização das actividades económicas nela incluídas bem como o seu grau de interdependência com a floresta existentes ou a instalar;
c) Elaborar o cadastro geométrico da propriedade nas áreas abrangidas pelo projecto;
Artigo 6.º
Carácter imperativo
Os projectos de rearborização e os planos orientadores de gestão para as áreas ardidas têm carácter imperativo.
Artigo 7.º
Responsabilidade de rearborização
1. A rearborização das áreas ardidas é
da responsabilidade dos proprietários ou arrendatários florestais
e deverá estar concluída no prazo de dois anos após a elaboração
dos projectos de rearborização referidos na alínea a) do
número 2 do artigo 5º.
2. Decorrido o prazo estipulado no número anterior e no caso do proprietário
ou arrendatário não ter concretizado o respectivo projecto de
rearborização, compete à Direcção Geral das
Florestas assumir a execução do projecto, promovendo o seu ressarcimento
financeiro junto dos mesmos.
Artigo 8.º
Zonas de risco
1 – As explorações florestais que confinem ou sejam atravessadas por vias de comunicação a que estejam associadas em elevado grau o risco de deflagração de incêndios, deverão ser sujeitas a rearborização com espécies mais adequadas a evitar a propagação de fogos florestais, numa distância até 25 metros das margens da via;
2 – Os produtores florestais, proprietários ou arrendatários de explorações abrangidas pelo disposto no número anterior terão direito, quando tal se justificar, a um apoio financeiro compensatório da quebra do rendimento da exploração resultante da transformação cultural prevista neste artigo.
Artigo 9.º
Fundo Financeiro
1 – O financiamento dos projectos de rearborização bem como os apoios financeiros compensatórios previstos no número 2 do artigo anterior e ainda a concessão de apoios e incentivos financeiros a proprietários ou arrendatários de débil situação económica, serão realizados através do Fundo Financeiro previsto no artigo 18.º da Lei n.º 33/96 de 17 de Agosto, em condições a regulamentar;
2 – Enquanto aquele Fundo Financeiro não estiver criado, deverão as verbas necessárias á execução do presente diploma ser inscritas no Orçamento de Estado através de dotação específica atribuída à Direcção Geral das Florestas;
Artigo 10º
Candidaturas e execução
1 – Os projectos de rearborização e planos orientadores de gestão previstos neste diploma terão prioridade na apreciação de candidaturas ao Quadro Comunitário de Apoio em vigor;
2 – À Direcção Geral das Florestas cabe fiscalizar a execução dos projectos de rearborização e dos planos orientadores de gestão.
Artigo 11.º
Elaboração e fiscalização
A elaboração dos projectos de rearborização e dos planos orientadores de gestão previstos no artigo 2.º deste diploma bem como a fiscalização da respectiva execução prevista no número 4 do artigo10.º, no caso de áreas privadas ou pertencentes a comunidades de baldios deverão ser realizados, conforme os casos, em parceria entre a Direcção Geral das Florestas, empresas florestais, organizações de produtores florestais e órgãos de administração dos baldios.
Artigo 12.º
Regulamentação
A presente Lei deverá ser regulamentada através de Decreto-Lei, no prazo de 90 dias após a sua publicação.
Artigo 13.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor com o primeiro Orçamento de Estado subsequente à sua aprovação.
Assembleia da República,
27 de Novembro de 2002
Os Deputados