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Preâmbulo
As colectividades de cultura, desporto e recreio existentes no nosso país constituem uma realidade da maior importância na dinamização cultural, artística, recreativa, desportiva e associativa das comunidades locais. Enfrentando dificuldades da mais diversa ordem - escassez de receitas e financiamentos, carência de instalações, dificuldades técnicas e materiais, dificuldades de disponibilidade dos seus dirigentes (em regra benévolos) - essas associações prestam ainda assim um serviço inestimável às populações e ao progresso cultural, a nível local e nacional.
No entanto, não existe um quadro legal que preveja e defina o apoio do Estado às colectividades, para além de legislação especificamente aplicável a certo tipo de associações. Assim, a importantíssima actividade que é desenvolvida pelas colectividades de cultura, desporto e recreio é, regra geral, integralmente suportada pelos seus associados, por patrocínios privados que as colectividades consigam angariar e pelos apoios concedidos pela Administração local. Já quanto à Administração central, tudo se resume aos subsídios pontuais e discricionários atribuídos pelos Governos Civis e à contemplação de alguns projectos em PIDDAC, sem que em algum dos casos estejam definidos critérios de apoio transparentes e fiscalizáveis.
Ultrapassar esta enorme lacuna e definir um quadro legal de apoio ao associativismo que permita associar os esforços da Administração central aos das autarquias, associações e comunidades locais na dinamização da cultura e recreio, é o grande objectivo visado pelo presente Projecto de Lei do Partido Comunista Português.
Para este efeito, o PCP propõe a criação, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, de um Fundo de Apoio ao Associativismo, que tenha como atribuições centrais, apoiar as colectividades de cultura, desporto e recreio, segundo critérios de igualdade e transparência e de acordo com condições previamente definidas, coordenar as políticas de apoio ao associativismo a desenvolver por todas as entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública central, e que conte com a participação de representantes do associativismo e do poder local ao nível da sua direcção executiva.
No presente Projecto de Lei, o Grupo Parlamentar do PCP propõe um quadro geral de apoios à actividade associativa, através de diversas modalidades, utilizáveis por forma cumulativa ou individualizada. Abre-se inclusivamente a possibilidade de, através de protocolos gerais ou dirigidos a determinados apoios previstos na lei, o Fundo de Apoio ao Associativismo poder assegurar às associações, nomeadamente, apoio técnico, cedência de materiais e equipamentos, apoio à formação de técnicos, dirigentes e colaboradores associativos, apoio a transportes em grupo, apoio à aquisição, construção, arrendamento, reparação ou manutenção de instalações, bem como apoio financeiro directo a actividades desenvolvidas pelas colectividades.
Propõe-se para este efeito, e com o intuito de assegurar a transparência da atribuição de apoios do Estado ao associativismo, que o Fundo de Apoio ao Associativismo seja incumbido de propor ao Governo a aprovação, por Decreto-Lei, de um Regulamento de Apoio ao Associativismo, no qual se estabeleçam claramente os critérios e as regras de concessão de apoio do Estado às colectividades de cultura, desporto e recreio.
Não é a primeira vez que o PCP apresenta iniciativas legislativas visando assegurar o apoio do Estado às actividades que são desenvolvidas pelas colectividades de cultura, desporto e recreio, em benefício do povo português. Desde a V Legislatura (1987-1991) que o PCP tem vindo a apresentar e a reapresentar projectos de lei de apoio ao associativismo e de estatuto dos dirigentes associativos voluntários, os quais têm sido sucessivamente recusados por diferentes maiorias parlamentares. No entanto, cumpre registar que a actividade do PCP na Assembleia da República em prol do associativismo produziu resultados concretos, com a aprovação em 1999, de um regime legal actualizado das pessoas colectivas de utilidade pública que se traduziu na reposição de benefícios para grande número de colectividades.
O presente Projecto de Lei não se limita porém a reapresentar iniciativas anteriores. Embora, nos seus princípios essenciais, venha no seguimento de iniciativas anteriormente tomadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, contém novas soluções resultantes da reflexão que o PCP e o próprio movimento associativo têm empreendido.
O presente Projecto de Lei, visando regular o quadro geral de apoios às colectividades de cultura e recreio, não se ocupa de questões fundamentais para o associativismo, como o estatuto dos seus dirigentes voluntários, a correcção do injusto regime fiscal do associativismo, ou a alteração do regime do mecenato associativo, na medida em que tais matérias, pela sua especificidade, são objecto de iniciativas legislativas específicas também apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, integrando com a presente iniciativa, um conjunto de projectos de lei de apoio ao associativismo com que o PCP assinala o Ano Internacional do Voluntariado.
A vida confirmou, com a evolução recente da situação do movimento associativo, a indispensabilidade de um enquadramento legal como o agora proposto, que é aliás reclamado por múltiplas associações, Encontros do Movimento Associativo e dirigentes associativos de todo o país, e que foi inclusivamente reivindicado pelo IV Congresso das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, realizado em 2001.
Estas propostas não constituem, da parte do PCP, propostas fechadas. O objectivo é acima de tudo lançar o debate sobre os problemas do movimento associativo e sobre o apoio que lhe é devido por parte do Estado. A adopção de um regime legal de apoio ao associativismo mais justo será fundamentalmente um meio de contribuir para uma melhor qualidade de vida de muitos milhares de portugueses e de permitir a muitos milhares de jovens ter melhores condições de acesso a actividades culturais e desportivas.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Objecto
A presente lei estabelece o regime geral do apoio do Estado às colectividades de cultura, desporto e recreio.
Artigo 2º
Âmbito de aplicação
1. A presente lei aplica-se a todas as colectividades de cultura, desporto
e recreio, e respectivas estruturas federativas ou de cooperação,
que tenham obtido personalidade jurídica e não tenham por fim
o lucro económico dos associados.
2. A presente lei não prejudica a atribuição de outros
apoios às colectividades que, pela sua natureza ou finalidades específicas,
sejam apoiadas nos termos de legislação especial.
Artigo 3º
Fundo de Apoio ao Associativismo
1. Para a concretização das atribuições do Estado no âmbito do apoio às colectividades nos termos da presente lei é criado o Fundo de Apoio ao Associativismo.
2. O Fundo de Apoio ao Associativismo funciona no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, sendo a sua organização e funcionamento definidos por Decreto-Lei.
3. O Fundo de Apoio ao Associativismo será dotado com as delegações regionais necessárias à prossecução das suas atribuições.
Artigo 4º
Atribuições
São atribuições do Fundo de Apoio ao Associativismo:
a. Apoiar, nos termos da presente lei, as actividades prosseguidas pelas colectividades de cultura, desporto e recreio;
b. apoiar a criação de novas colectividades de cultura, desporto e recreio;
c. coordenar as políticas de apoio ao associativismo a desenvolver por todas as entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública central.
d. Elaborar e propor ao Governo um regulamento do apoio ao associativismo, no qual são definidos os critérios para a atribuição de apoios às colectividades;
e. Elaborar um relatório anual de aplicação do regulamento do apoio ao associativismo no qual são publicitados todos os apoios concedidos a colectividades por parte de entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública central;
f. promover e apoiar acções de formação de dirigentes, colaboradores e técnicos associativos;
g. garantir apoio técnico e jurídico às colectividades;
h. organizar um registo nacional de colectividades de cultura, desporto e recreio;
i. publicar um anuário do associativismo;
j. promover e patrocinar estudos sobre a realidade associativa;
k. outras atribuições que resultem da lei.
Artigo 5º
Participação
O Decreto-Lei de organização e funcionamento do Fundo de Apoio ao Associativismo deve assegurar a participação, ao nível da respectiva direcção, de representantes da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias.
Artigo 6º
Autonomia e independência das colectividades
A concessão de qualquer tipo de apoios por parte do Estado não pode condicionar a autonomia e independência das colectividades perante o poder político.
Artigo 7º
Não discriminação
Na concessão de qualquer tipo de apoios por parte do Estado, nenhuma colectividade pode ser privilegiada ou prejudicada em relação às restantes por motivos políticos, ideológicos, religiosos ou de situação geográfica.
Artigo 8º
Registo Nacional de Associações
1. O Instituto do Associativismo organiza um Registo Nacional de Colectividades de Cultura, Desporto e Recreio, de onde conste a respectiva situação estatutária.
2. A não inscrição no Registo Nacional ou a incorrecção de quaisquer dados dele constantes por facto não imputável às colectividades não pode implicar qualquer prejuízo no gozo de direitos, isenções ou regalias, ou na atribuição de quaisquer apoios.
Artigo 9º
Quadro geral de apoios
1. As colectividades de cultura, desporto e recreio são apoiadas pelo Estado, nos termos do Regulamento de Apoio ao Associativismo, elaborado e proposto pelo Fundo de Apoio ao Associativismo, e aprovado pelo Governo mediante Decreto-Lei.
2. O apoio do Estado à actividade das colectividades pode revestir a natureza de apoio técnico, financeiro, à formação de técnicos e dirigentes, ou consistir em apoios aos transportes ou à construção, remodelação ou manutenção de infra-estruturas.
3. A actividade de carácter associativo dos dirigentes das colectividades abrangidas pela presente lei é objecto de apoio específico a regular em lei especial.
Artigo 10º
Regulamento
O Regulamento de Apoio ao Associativismo estabelece os critérios e as regras de concessão de apoio às colectividades de cultura, desporto e recreio por parte do Fundo de Apoio ao Associativismo e de outras entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública central, de acordo com os princípios consagrados na presente lei.
Artigo 11º
Protocolos
1. Os apoios do Fundo de Apoio ao Associativismo a cada colectividade podem ser globalmente acordados mediante protocolos onde sejam estabelecidas as modalidades, os montantes e as condições dos apoios a conceder, nos termos da presente lei e do Regulamento de Apoio ao Associativismo.
2. Os protocolos referidos no número anterior podem ser anuais ou plurianuais.
Artigo 12º
Apoio técnico
1. O Fundo de Apoio ao Associativismo apoia tecnicamente as colectividades abrangidas pela presente lei assegurando-lhes designadamente informação, acesso a documentação e assessoria e outros recursos humanos de que estas necessitem para a prossecução das suas actividades.
2. O apoio técnico pode incluir a cedência de materiais e equipamentos segundo condições previstas no Regulamento de Apoio ao Associativismo.
Artigo 13º
Apoio à formação
O Fundo de Apoio ao Associativismo promove a realização de cursos e outras acções de formação de técnicos, dirigentes e colaboradores associativos e apoia acções dessa natureza que sejam promovidas pelas próprias colectividades ou pelas suas estruturas federativas.
Artigo 14º
Apoio a transportes
Os encargos motivados pelo transporte em grupo dos participantes em iniciativas e actividades promovidas pelas colectividades abrangidas pela presente lei podem ser suportadas, total ou parcialmente, pelo Fundo de Apoio ao Associativismo, nos termos definidos no Regulamento de Apoio ao Associativismo.
Artigo 15º
Infra-estruturas
O Fundo de Apoio ao Associativismo apoia financeiramente, nos termos definidos no Regulamento de Apoio ao Associativismo, a aquisição, construção, arrendamento, reparação ou manutenção de instalações que estejam afectas às actividades das colectividades, devendo para esse efeito coordenar a sua actividade com a de outros organismos da Administração central responsáveis pela atribuição de apoios no domínio das infra-estruturas.
Artigo 16º
Apoio financeiro
O Fundo de Apoio ao Associativismo apoia financeiramente as actividades que sejam desenvolvidas pelas colectividades abrangidas pela presente lei, nos termos previstos no Regulamento de Apoio ao Associativismo.
Artigo 17º
Regulamentação
O Governo elaborará no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, a regulamentação indispensável à sua integral aplicação.
Artigo 18º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento de Estado posterior à sua aprovação.
Assembleia da República, em 3 de Julho
de 2002