Para pesquisar a situação: clique aqui
(Preâmbulo)
O branqueamento de capitais é um problema com amplitude mundial, envolvendo poderosíssimas organizações criminosas que, com as suas actividades e dinheiro ilícitos minam e imiscuem-se com o sistema económico e financeiro e com o poder económico e político, fomentam a corrupção, põem em causa a soberania e independência dos Estados e comprometem a própria democracia. Particularmente neste último ano, em que estas questões ganharam particular acuidade a propósito do financiamento de actividades terroristas, mais premente se torna pôr em prática um conjunto de medidas que efectivamente visem pôr termo, ou dificultar, as fontes de financiamento da alta criminalidade.
O branqueamento de capitais tem no tráfico de droga uma das suas principais fontes. Milhares de milhões de contos, somas geradas pelo narcotráfico e por outras práticas ilícitas entram no circuito legal dos negócios e tendem a envolver uma parte importante da economia no mundo da criminalidade.
O combate ao branqueamento de capitais é uma das formas mais eficazes de atacar o tráfico de drogas e outras actividades criminosas. Atinge os seus autores naquilo que mais lhes dói, nos seus lucros e patrimónios ilícitos, reduzindo e liquidando o poder económico dos indivíduos e das organizações criminosas.
Isso mesmo reconhece hoje em dia a própria ONU que, designadamente, através do Programa Mundial contra o Branqueamento de Capitais tem preconizado a criação de estruturas para o estudo, informação, aconselhamento e assistência técnica sobre branqueamento de capitais e o alargamento e reforço da aplicação de medidas para o prevenir, aproveitando designadamente as experiências do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
Em Portugal a primeira legislação contra o branqueamento de capitais tem cerca de nove anos e os resultados até agora são mínimos, havendo, no entanto, a consciência que defrontamos um grave problema e existindo a previsão do seu agravamento, com a circulação do euro e a progressiva eliminação de fronteiras.
No nosso país, como concluiu no seu relatório a Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga, referindo-se aos mecanismos legais nesta matéria, "o funcionamento do sistema está bem longe de ter atingido um grau mínimo de eficácia".
Muitas são aliás as notícias que evidenciam a ineficácia do sistema. Sejam as reportadas pelos Serviços de Informação de Segurança em Relatórios de Segurança Interna, sejam os escassos processos e condenações por branqueamento de capitais referidos pela Polícia Judiciária, sejam as noticiadas suspeitas de branqueamento de capitais em conexão com associações criminosas internacionais envolvidas com importantes actividades comerciais, investimentos e outras operações no nosso país.
É certo que no passado recente foi aprovada em Portugal legislação que aperfeiçoou os mecanismos legais de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, para a qual o PCP contribuiu de forma decisiva. Porém, tendo em conta a gravidade da situação existente, importa ir mais longe e mais fundo.
Assim, o PCP entende que falta em Portugal uma estrutura com competência de análise e intervenção integrada, à semelhança do Programa Mundial da ONU contra o Branqueamento de Capitais, ou da experiência italiana do UIC (Ufficio Italiano dei Cambi), e para suprir essa insuficiência propõe a instituição de um Programa Nacional com o objectivo de prevenir e combater o branqueamento de capitais, prevenir a criminalização da economia e a criminalidade organizada e a criação de uma Comissão Nacional que lhe dê concretização.
Este Programa, enquanto conjunto coerente de medidas, terá como funções: coordenar as entidades de supervisão, fiscalização e controlo com intervenção na prevenção e combate ao branqueamento e criminalização da economia; acompanhar a situação nacional e colaborar na elaboração do relatório anual do Governo à Assembleia da República em matéria de combate à droga; elaborar propostas de normativos relativos à intervenção das diversas entidades, apoiar a formação de pessoal qualificado, estudar a realidade europeia e internacional e desenvolver neste âmbito a cooperação respectiva.
A Comissão Nacional será presidida por um Juiz designado pelo Conselho Superior da Magistratura, uma solução que visa dar substância ao princípio da legalidade numa matéria tão sensível, e integrará representantes da Procuradoria Geral da República, do Governo, do Banco de Portugal, da Polícia Judiciária e de outras entidades de supervisão ou com intervenção nestas matérias e disporá de um Secretário Executivo a quem competirá assegurar o funcionamento dos respectivos serviços.
Nestes termos os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
(Programa Nacional)
Pela presente lei é criado o Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e à Criminalização da Economia, adiante designado por Programa Nacional.
Artigo 2º
(Objectivos)
O Programa Nacional tem como objectivos, prevenir a criminalização da economia e o crescimento da criminalidade organizada, através de um conjunto integrado e concreto de medidas, e do aprofundamento e coordenação da acção das entidades que intervêm na prevenção e repressão do branqueamento de capitais, visando contribuir para a definição e concretização da política nacional nesta área.
Artigo 3º
(Comissão Nacional)
Para a prossecução destes objectivos é criada a Comissão Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e à Criminalização da Economia, adiante designada por Comissão Nacional.
Artigo 4º
(Funções)
1 — A Comissão Nacional tem por funções:
a) Coordenar a intervenção das entidades de supervisão, fiscalização e controlo em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e à criminalização da economia;
b) Acompanhar e avaliar a situação em matéria de branqueamento de capitais e de criminalização da economia em Portugal e os efeitos das medidas e legislação implementada a este respeito;
c) Colaborar na elaboração anual do Relatório do Governo à Assembleia da República previsto no artigo 70º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais;
d) Elaborar, em conjunto com as entidades envolvidas, e submeter ao Governo, propostas de normativos relativos à prevenção do branqueamento de capitais e da criminalização da economia, nomeadamente ao nível do controlo e fiscalização das entidades susceptíveis de ser utilizadas em operações de branqueamento previstas e punidas por lei;
e) Apoiar a formação técnica e cientifica de pessoal qualificado com intervenção nesta matéria, particularmente de profissionais das estruturas representadas na Comissão;
e) Estudar a realidade europeia e de outros países em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, prevenção da criminalização de economia e do crescimento da criminalidade organizada, e as evoluções verificadas, com vista ao aproveitamento nacional dessas experiências e ao desenvolvimento de cooperação comunitária e internacional;
f) Desenvolver a cooperação internacional com vista ao aperfeiçoamento e aplicação de normas sobre prevenção e repressão do branqueamento de capitais e da criminalização da economia;
2 — A Comissão Nacional submete à consideração do Governo, através do Primeiro-Ministro, os relatórios e propostas legislativas e regulamentares que tiver por convenientes, das quais o Governo deve dar informação à Assembleia da República.
Artigo 5º
(Composição)
1 — A Comissão Nacional é presidida por um Juiz a designar pelo Conselho Superior da Magistratura e é composta por representantes das seguintes entidades:
a) Procuradoria Geral da República;
b) Ministério das Finanças;
c) Ministério da Justiça;
d) Banco de Portugal;
e) Polícia Judiciária;
f) Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
g) Instituto Português de Seguros;
h) Direcção Geral dos Impostos;
i) Inspecção Geral de Jogos;
j) Inspecção Geral das Actividades Económicas;
k) Inspecção Geral de Finanças;
l) Direcção Geral das Alfândegas.
2 — A Comissão Nacional integra ainda um Secretário Executivo, nomeado pelo Governo, que tem como funções secretariar a Comissão e assegurar o funcionamento dos respectivos serviços de apoio.
Artigo 6º
(Serviços de apoio)
Compete ao Governo dotar a Comissão Nacional dos meios, serviços de apoio e assessoria técnica necessários à prossecução dos seus objectivos.
Artigo 7º
(Dever de cooperação)
Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional em ordem à prossecução dos seus objectivos, designadamente facultando às autoridades judiciárias as informações a que tenham acesso e que estas solicitem no âmbito das suas competências.
Artigo 8º
(Regulamentação)
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, em 6 de Novembro de
2002