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Projecto de Lei nº 543/VII
Define os princípios gerais da política nacional de prevenção primária da toxicodependência e aprova medidas de intervenção em situações de risco e de reinserção social e laboral de toxicodependentes em recuperação


(Preâmbulo)

É hoje um ponto assente que as medidas a tomar no âmbito do combate à droga, quaisquer que sejam, devem basear-se numa estratégia global, baseada na prevenção, no tratamento, na reinserção social e no combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais, devendo ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitar que mais indivíduos, particularmente jovens, caiam na dependência das drogas, e procurar saídas para aqueles que se deixaram enredar neste percurso dramático.

Não é hoje concebível uma política de combate à droga em que não exista uma estreita articulação entre as entidades que, a diversos níveis, se relacionam com este fenómeno. Não é hoje possível conceber uma política que pretenda ter alguma eficácia na prevenção da toxicodependência, se não se encontrar forma de coordenar a prevenção primária, designadamente ao nível das escolas, das comunidades locais, ou dos locais de trabalho, com a prevenção secundária, que deve passar por uma rede eficaz de atendimento e comunidades terapêuticas e por uma cada vez mais forte articulação com o serviço nacional de saúde, com a acção das polícias e do sistema judiciário, com a problemática do meio prisional, com a política de reinserção social e laboral.

Acontece porém que esta articulação está ainda muito longe da realidade. Não obstante alguns passos que têm sido dados em diversos domínios, persistem ainda enormes desequilíbrios e "parentes pobres" da política de combate à droga, cujo atraso importa rapidamente superar.

A discussão em torno da legislação vigente, tem-se centrado quase exclusivamente em torno de duas vertentes: O estatuto penal e processual penal do consumo e tráfico de drogas e a rede de atendimento e tratamento de toxicodependentes. São evidentemente questões da maior importância e em torno das quais o PCP tem apresentado diversas iniciativas legislativas. Porém, a política de combate à droga não passa exclusivamente por aí, havendo igualmente que aperfeiçoar o nosso ordenamento jurídico, no que diz respeito à prevenção primária e terciária, para além da necessidade de responder a situações que, pela sua acuidade, exigem respostas inovadoras.

O presente projecto de lei do PCP tem como primeiro objectivo definir os princípios gerais a que deve obedecer a política de prevenção primária da toxicodependência. Não se ignora que a prevenção mais eficaz está para além das políticas convencionalmente chamadas de combate à droga e que se traduz em políticas que combatam as causas sociais mais profundas da toxicodependência. É evidente que as perspectivas e as condições de educação e de emprego que sejam oferecidas aos jovens; a qualidade de vida que, particularmente nos meios urbanos, é oferecida às populações; as condições de acesso à criação cultural ou à prática desportiva, ou as possibilidades de um desenvolvimento equilibrado do país são aspectos decisivos em matéria de prevenção inespecífica da toxicodependência. No entanto, muito pode e deve ser feito ao nível das políticas específicas de prevenção, entregues muitas vezes ao improviso e às boas-vontades, sem um plano global de coordenação e avaliação.

Importa em primeiro lugar definir legalmente as orientações fundamentais da política de prevenção, e para além disso, definir competências, balizar as várias acções e vertentes da prevenção primária (prevenção em meio escolar, acção dirigida à juventude, acção junto da comunicação social, prevenção em meio laboral, medidas de formação de interventores), e definir ainda mecanismos de avaliação e participação.

Constituindo a política de prevenção primária uma vertente fundamental do presente projecto de lei, não esgota, porém, o seu conteúdo. Dois outros aspectos devem também ser salientados:

Um, diz respeito à reinserção social e laboral, vertente indispensável de qualquer política de recuperação de toxicodependentes, que não tem tido da parte dos poderes públicos a atenção que a sua importância amplamente justifica.

Um outro aspecto, que é também um dos aspectos mais inovadores da presente iniciativa, respeita à previsão de medidas de intervenção em situações, áreas ou grupos de risco confirmado de expansão da toxicodependência.

Propõe assim o PCP que, a consideração por parte do Governo, de qualquer situação, área ou grupo de dimensão significativa, onde estejam presentes factores que confirmem o risco de expansão epidémica de dependência de drogas com relevância acentuada no tecido social, deve implicar a adopção de um plano global de intervenção capaz de responder às especificidades da situação detectada.

O exemplos de intervenção como o que se verifica presentemente no Casal Ventoso, com atrasos, limitações e insuficiências, se outros méritos não tivesse, teria pelo menos o de demonstrar a necessidade de uma intervenção global que, reunindo a contribuição de diversas entidades, permite encontrar respostas integradas no terreno perante situações cuja gravidade exige de facto especial capacidade de intervenção e coordenação.

Entende por isso o PCP, que urge proceder ao levantamento de situações que justifiquem especiais medidas de intervenção, e coordenar as intervenções realizadas através da criação de um dispositivo nacional de centros de apoio a toxicodependentes.

Com esta iniciativa, o Grupo Parlamentar do PCP pretende dar mais um contributo para dotar o nosso país de um ordenamento jurídico de combate à droga mais completo, coerente e capaz de responder melhor a novas situações e desafios.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
(Princípios gerais)

Artigo 1º
(Objecto)

A presente lei tem por objecto a definição dos objectivos e das grandes linhas da política nacional de prevenção da toxicodependência, e em especial, o reforço das acções de prevenção primária do consumo de drogas e de reinserção social e laboral de toxicodependentes.

Artigo 2º
(Política nacional de prevenção da toxicodependência)

A política nacional de prevenção da toxicodependência tem por objectivo fundamental conter e fazer regredir o fenómeno social da dependência de drogas em Portugal, tendo em vista a sua erradicação.

Artigo 3º
(Responsabilidade do Estado)

A definição da política nacional de prevenção da toxicodependência é da responsabilidade do Estado, competindo especialmente ao Governo promover a sua execução, ouvido o Conselho Nacional de Prevenção da Toxicodependência.

Artigo 4º
(Orientações fundamentais)

A política nacional de prevenção da toxicodependência assenta nas seguintes orientações fundamentais:

a) O seu carácter nacional e a sua concepção integrada.

b) A execução de políticas de desenvolvimento integrado e de justiça social como pressuposto fundamental da prevenção dos fenómenos sociais que estão na origem da toxicodependência.

c) O desenvolvimento de acções sistemáticas de prevenção primária da toxicodependência, particularmente dirigidas a populações e grupos de risco.

d) A garantia de uma rede nacional de tratamento que, com recurso aos meios e recursos terapêuticos adequados, permita a inserção imediata de cada toxicodependente no programa de tratamento que lhe seja clinicamente aconselhado.

e) Promover programas de apoio e assistência a toxicodependentes e de redução de riscos, visando o encaminhamento para tratamento e reinserção.

f) A assunção da responsabilidade por políticas de apoio à reinserção social e laboral dos toxicodependentes e da criação dos meios que as possibilitem.

g) A consideração, quer no plano legal, quer nas opções políticas, de que os toxicodependentes são cidadãos doentes, com todos os direitos e deveres daí decorrentes, sendo a defesa dos seus direitos um inalienável dever social.

h) O aperfeiçoamento das medidas legais destinadas a limitar a disponibilidade de drogas ilícitas e a dar combate ao tráfico e ao branqueamento dos capitais que dele provenham.

i) A disponibilização de meios de informação estatística sobre o fenómeno da droga, de forma a permitir uma visão actualizada da situação e uma correcta fundamentação das decisões políticas a tomar.

j) O investimento em políticas e estruturas de investigação científica com incidência em todos os aspectos da política nacional de prevenção da toxicodependência.

Capítulo II
(Políticas de prevenção)

Título I
(Prevenção primária)

Artigo 5º
(Políticas de prevenção primária da toxicodependência)

1. Compete ao Governo, no âmbito das políticas de prevenção primária:

a) Definir, coordenar e supervisionar a execução das medidas de prevenção primária do consumo de drogas e de reinserção social e laboral de toxicodependentes.

b) Assegurar a formação de formadores, técnicos e operadores de prevenção primária da toxicodependência.

c) Definir e executar a estratégia de prevenção primária em meio escolar e a introdução da prevenção da toxicodependência nas actividades escolares.

d) Assegurar a recolha sistemática de dados sobre a toxicodependência

e) Promover a avaliação das medidas de prevenção primária da toxicodependência.

f) Celebrar protocolos com instituições de ensino superior e de investigação científica por forma a incentivar a investigação em matéria de toxicodependência.

g) Colaborar com os órgãos de poder local na definição e execução de medidas de prevenção da toxicodependência.

Artigo 6º
(Actividades escolares)

As escolas do ensino básico e do ensino secundário devem incluir, com carácter generalizado, nas suas actividades curriculares e extracurriculares, a temática dos estilos de vida saudáveis e da perigosidade do consumo de substâncias tóxicas, por forma a facultar aos alunos uma informação rigorosa sobre as suas consequências.

Artigo 7º
(Prevenção em meio escolar)

1- Compete ao Governo, através do Ministério da Educação, promover a criação de equipas de apoio à prevenção da toxicodependência em meio escolar, dotadas de formação específica adequada.

2 - Compete às equipas de apoio à prevenção em meio escolar:

a) Coordenar e acompanhar em todas as escolas as actividades relacionadas com a prevenção da toxicodependência e proceder à avaliação dos seus resultados.

b) Apoiar e coordenar a acção e a formação específica dos professores que em cada escola intervenham de forma mais directa em actividades de prevenção da toxicodependência.

c) Coordenar e acompanhar a intervenção em situações de risco detectadas em meio escolar, recorrendo ao apoio de técnicos de saúde.

3 - Em cada escola do 2º e 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário deve ser designado um professor que assuma funções de coordenação e dinamização das acções de prevenção da toxicodependência em articulação com toda a comunidade escolar.

Artigo 8º
(Acções de prevenção primária dirigidas à juventude)

Compete ao Governo, através dos serviços adequados, desenvolver campanhas de prevenção primária do consumo de drogas particularmente destinadas aos jovens, com base na definição de grupos alvo e na adequação da acção de prevenção primária e dos respectivos conteúdos a essa realidade e conferindo especial apoio às iniciativas que sejam promovidas por organizações de juventude, ou que as envolvam directamente.

Artigo 9º
(Acções de sensibilização dos profissionais da comunicação social)

1 - Compete ao Governo, através dos serviços adequados, promover a realização de acções de sensibilização dos profissionais de comunicação social visando permitir uma abordagem especializada e um tratamento informativo rigoroso das questões relacionadas com a droga.

2 - É criado um prémio anual de jornalismo destinado a premiar os melhores trabalhos publicados sobre a temática da droga.

Artigo 10º
(Realização de campanhas publicitárias)

As acções de prevenção da toxicodependência devem incluir a realização sistemática de campanhas publicitárias de conteúdo adequado, visando a difusão continuada pelos órgãos de comunicação social de mensagens destinadas a prevenir o consumo de drogas, tendo em consideração as características próprias do público a que se destinam.

Artigo 11º
(Acções regionais, municipais e locais de prevenção primária)

Compete ao governo, através dos serviços adequados, incentivar e apoiar a realização de acções de prevenção da toxicodependência por parte das autarquias locais, designadamente através da celebração de protocolos de cooperação.

Artigo 12º
(Prevenção em meio laboral)

1 - No âmbito do funcionamento de serviços de medicina do trabalho deve ser conferida particular atenção à prevenção da toxicodependência, nomeadamente através de acções de informação, de prevenção e de eventual encaminhamento para soluções de tratamento.

2 - As acções de rastreio da toxicodependência e de encaminhamento para tratamento só podem ser realizadas com o prévio consentimento expresso dos trabalhadores envolvidos, em condições de absoluta confidencialidade e com garantias de não discriminação.

Artigo 13º
(Rede de interventores em primeiros socorros a toxicodependentes)

1 - O Governo, através dos serviços adequados, deve promover a formação duma rede nacional de interventores em primeiros socorros a toxicodependentes, envolvendo nomeadamente técnicos de saúde, elementos dos corpos de bombeiros, da Cruz Vermelha, do Instituto Nacional de Emergência Médica e agentes das Forças de Segurança.

2 - A criação desta rede nacional de interventores tem por objectivo conferir aos elementos envolvidos a formação que lhe permita identificar e prestar os primeiros socorros a qualquer doente de dependência de drogas.

Artigo 14º
(Cursos de formação)

1 - Compete ao Governo, através dos serviços adequados, assegurar o regular funcionamento de cursos de formação a ministrar aos intervenientes em acções de prevenção da toxicodependência.

2 - Os cursos referidos no presente artigo devem ter características específicas em função dos grupos a que se dirigem, e destinam-se nomeadamente:

a) A professores, e particularmente aos que intervenham directamente em acções de prevenção da toxicodependência em meio escolar.

b) A profissionais da comunicação social;

d) A técnicos dos serviços de saúde;

e) A profissionais das forças de segurança;

f) A outros técnicos com intervenção em acções de prevenção primária da toxicodependência;

Artigo 15º
(Formação de nível superior)

Na definição dos conteúdos curriculares dos cursos superiores, nomeadamente de medicina, enfermagem, psicologia, ciências sociais e de formação para a docência deve ser considerada a inclusão de formação específica em matéria de toxicodependência.

Título II
Intervenção em situações de risco

Artigo 16 º
(Situação, área ou grupo de risco)

Considera-se situação, área ou grupo de risco de expansão da toxicodependência, toda aquela situação, área ou grupo, de dimensões significativas, onde estejam presentes factores previsivelmente susceptíveis de conduzir a uma expansão epidémica da dependência de drogas, dando origem a um fenómeno de características acentuadamente sociais.

Artigo 17º
(Situação, área ou grupo de risco confirmado)

Considera-se situação, área ou grupo de risco confirmado de toxicodependência em expansão, toda aquela situação, área ou grupo de dimensões significativas, onde se verifique uma expansão epidémica de dependência de drogas com incidência e relevância acentuadas no tecido social.

Artigo 18º
(Levantamento das situações, áreas e grupos de risco confirmado)

Compete ao Governo, através dos serviços adequados, e com a colaboração das autarquias locais, proceder ao levantamento das situações, áreas e grupos susceptíveis de serem considerados como de risco de expansão da toxicodependência.

Artigo 19º
( Medidas de intervenção)

1 - A consideração, por parte do Governo, de qualquer situação, área ou grupo de risco confirmado de toxicodependência em expansão, implica a adopção imediata das seguintes medidas:

a) A tipificação genérica da situação, área ou grupo considerado.

b) A designação de uma equipa técnica responsável pela resposta à toxicodependência na situação, área ou grupo definido.

c) A atribuição dos meios financeiros, técnicos e humanos, necessários à resposta à toxicodependência no caso considerado.

2- A intervenção em concreto na situação, área ou grupo definido é da responsabilidade da equipa respectiva, que para o efeito elabora e submete à apreciação superior um plano de intervenção global, tendo em conta as características da situação, área ou grupo de risco a que se destina, bem como a respectiva dimensão e gravidade.

Artigo 20º
(Dispositivo nacional de centros de apoio)

1 - Nas situações e áreas de risco confirmado consideradas de particular gravidade devem ser criados Centros de Apoio à Prevenção da Toxicodependência dotados dos meios necessários, a funcionar sob a direcção da equipa técnica competente.

2 - A coordenação das actividades destes Centros de Apoio é assegurada através de um dispositivo de âmbito nacional.

Título III
(Reinserção social e laboral)

Artigo 21º
(Acções de reinserção social e laboral)

1 - Compete ao Governo, através dos serviços adequados, promover a organização de cursos profissionais, com acompanhamento psico-terapêutico, para toxicodependentes em fase de reinserção.

2 - A integração socio-laboral dos formandos dos cursos profissionais previstos no número anterior deve ser objecto do devido acompanhamento, nomeadamente no que respeita a casas de saída e outras soluções de habitação, procura de emprego, elaboração curricular e preparação para entrevistas.

3 - Compete ao Governo, através dos serviços adequados, promover a criação de uma bolsa de empregos para toxicodependentes em recuperação, na base de protocolos a estabelecer com empresas, actividades económicas diversas, autarquias e serviços públicos.

4 - Compete ainda ao Governo, através dos serviços adequados, promover medidas de incentivo à criação de pequenas empresas ou cooperativas com o objectivo da reinserção socio-laboral de toxicodependentes, designadamente através da formação específica dos associados para as necessidades de gestão e do acompanhamento da fase inicial da respectiva actividade.

Capítulo III
(Disposições finais)

Artigo 22º
(Levantamento e avaliação)

O Governo inclúi anualmente no Relatório referido no artigo 70º-A do decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, o levantamento e a avaliação das medidas tomadas no cumprimento da presente lei.

Artigo 23º
(entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor nos termos gerais, produzindo efeitos financeiros após a entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Artigo 24º
(Regulamentação)

Compete ao Governo regulamentar a presente lei no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Os Deputados