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Projecto de Lei nº 380/VII
Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de Língua Gestual

Situação


Preâmbulo

Numa sociedade que teima em marginalizar e em cercear a participação de muitos cidadãos e particularmente dos surdos é fundamental que se removam os entraves que causam essa marginalização.

Os surdos enfrentam inúmeros obstáculos à integração na comunidade que os rodeia. Garantir a possibilidade de uma comunicação plena é um dos factores mais importantes para a real integração social dos surdos e constitui factor indispensável para a sua formação escolar, profissional e cultural.

Neste contexto assume especial importância a dignificação da Língua Gestual Portuguesa como principal instrumento desta comunicação. Uma correcta utilização e interpretação da Língua Gestual necessita de profissionais qualificados e devidamente formados para assegurar a comunicação entre surdos e ouvintes.

A função de intérprete começou por ser desempenhada de forma predominantemente empírica pelos familiares dos surdos. Hoje a realidade é bem diferente e o intérprete de Língua Gestual deve adquirir uma formação científica apurada para que possa desempenhar com rigor a sua função.

A actividade de intérprete de Língua Gestual, embora esteja já inscrita na Classificação Nacional das Profissões, não está legalmente prevista nem regulamentada. Os evidentes prejuízos que daí resultam condicionam a actividade dos intérpretes retirando-lhe a segurança e a dignidade necessárias para o correcto desta profissão.

Por outro lado a garantia de um correcto exercício dessa actividade, por profissionais devidamente formados e credenciados só existirá com a sua regulamentação legal. A importância que assume o trabalho do intérprete quer na comunicação da comunidade surda com a comunidade ouvinte, quer especificamente na formação das crianças e dos jovens não pode mais ser ignorado.

O PCP, conhecendo o vazio legal nesta matéria bem como a sua importância e delicadeza, avança com um projecto de lei em que se pretende definir o acesso e o exercício à actividade de intérprete de Língua Gestual. Assim concretizam-se as funções do intérprete, as condições para o ser, com especial destaque para a formação, e as suas obrigações durante o exercício da função. Prevê-se a responsabilização do Estado nesta matéria, assegurando-se a participação da comunidade surda e das suas associações.

Em suma trata-se de um regime de há muito exigido e que tem consequências de grande importância para a profissão de intérprete e também para os surdos do nosso país.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1º

Objecto

O presente diploma define as condições de acesso, exercício e regime de actividade dos intérpretes de língua gestual.

Artigo 2º

Intérpretes de língua gestual

Consideram-se intérpretes de língua gestual os profissionais que realizam serviços no âmbito da interpretação, tradução e retroversão entre a língua oral ou escrita e a língua gestual.

Artigo 3º

Funções

  1. Aos intérpretes de língua gestual, no exercício da sua actividade, compete interpretar e transliterar.
  2. Entende-se por interpretar o acto de traduzir a língua oral ou escrita para a língua gestual ou de retroverter para a língua oral ou escrita o que foi declarado em língua gestual.
  3. Entende-se por transliterar o acto de traduzir e retroverter de e para a língua oral ou escrita os gestos conhecidos do interlocutor surdo.


Artigo 4º

Aptidão para o exercício da actividade

A aptidão para o exercício da actividade de intérprete de língua gestual depende da verificação dos seguintes requisitos:

  1. Ser maior;
  2. Ter concluído a escolaridade obrigatória;
  3. Ter concluído com aproveitamento o curso de intérprete de língua gestual.


Artigo 5º

Formação

  1. Os candidatos a intérpretes de língua gestual devem frequentar com aproveitamento um curso de intérprete de língua gestual, com a duração mínima de dois anos.
  2. Os cursos serão organizados pelo Estado, pessoas colectivas públicas ou privadas sem fins lucrativos, em colaboração com as organizações não governamentais de surdos e a Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa.
  3. O currículo do curso deve incluir formação em Língua Gestual Portuguesa, Português, Português Gestual, Línguas Gestuais Estrangeiras, Gramática da Língua Gestual Portuguesa e noções de Psicologia, Pedagogia e Sociologia.
  4. Os currículos são homologados pelos Ministérios da educação e do Emprego e Formação Profissional.
  5. A frequência do curso, com aproveitamento é comprovada por diploma certificado pela entidade responsável pelo mesmo.


Artigo 6º

Obrigações do intérprete de língua gestual

Os intérpretes de língua gestual, no exercício da sua actividade ficam obrigados a:

  1. Guardar sigilo de tudo o que interpretaram;
  2. Realizar uma interpretação fiel respeitando o conteúdo e o espírito da mensagem do emissor;
  3. Utilizar uma linguagem compreensível para os destinatários da interpretação;
  4. Não influenciar ou orientar nenhuma das partes interlocutoras;
  5. Não tirar vantagem pessoal de qualquer informação conhecida durante o seu trabalho;
  6. Manter-se a par das evoluções verificadas na sua actividade.


Artigo 7º

Período de transição

Aqueles que exerçam funções de intérprete de língua gestual à data da entrada em vigor deste diploma e que não preencham os requisitos das alíneas b) e c) do artigo 4º, deverão no prazo de cinco anos prorrogável por portaria frequentar com aproveitamento um curso de reciclagem a organizar pelas entidades referidas no nº 2 do artigo 5º e homologado nos termos do nº 4 do mesmo artigo.

Artigo 8º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 4 de Junho de 1997