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Projecto de lei nº 268/VII
Lei Quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público


(Preâmbulo)

A qualificação escolar da população activa portuguesa, assim como a taxa de escolarização da população jovem, na faixa etária correspondente à frequência do ensino superior, mostram que o nosso país está não só muito aquém da situação média vigente na Europa como também perpetuará esse atraso, caso não seja assumida uma clara política de promoção do ensino superior.

A urgência de uma nova política para o ensino superior é tanto maior quanto é certo que a mobilidade da força de trabalho e o tendencial reconhecimento de qualificações académicas e profissionais no seio da União Europeia ameaça a oportunidade de emprego dos jovens portugueses e ameaça a prevalência da cultura portuguesa de que eles são os necessários portadores.

A estrutura, os recursos e as competências existentes no actual sistema provam que é o sistema de ensino superior público que poderá protagonizar essa nova política, na escala e com a qualidade exigidas.

Lamentavelmente, o sistema de ensino superior tem, ao longo dos últimos 10 anos, sido enquadrado por um conjunto de acções e de omissões que configuram uma política não explicitada de ataque ao ensino superior público e de favorecimento de interesses privados, para quem a educação é sobretudo uma mercadoria.

Foram três os vectores dessa desastrosa política:

- contenção da capacidade do sistema de ensino superior público e a manutenção indefinida do princípio dos numerus clausus;

- a liberalização do ensino superior particular e cooperativo suportada ainda em co-financiamento públicos;

- um regime de acesso ao ensino superior, particularmente injusto e perverso, tendo como principal propósito restringir o acesso às escolas públicas e, simultaneamente, encaminhar os alunos para as escolas privadas.

A aprovação em 1988 da lei de autonomia universitária e em 1990 da lei sobre o estatuto e a autonomia do ensino superior politécnico, sem que tenham sido definidas regras quanto ao respectivo financiamento, permitiu uma situação de sub-financiamento crónico destas instituições que, privando-as de recursos para a realização de iniciativas para além do nível mínimo de competências que lhes estão cometidas, põe em causa a sua autonomia e o cumprimento da sua missão.

O financiamento das despesas de funcionamento em vigor, baseado numa fórmula, parâmetros e ratios pretensamente objectivos, de facto consagra o sub-financiamento crónico do ensino superior público, minando o alcance da sua autonomia e reduzindo a sua eficiência administrativa e capacidade pedagógica e científica.

O facto do actual Ministério da Educação ter retomado as consabidas teses neo-liberais do anterior Governo do PSD, conducentes à efectiva desresponsabilização do Estado em relação ao financiamento do ensino superior público e ao agravamento da já elevada participação dos alunos e das suas famílias nos custos da educação, constitui motivo de profunda preocupação.

O objectivo de imposição de propinas de valor significativo, em flagrante contradição com o princípio constitucional que estabelece a progressiva gratuitidade do ensino público, com a "novidade" de ser associada a um sistema de empréstimos para os estudantes as poderem pagar; bem como o plano de substituição de uma parte significativa da acção social escolar por um sistema de empréstimos - constituem orientações em absoluto contrárias à indispensável democratização do acesso ao ensino superior público e às condições de sucesso dos alunos que o frequentam.

Neste quadro actual é necessária uma nova política, que fortaleça o sistema de ensino público para que este possa cumprir a função social que é a sua, política essa assente em três pilares fundamentais: a autonomia dos estabelecimentos e do sistema, o financiamento e a avaliação.

O Programa de Desenvolvimento do Ensino Superior apresentado em Outubro de 1993 pela Comissão do Ensino Superior do PCP, adopta um conjunto de orientações gerais para o financiamento do Ensino Superior, que enquanto pressupostos de base da presente iniciativa, importa neste momento referir. Assim, entende o PCP que, no plano do financiamento:

- O Estado deve assumir plena responsabilidade pelo financiamento integral do sistema de ensino superior público, concretizando a progressiva gratuitidade que a Constituição consagra, eliminando o sistema de restrições quantitativas globais no acesso (numerus clausus), abrangendo a generalidade dos domínios do conhecimento, satisfazendo as necessidades sociais e as aspirações pessoais, e cobrindo equilibradamente o território nacional.

- Os estabelecimentos de ensino deverão ser dotados de orçamentos suficientes e estáveis, em base plurianual, assentes em critérios objectivos, que permitam o desenvolvimento simultâneo e equilibrado de funções de ensino, investigação, extensão cultural e outras formas de formação.

- Deve ser desmistificada a importância do auto-financiamento nas suas diversas formas. Por um lado o aumento das propinas estabelecido a partir da Lei nº 20/92 deve ser liminarmente rejeitado. Por outro lado a prestação de serviços deve ser considerada apenas como uma fonte supletiva de receitas.

- O financiamento por concurso de programas específicos deverá ser instrumento apenas utilizado para a prossecução de políticas governamentais cujo objectivo extravase as competências naturais e estatutárias do sistema de ensino superior e nunca como forma aberrante do seu corrente financiamento.

- Exige-se objectividade de critérios e transparência no cálculo de custos e na distribuição de verbas pelas instituições de ensino. Rejeitam-se critérios simplistas baseados em reduzido número de indicadores economicistas, que excluem a qualidade do ensino e dos meios humanos e materiais que a suportam como primeiro critério da sua valorização, ou que pura e simplesmente se apoiam na transposição mecânica de experiências em contextos não comparáveis. É além disso inaceitável que, num sistema particularmente carenciado, o Governo pretenda homogeneizar "por baixo" os principais ratios. Exige-se, pois, a apreciação aberta e a procura de consenso no domínio do financiamento.

- Sem prejuízo de definição de prioridades, é necessário respeitar a identidade própria e promover o desenvolvimento de todos os domínios do conhecimento.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

(Objecto)

A presente lei estabelece o regime do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público, definindo responsabilidades e competências, finalidades, objectivos e critérios aplicáveis, num quadro geral de defesa e respeito da autonomia das universidades e dos institutos superiores politécnicos.

Artigo 2º

(Objectivos)

A presente lei tem por objectivos:

a) Assegurar o funcionamento equilibrado e o desenvolvimento sustentado dos estabelecimentos de ensino superior público, designadamente nas suas componentes pedagógica, científica, I&DE e cultural;

b) assegurar a renovação, manutenção e expansão das infraestruturas e equipamentos afectos aos estabelecimentos de ensino superior público;

c) promover a qualidade do ensino prestado;

d) promover o alargamento, a diversificação e a pertinência do ensino oferecido, cumprindo designadamente o propósito de eliminação do sistema de "numerus clausus" no acesso ao ensino superior público;

e) facultar recursos suficientes para as actividades I&DE;

f) promover a racionalização da organização e gestão dos estabelecimentos de ensino superior público, sem prejuízo da necessária expansão do sistema.

g) promover a formação de pessoal docente para o ensino superior;

h) contribuir para uma política educativa que eleve os principais indicadores nacionais e tendencialmente os aproxime dos que vigoram nos países mais desenvolvidos.

Artigo 3º

(Componentes do financiamento)

O financiamento do sistema de ensino superior público compreende duas componentes fundamentais:

a) O financiamento público directo dos estabelecimentos de ensino, regulado na presente lei;

b) o financiamento da acção social escolar, a regular em lei especial.

Artigo 4º

(Orçamento global)

1 - O orçamento global do sistema de ensino superior público, bem como a repartição do esforço nacional entre as suas componentes destinadas ao funcionamento e ao investimento, são fixados na Lei do Orçamento do Estado, tendo como elemento de referência, entre outros, a população na faixa etária compreendida entre os 18 e os 25 anos, por forma a elevar significativamente a qualidade do Ensino Superior, as taxas de escolaridade e da população activa com educação superior.

2 - A fixação de metas globais, valores de parâmetros ou de referências de financiamento considerados na presente lei, serão objecto de concertação entre o Governo e o sistema de ensino superior público, representado através de uma estrutura de coordenação global e de representação, designada de forma democrática e autonomamente pelo sistema, em termos a definir em lei especial.

3 - Para efeitos da repartição do orçamento global, consideram-se estabelecimentos de ensino superior público as universidades ou suas unidades orgânicas e os institutos superiores politécnicos ou suas unidades orgânicas, desde que a instituição reúna, simultaneamente, de acordo com os respectivos estatutos, as autonomias científica, pedagógica, administrativa e financeira.

4 - A repartição do orçamento global far-se-á sempre ao nível de unidades básicas dotadas de autonomia, de acordo com o estabelecido no número anterior, sem prejuízo de contemplar também o nível superior de universidade ou instituto superior politécnico, para as actividades de unidades delas dependentes mas não dotadas de autonomia plena.

Artigo 5º

(Financiamento directo)

O financiamento directo dos estabelecimentos de ensino superior público compreende:

a) O orçamento de funcionamento, calculado na base do orçamento global fixado para o sistema e de acordo com parâmetros definidos na presente lei.

b) O investimento em projectos de valia nacional, regional, social ou cultural, calculado na base do orçamento global e à luz dos planos de desenvolvimento estratégico apresentados por cada estabelecimento de ensino.

Artigo 6º

(Orçamentos de funcionamento)

O financiamento do orçamento de funcionamento de cada estabelecimento de ensino é ponderado de acordo com os seguintes parâmetros:

a) Número de vagas anualmente preenchidas;

b) número de alunos anualmente diplomados;

c) área científica dos cursos de bacharelato e licenciatura e duração dos respectivos planos curriculares;

d) oferta de estágios curriculares ou profissionais ou de outras acções terminais equivalentes;

e) número de alunos inscritos em cursos de pós-graduação, de mestrado e em doutoramento, tendo em conta as respectivas áreas científicas;

f) número e qualificação de docentes vinculados;

g) número de docentes vinculados em formação;

h) número e qualificação de investigadores vinculados e em formação;

i) valor do património móvel e imóvel afecto ao ensino e à investigação.

Artigo 7º

(Orçamentos de investimento)

O financiamento do orçamento de investimento em cada estabelecimento de ensino é ponderado de acordo com os seguintes parâmetros:

a) Interesse nacional, regional, social e cultural de novos projectos;

b) enquadramento histórico e regional;

c) envolvimento directo ou cofinanciamento por parte de outros agentes educativos, sociais ou económicos;

d) impactos educativos, culturais ou sociais esperados;

e) demonstração da existência de estrutruras e de capacidade executiva que viabilizem os projectos propostos.

Artigo 8º

(Planos de desenvolvimento estratégico)

Compete aos estabelecimentos de ensino superior - universidades e institutos superiores politécnicos e suas unidades orgânicas dotadas de autonomia - elaborar os respectivos planos de desenvolvimento estratégico, que traduzam as políticas educativa e de investigação assumidas por cada instituição.

Artigo 9º

(Contratos programa)

1 - O financiamento da execução do plano de desenvolvimento estratégico para cada estabelecimento de ensino, nas suas componentes de investimento e de funcionamento, é objecto de um contrato-programa com um horizonte temporal de 5 anos, negociado entre o Ministério da Educação e o estabelecimento de ensino, na base dos parâmetros enunciados nos artigos 6º e 7º e no quadro da política educativa definida.

Artigo 10º

(Regras de gestão orçamental e financeira)

1 - A dotação orçamental de cada instituição deverá ser feita globalmente, sendo a afectação por rubricas orçamentais realizada a nível interno.

2 - A gestão orçamental, será ordenada por programas e centros de custo, por forma a facilitar a contabilização dos custos reais por objectivo funcional.

3 - Os orçamentos destinados à gestão de receitas próprias, são directamente movimentados pelas instituições de ensino superior público.

4 - As instituições de ensino superior obrigam-se à apresentação periódica das respectivas contas de gerência e sujeitam-se à acção fiscalizadora do Tribunal de Contas e de outros órgãos competentes nos termos legais.

5 - Todas as acções expressamente assumidas pelas instituições de ensino superior no âmbito do cumprimento dos planos de investimento e dos contratos-programa acordados com o Governo são objecto de fiscalização posterior por parte do Tribunal de Contas.

6 - As instituições de ensino superior obrigam-se a manter um sistema de informação para a gestão e uma auditoria de gestão interna que viabilize e certifique a execução orçamental.

Artigo 11º

(Disposição transitória)

Enquanto não se encontrar constituída a estrutura de coordenação global e de representação prevista no nº 2 do artigo 4º, o sistema de ensino superior público será representado para os efeitos da presente lei, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.

Os Deputados