Índice Cronológico Índice Remissivo
Projecto de Lei nº 376/VII
Extingue o sistema de "numerus clausus"
no acesso ao ensino superior público
A Constituição da República
Portuguesa estabelece no seu artigo 74º n.º 3, que
na realização da política de ensino incumbe
ao Estado garantir a todos os cidadãos, segundo as suas
capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino; dispondo
ainda o artigo 76º n.º 1 da Lei Fundamental que o regime
de acesso à Universidade e às demais instituições
de ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização
do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em
quadros qualificados e a elevação do nível
educativo, cultural e científico do país.
Por sua vez, a Lei de Bases do Sistema
educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), determina no
seu artigo 12º que o acesso ao ensino superior deve ter em
conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação
do nível educativo, cultural e científico do país,
bem como a necessidade de garantir a qualidade do ensino; dispondo
ainda que "o Estado deve criar as condições
que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar
o ensino superior de forma a impedir os efeitos discriminatórios
decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou
desvantagens sociais prévias".
A realidade, porém, está
muito longe da consagração destes princípios.
O reduzido crescimento do ensino superior público; a aposta
no alargamento do sistema com base na autorização
indiscriminada do funcionamento de cursos e instituições
universitárias e politécnicas privadas, agravada
pela não aferição das respectivas garantias
de qualidade; a sofisticação economicista dos sistemas
de selecção do ingresso no ensino superior público,
pedagógica, científica e socialmente absurda, porque
acentuadora dos efeitos das desvantagens ditadas pela origem socio-cultural
dos candidatos, mais não têm feito do que agravar
injustiças, semear frustrações e instalar
o caos num subsistema tão crucial como é o ensino
superior, distanciando ainda mais o nosso país dos níveis
educacionais, científicos e tecnológicos dos restantes
países da União Europeia.
A política de sucessivos Governos,
assente em critérios estreitamente economicistas, não
se tem traduzido em aumento do investimento no ensino superior
público, mas ao invés, tem apostado na manutenção
do sistema de "numerus clausus", empurrando para o ensino
superior particular e cooperativo milhares de estudantes a quem
é negado o acesso a escolas públicas.
É uma evidência que a aplicação
de qualquer regime de acesso ao ensino superior não pode
deixar de ser determinada à partida pela capacidade de
acolhimento do próprios sistema. Pelo que, num quadro marcado
pela existência de restrições quantitativas
de carácter global no acesso ao ensino superior público
(vulgo "numerus clausus") não haverá sistemas
que possam ser socialmente justos.
Entende por isso o PCP que a eliminação
do sistema de "numerus clausus" no acesso ao ensino
superior público é um pressuposto indispensável
para a aplicação de regimes de ingresso mais justos
que respeitem os princípios constitucionais e os termos
definidos pela Lei de Bases do Sistema Educativo.
Assim, o presente Projecto de Lei visa
alcançar o objectivo fundamental da eliminação
das restrições quantitativas de carácter
global ("numerus clausus") no acesso ao ensino superior
público, no prazo, considerado razoável, de três
anos lectivos, objectivo que se considera exequível após
ponderação do conjunto dos recursos humanos e materiais
necessários e mobilizáveis.
Com essa perspectiva e objectivo, o
presente Projecto de Lei assuma a necessidade de um investimento
acrescido no ensino superior público, nomeadamente no recrutamento
e formação de docentes, por forma a assegurar o
alargamento decisivo da capacidade de acolhimento deste sector
em termos de quantidade e qualidade, permitindo assim o alargamento
substancial do acesso e correspondendo aos objectivos de dotação
do país em quadros qualificados e de elevação
do seu nível educativo, cultural e científico.
O processo conducente à eliminação
do sistema de "numerus clausus" através da oferta
de vagas de acesso ao ensino superior público que permita
a abolição de restrições quantitativas
globais, passará necessariamente, no entender do PCP, pela
elaboração de um plano concreto, quantificado e
calendarizado, de expansão do ensino superior público,
no qual as próprias instituições deverão
assumir uma participação decisiva.
Tal processo implica, entre outras medidas,
que as próprias instituições possam formular
as suas próprias propostas de aproveitamento da capacidade
já existente e de alargamento dessa capacidade, designadamente
ao nível do alargamento dos respectivos horários
de funcionamento e do recrutamento de docentes (nomeadamente mestres
e doutores).
Tais propostas deverão obviamente
ser viabilizadas através de um financiamento das instituições
de ensino superior público por parte do Estado, de carácter
plurianual, com a celebração de contratos programa,
com base em planos de desenvolvimento estratégico elaborados
pelos estabelecimentos de ensino, tal como proposto na iniciativa
legislativa do PCP sobre o financiamento do ensino superior público.
Nestes termos, os Deputados do Grupo
Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o
seguinte Projecto de Lei:
1. Têm acesso ao ensino superior
através do regime geral os indivíduos habilitados
com um curso secundário, ou equivalente, que, cumulativamente,
façam prova de capacidade para a sua frequência nos
termos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo.
2. Ao Estado incumbe criar condições
para que os cursos existentes e a criar pelas instituições
de ensino superior correspondam globalmente às necessidades
em quadros qualificados e à elevação do nível
educativo, cultural e científico do país, para que
seja garantida a qualidade do ensino ministrado e para que seja
dada progressiva resposta às aspirações e
opções individuais de cada cidadão.
3. Ao Estado compete criar as condições
que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar
o ensino superior de forma a minorar os efeitos discriminatórios
decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou
de desvantagens sociais prévias.
Com o objectivo de assegurar os princípios
estabelecidos no artigo anterior, compete designadamente ao Estado:
a) Assegurar a eliminação
das restrições quantitativas de carácter
global (sistema de "numerus clausus") no acesso ao ensino
superior público, no prazo de três anos lectivos.
b) Promover o alargamento da rede pública
de ensino superior, de acordo com as necessidades de um harmonioso
desenvolvimento regional e sectorial, com as exigências
da justiça e do progresso social, económico, científico
e cultural do país e com as aspirações individuais
dos cidadãos.
c) Promover o aumento do número de vagas disponíveis para o ingresso nas instituições públicas de ensino superior, no regime geral e nos regimes especiais, por forma a aumentar significativamente os índices nacionais de acesso aos graus mais elevados de ensino e a assegurar crescentemente aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior.
1. Com vista ao cumprimento do objectivo
estabelecido na alínea a) do artigo anterior, o Governo
deve apresentar à Assembleia da República até
ao final de 1997, um plano de desenvolvimento do ensino superior
público que permita eliminar o sistema de "numerus
clausus" no acesso ao ensino superior público até
ao ano 2000.
2. O Plano de Desenvolvimento referido
no número anterior será elaborado com a participação
das instituições de ensino superior que, na elaboração
dos respectivos planos de desenvolvimento estratégico deverão
considerar as medidas necessárias ao aproveitamento e ao
aumento das suas capacidades, designadamente através do
alargamento dos horários de funcionamento e do recrutamento
de pessoal docente qualificado.
Para o cumprimento dos objectivos traçados
na presente lei, o Estado deve nomeadamente assegurar aos estabelecimentos
de ensino superior os meios que possibilitem e leccionação
dos respectivos cursos também em horários nocturnos,
por forma a possibilitar a rápida expansão da sua
frequência e o alargamento do apoio aos trabalhadores-estudantes,
e com as adaptações de natureza pedagógica
que se justifiquem.
1. Compete ao Estado assegurar o financiamento
adequado da expansão do sistema de ensino superior público,
ouvidas as respectivas instituições, de acordo com
a prossecução dos objectivos de alargamento, de
actualização e de garantia da qualidade de ensino
estabelecidos na presente lei.
2. O disposto no número anterior
será assegurado através da celebração
de contratos programa de desenvolvimento plurianual, de acordo
com os planos de desenvolvimento estratégico elaborados
pelos estabelecimentos de ensino superior público.
A presente lei entra em vigor nos termos
gerais, só produzindo no entanto efeitos financeiros com
a entrada em vigor do Orçamento de Estado posterior à
sua aprovação.