Índice Cronológico
Índice Remissivo
Projecto de Lei nº 542/VII
Assegura os direitos dos trabalhadores
no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento
Nos últimos anos, em Portugal, têm-se desenvolvido no âmbito
das relações laborais as mais diversas formas de mobilidade dos trabalhadores
em que muitas vezes os seus direitos e garantias não estão asseguradas.
Novas formas de organização empresarial, reestruturação de grupos económicos,
segmentação por diversas empresas das actividades económicas até aí concentradas
numa única, têm proliferado na estrutura empresarial portuguesa. Agrupamentos
complementares de empresas; empresas de prestação de serviços; criação de novos
estabelecimentos ou mudança da titularidade de empresa são expressões diversas
desse processo de reorganização empresarial.
Nesse contexto, milhares de trabalhadores têm sido cedidos ou transferidos da
empresa "mãe" para as novas empresas sem serem ouvidos ou sem o seu acordo,
sem que os seus direitos estejam assegurados ou sem que as empresas cedentes
e cessionárias assumam plena e solidariamente as respectivas obrigações perante
o trabalhador.
Importa, pois, legislar no sentido de, em todos os casos, serem garantidos plenamente
os direitos dos trabalhadores.
Nesse sentido, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP
apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Disposições Gerais
Artigo 1º
(Âmbito)
O presente diploma assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência
ocasional a empresa terceira, e no caso de transferência de empresas, estabelecimentos
ou partes de estabelecimentos.
Artigo 2º
(Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho)
Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem estabelecer regime
mais favorável do que o previsto no presente diploma.
Capítulo II
(Cedência ocasional de trabalhadores)
Artigo 3º
( cedência ocasional de trabalhadores)
1. A cedência ocasional de trabalhadores, que não esteja abrangida pelas
alíneas a) , b) e c) do nº 2 do Decreto-Lei nº 358/89 só é lícita se se verificarem
cumulativamente as seguintes condições:
1. O trabalhador cedido estiver vinculado por contrato de trabalho sem termo;
2. A cedência se verificar no quadro da colaboração entre empresas jurídica
ou financeiramente associadas ou economicamente interdependentes;
3. A cedência decorrer do acréscimo, temporário e excepcional, de actividade
na empresa cessionária;
4. A cedência for pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos até ao
limite máximo de cinco anos de cedência;
5. Existência de acordo do trabalhador a ceder.
2. Se a empresa cedente for de trabalho temporário só são exigidas as
condições de licitude constantes das alíneas a) e e).
Artigo 4º
(Contrato de cedência ocasional)
1. A cedência ocasional de um trabalhador é titulada por documento assinado
pelo cedente, pelo cessionário e pelo trabalhador, identificando o trabalhador
cedido, a fundamentação detalhada da necessidade da cedência, a função a executar,
a data do início da cedência e a duração desta, o horário e o local de trabalho.
2. O documento só torna a cedência legítima se contiver expressa declaração
de concordância do trabalhador, e a menção de que da cedência foi dado conhecimento
aos organismos representativos do trabalhador nos termos previstos neste diploma,
e se as assinaturas dos outorgantes forem reconhecidas notarialmente.
Artigo 5º
(Comunicação aos organismos representativos dos trabalhadores)
Até oito dias antes da outorga do contrato de cedência, a empresa cedente comunicará
a cedência a efectuar e os termos da mesma à Comissão de Trabalhadores e ao
Delegado Sindical ou ao Sindicato representativo da categoria do trabalhador,
na falta de representante sindical na empresa.
Artigo 6º
(Resolução do contrato)
1. trabalhador tem direito à resolução do contrato de cedência, sem aviso prévio,
nos mesmos termos e condições previstas na lei para a rescisão do contrato de
trabalho com justa causa.
2. Sempre que, no uso dos poderes de direcção, e quando tal lhe for legalmente
permitido, a cessionária modificar as condições de trabalho sem o acordo do
trabalhador, este poderá resolver o contrato de cedência, com o pré-aviso de
8 dias.
3. A resolução será comunicada por escrito às empresas cedente e cessionária.
4. Resolvido o contrato, o trabalhador reingressará na empresa cedente, não
podendo esta opor-se ao reingresso, seja qual for o fundamento da resolução.
Artigo 7º
(Renovação do contrato de cedência)
Até oito dias antes do termo da duração da cedência, pretendendo renovar o contrato,
as empresas cessionária e cedente comunicarão por escrito ao trabalhador a renovação
do contrato, o prazo da renovação e a fundamentação da necessidade da renovação.
Artigo 8º
(Cessação, suspensão da actividade ou extinção da Cessionária)
Cessando, suspendendo-se a actividade ou extinguindo-se a empresa cessionária
o trabalhador reingressará imediatamente na empresa cedente.
Artigo 9º
(Solidariedade entre cedente e cessionária)
A empresa cedente é solidariamente responsável pelas obrigações contraídas pela
cessionária relativamente ao trabalhador
Artigo 10º
(Regime de prestação de trabalho)
1. Durante a execução do contrato de cedência ocasional, o trabalhador fica
sujeito ao regime de trabalho aplicável na empresa cessionária no que respeita
ao modo de execução, duração do trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho
e acesso aos equipamentos sociais.
2. O exercício do poder disciplinar cabe, durante a execução do contrato de
cedência, à empresa cedente.
Artigo 11º
(Retribuição)
Ao regime de retribuição e de enquadramento no efectivo do pessoal da empresa
cessionária, aplicam-se, com as devidas adaptações, os artigos 21º nº1 e 13º
do Decreto-Lei 358/89.
Artigo 12º
(Férias, subsidio de férias , subsídio de Natal e outros subsídios regulares
e periódicos)
1. O trabalhador cedido tem direito a todos os subsídios regulares e periódicos
que pela cessionária sejam devidos aos seus trabalhadores por idêntica prestação
de trabalho.
2. O trabalhador não pode ser prejudicado no gozo de férias a que tenha direito
no ano da cedência, as quais não podem ser substituídas pelo pagamento da retribuição
correspondente.
3. Sendo as férias gozadas durante a execução do contrato de cedência, é a empresa
cessionária responsável pelo pagamento das férias a cujo gozo o trabalhador
tenha direito e do subsídio de férias correspondente, sem prejuízo da responsabilidade
solidária estabelecida no artigo 9º e sem prejuízo da responsabilidade da cedente
perante a cessionária, pelas férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo
de trabalho prestado naquela.
4. Ao subsídio de Natal aplica-se, com as devidas adaptações, o regime previsto
no número anterior.
Artigo 13º
(Garantias)
O tempo de trabalho prestado na empresa cessionária conta para todos os efeitos,
nomeadamente de antiguidade e de progressão na carreira, como tempo de trabalho
prestado na empresa cedente, não podendo resultar para o trabalhador qualquer
prejuízo, em resultado da cedência, relativamente a direitos e regalias contratuais
ou extracontratuais em vigor na empresa cedente.
Artigo 14º
(Segurança Social e Seguro de Trabalho)
À empresa cedente cabe a responsabilidade pela Segurança Social e pelo Seguro
contra acidentes de trabalho do trabalhador cedido, sem prejuízo da responsabilidade
da empresa cessionária perante aquela, pelas obrigações decorrentes daquelas
responsabilidades.
Artigo 15º
(Consequências da ilicitude do contrato)
1. O recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores, a inexistência ou
irregularidade do documento que a titule, conferem ao trabalhador cedido o direito
de optar pela integração no efectivo do pessoal da empresa cessionária, no regime
de contrato de trabalho sem termo e com a antiguidade decorrente do seu trabalho
na empresa cedente.
2. O direito de opção previsto no número anterior tem de ser exercido até ao
termo da cedência, mediante comunicação às empresas cedente e cessionária através
de carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a recepção da mesma
no dia posterior à da remessa, quando, por motivo não imputável ao trabalhador,
a mesma não seja recebida.
Artigo 16º
(Regime contra-ordenacional)
Enquanto não for revisto o regime contra-ordenacional constante do Decreto-Lei
nº 358/89, aplicam-se aos preceitos deste diploma, correspondentes aos preceitos
relativos à cedência ocasional constantes do Capítulo IV do Decreto-Lei, as
disposições relativas ao regime contra-ordenacional ali inseridas.
Artigo 17º
(Modificação dos contratos existentes)
1. Todos os contratos de cedência ocasional vigentes à data da entrada em vigor
deste diploma, qualquer que seja a forma, natureza e conteúdo, devem ser alterados
nos 90 dias posteriores àquela data, por forma a observarem o disposto neste
diploma.
2. O prazo da cedência contar-se-á desde a data do contrato vigente, e caso
o prazo previsto neste diploma já tenha sido excedido, poderá renovar-se o contrato,
sendo a comunicação prevista no artigo 7º, enviada até ao termo do prazo referido
no número anterior.
3. Caso seja impossível cumprir atempadamente o referido artigo para que se
proceda à renovação do contrato, de acordo com o previsto neste diploma, operar-se-á
renovação mediante comunicação a efectuar, por qualquer forma até ao início
do prazo da renovação.
Capítulo III
(Transferência de empresas , de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento)
Artigo 18º
(Conceitos)
1. Sempre que uma empresa, parte de empresa, estabelecimento ou parte
de estabelecimento mudem de titular, seja qual for a forma por que se verifique
a mudança de titularidade, e ainda que se trate apenas de uma mudança de facto,
aplica-se o regime constante do artigo 37º do Decreto-Lei 49.408., com as alterações
constantes do presente diploma.
2. Há nomeadamente, transferência de empresa, de parte de empresa, de
estabelecimento ou de parte de estabelecimento, quando:
1. No local onde a empresa transmitente exercia actividade, passa a ser exercida
pela empresa transmissária qualquer ramo de actividade daquela;
2. Em resultado da formação de agrupamento complementar de empresas, de sociedades
coligadas, de sociedades em relação de grupo, de sociedades em regime de grupo
paritário ou de subordinação, ou em resultado de cisão ou fusão de sociedades,
na empresa, estabelecimento ou parte do estabelecimento, passam a exercer qualquer
actividade de uma das sociedades, qualquer das sociedades integrando as novas
formas societárias, ou as sociedades resultantes da transformação de outras.
Artigo 19º
(Regime aplicável aos trabalhadores das empresas e estabelecimentos transferidos)
Aos trabalhadores das empresas e estabelecimentos transferidos aplica-se o regime
previsto no artigo 37º do Decreto-Lei 49.408 no que não for contrariado pelo
disposto no presente diploma.
Artigo 20º
( Instrumento de regulamentação colectiva aplicável)
1. Sempre que, em resultado da transmissão do contrato de trabalho, a relação
de trabalho caia no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva diferente
, aplicar-se-á este último às relações de trabalho entre trabalhador e transmissária,
não podendo, no entanto, ser objecto de redução os direitos adquiridos por aquele.
2. Caso às relações de trabalho na empresa transmissária não se aplique nenhum
instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, aos contratos de trabalho
transmitidos em consequência da transferência da empresa ou de estabelecimento
ou parte de estabelecimento aplicam-se os instrumentos de regulamentação colectiva
de trabalho em vigor na empresa transmitente até à entrada em vigor de instrumento
que vincule a empresa transmissária.
Artigo 21º
(Direito à informação)
Até 30 dias antes da transferência da empresa, do estabelecimento ou parte do
estabelecimento, o transmissário e o transmitente comunicarão a transferência,
por escrito, aos trabalhadores cujos contratos de trabalho se transmitam, e
aos organismos representativos dos trabalhadores, devendo constar da comunicação:
1. os motivos da eventual transferência.
2. as consequências jurídicas, económicas e sociais que da transferência decorrerem
para os trabalhadores.
Artigo 22º
(Direito de oposição)
1. O trabalhador goza do direito de oposição à transmissão do contrato
de trabalho quando entenda que a transmissária não oferece garantias de cumprimento
das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, designadamente por motivos
económicos e financeiros.
2. A oposição será comunicada por escrito, até ao 2º dia útil posterior
à efectiva transmissão, à transmitente e transmissária.
1. A oposição confere ao trabalhador direito a indemnização calculada segundo
as regras da indemnização por despedimento sem justa causa.
2. Quando se trate de transferência de parte da empresa , de estabelecimento
ou de parte de estabelecimento, o trabalhador poderá optar pela reintegração
na empresa transmitente, em substituição da indemnização.
3. A transmitente só poderá opor-se à reintegração do trabalhador se se verificarem
os pressupostos do despedimento colectivo ou do despedimento por extinção do
posto de trabalho, consoante as situações, seguindo-se o regime aplicável à
cessação do contrato de trabalho com base nos referidos pressupostos, e com
as devidas adaptações.
Artigo 23º
(Reintegração)
1. Sempre que a transmissão dos contratos de trabalho decorrer das circunstâncias
previstas no nº 2 do artigo 18º, o trabalhador terá direito:
1. À reintegração na empresa transmitente, nos cinco anos posteriores à transmissão,
se a transmissária infringir gravemente as obrigações emergentes do contrato
de trabalho;
2. À reintegração na empresa transmitente se a transmissária se extinguir, cessar
ou suspender a actividade, for declarada insolvente ou em processo de recuperação
judicial de empresa nos dez anos seguintes à data da transmissão do contrato
de trabalho.
2. A transmitente apenas se poderá opor à reintegração nos termos referidos
no nº 5 do artigo anterior.
3. O tempo de trabalho prestado na empresa transmissária conta como tempo
de trabalho na empresa transmitente, nomeadamente para efeitos de antiguidade.
Artigo 24º
(Responsabilidade solidária)
1. A transmitente e a transmissária respondem solidariamente pelas obrigações
emergentes do contrato de trabalho vencidas no momento da transmissão.
2. Nos casos previstos no nº1 do artigo anterior, a transmitente responderá
também solidariamente pelas obrigações da transmissária que se vencerem nos
cinco anos após a transmissão.
Artigo 25º
(Cedência de exploração de estabelecimento)
O regime previsto no presente Capítulo é aplicável, com as necessárias adaptações
aos casos de cedência de exploração de estabelecimento ou de parte de estabelecimento.
2. O termo da cedência confere ao trabalhador o direito à reintegração na empresa
cedente.
Capítulo IV
Disposições finais
Artigo 26º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor na data da sua publicação.
Assembleia da República, 26 de Junho
de 1998
Os Deputados