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Projecto de Lei nº 164/VII
Altera a Lei nº 70/93, de 29 de Setembro,
sobre Direito de Asilo
Preâmbulo
A Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, sobre Direito de Asilo,
representou um retrocesso na consagração legal deste Direito em Portugal que contraria o
disposto na Constituição da República e fere princípios básicos de solidariedade
entre povos.
Esta evolução negativa acompanhou lamentavelmente tendência semelhante verificada em
diversos países da União Europeia. Da Convenção de Dublin assinada em 1990, sobre a
determinação do estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num
Estado membro da União Europeia, da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen,
do chamado Terceiro Pilar do Tratado da União Europeia e da prática concertada dos
vários Estados, tem resultado uma clara orientação no sentido de restringir
drasticamente as possibilidades de acesso ao estatuto de refugiado em países da União
Europeia.
Os requerentes de asilo, cidadãos credores de apoio e solidariedade, por serem
perseguidos em consequência das suas actividades em favor da democracia, da libertação
social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana
(para usar a expressão constitucionalmente consagrada em Portugal), têm vindo a ser
tratados com desconfiança, como se fossem potenciais criminosos. A pretexto da
necessidade de conter a imigração ilegal têm vindo a ser adoptados mecanismos legais e
procedimentos práticos de denegação prática da apreciação de pedidos de asilo,
quando não de pura e simples inviabilização da apresentação dos pedidos, restringindo
de forma inadmissível direitos e garantias fundamentais dos requerentes.
Perante esta evolução, diversas têm sido as organizações de carácter humanitário
que, também em Portugal, têm vindo a alertar para a necessidade de serem alterados os
aspectos mais negativos do Direito vigente e designadamente para a necessidade de serem
adoptadas garantias mínimas dos requerentes no procedimento relativo aos refugiados.
Entre nós, salientam-se positivamente, entre outros, os contributos do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados.
Considera pois o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português que se afigura urgente
proceder a uma revisão profunda da Lei sobre Direito de Asilo, que expurgue as
inconstitucionalidades de que tal legislação presentemente padece e que adopte um quadro
de garantias mínimas dos requerentes de asilo. Nesse sentido, através do presente
Projecto de Lei, são preconizadas, fundamentalmente, as seguintes alterações:
a) Eliminação das referências a "países terceiros de acolhimento" e
"países seguros" (artigo 1º). A denegação automática do estatuto de
refugiado que se opera pelo simples facto de um cidadão requerente ser originário de
qualquer país considerado "seguro" ou "terceiro de acolhimento"
inviabiliza a apreciação concreta do pedido de asilo e pode conduzir a um repatriamento
que ponha em causa a segurança ou mesmo a vida do requerente, violando o princípio
internacionalmente consagrado do "non-refoulement". Acresce que a determinação
por cada Estado dos países "seguros" ou "terceiros de acolhimento"
releva de critérios de política externa muitas vezes estranhos a razões humanitárias.
b) Reposição do regime de concessão de asilo por razões humanitárias revogado pela
Lei nº 70/93, de 29 de Setembro.
A legislação portuguesa sobre Direito de Asilo aprovada em 1980 concedia este direito
aos cidadãos impedidos ou impossibilitados de regressar ao Estado da sua nacionalidade ou
da sua residência habitual por motivos de insegurança devida a conflitos armados ou a
sistemática violação de direitos humanos que aí se verificassem. Tais razões, a
partir de 1993, passaram a ser atendíveis tão só para efeitos de concessão de um
regime especial de autorização de residência distinto do estatuto de refugiado. Sendo
certo que a consagração constitucional do direito de asilo não abrange estes casos, a
verdade é que também os não exclui. E se em 1980 existiam razões para consagrar a
concessão do estatuto de refugiado por razões humanitárias, não existem hoje menos
razões para a sua reposição.
c) Revogação, por inconstitucional, da disposição do nº 2 do artigo 4º da Lei nº
70/93, de 29 de Setembro, que possibilita a recusa da concessão de asilo "sempre que
a segurança interna ou externa o justifiquem ou quando a protecção da população o
exija, designadamente em razão da situação social ou económica do país".
Tendo o direito de asilo o estatuto constitucional de direito fundamental, este só pode
ser restringido nos casos em que a própria Constituição o preveja. Ora, a Lei
Fundamental não prevê qualquer cláusula de restrição deste direito, nem os
fundamentos de recusa constantes desta norma - tão vagos e insindicáveis como " a
situação social e económica do país" - podem funcionar, à luz da Constituição,
como cláusulas de restrição de direitos fundamentais.
d) Consagração do carácter automático - em vez da simples possibilidade - da extensão
dos efeitos da concessão de asilo ao cônjuge e aos filhos menores solteiros ou
incapazes, do requerente ou, sendo este menor de 18 anos, ao pai e à mãe.
e) Consagração da natureza independente da entidade competente para analisar os pedidos
de asilo e apresentar propostas sobre a sua concessão.
O Comissário Nacional para os Refugiados, que presentemente detém tais competências,
sendo embora um magistrado judicial, funciona no âmbito do MAI e é nomeado em Conselho
de Ministros sob proposta ministerial. Não reúne portanto as condições de
independência que diversas recomendações internacionais sobre a matéria consideram
fundamental.
Propõe assim o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português que as competências do
Comissário Nacional para os Refugiados sejam atribuídas a um órgão colegial (solução
que vigorou aliás entre 1980 e 1993), tendo porém a natureza de entidade pública
independente. Tal órgão - Comissão Nacional para os Refugiados - será presidido por um
magistrado judicial a designar pelo Conselho Superior da Magistratura e integra dois
membros de designação ministerial e um outro designado pelo Conselho português para os
Refugiados.
f) Consagração de uma disposição legal relativa a garantias mínimas dos requerentes
de asilo, contemplando designadamente o direito a dispor de intérprete, quando
necessário, para compreensão das suas razões por parte das autoridades; a oportunidade
de apresentar todos os factos e circunstâncias relativas aos seus casos, bem como os
meios de prova de que disponham; o direito a recorrer a advogado, a beneficiar de
assistência judiciária e a entrar em contacto com as organizações não governamentais
que se ocupam dos problemas relativos aos refugiados.
g) Atribuição aos representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados ou do Conselho Português para os Refugiados do direito de serem informados
sobre o andamento dos processos que acompanhem e de contactar pessoalmente os requerentes
de asilo, podendo aceder livremente a zonas reservadas nomeadamente nos aeroportos.
h) Consagração do efeito suspensivo automático do recurso contencioso que seja
interposto de uma decisão administrativa que negue a concessão do direito de asilo. A
não ser assim, a decisão administrativa que recuse o direito de asilo poderá ter como
consequência o abandono forçado do território nacional por parte do requerente,
retirando efeito útil ao próprio recurso e determinando desde logo a irreversibilidade
da decisão.
i) Revogação das disposições referentes ao processo acelerado de decisão constante
dos artigos 19º e 20º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro.
A adopção desta forma de procedimento constitui o aspecto mais grave da legislação
vigente sobre Direito de Asilo.
Com este processo foi conferida ao Ministro da Administração Interna o poder
discricionário de, em apenas 4 dias, recusar qualquer pedido de asilo, com preterição
de direitos elementares dos requerentes. este processo tem uma instrução meramente
policial, é decidido de forma exclusivamente administrativa assente em fundamentos
arbitrários e sem possibilidades práticas de recurso.
Basta que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras entenda que as alegações de um
requerente são destituídas de fundamento; basta que o requerente seja proveniente de
"país seguro" ou "terceiro de acolhimento"; basta que o SEF invoque
motivos não especificados de "segurança pública"; para que o requerente de
asilo seja expulso sem que a sua pretensão seja concretamente analisada. Tal forma de
processo é inconstitucional e deve consequentemente ser revogada.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português
apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
É revogado o artigo 1º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro.
Artigo 2º
É aditado à Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, um novo artigo com a seguinte redacção:
Artigo 2º - A
(Asilo por razões humanitárias)
Pode ainda ser concedido asilo aos estrangeiros e aos apátridas que não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual por motivos de insegurança devida a conflitos armados ou da sistemática violação dos direitos humanos que ali se verifique.
Artigo 3º
É revogado o nº 2 do artigo 4º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro.
Artigo 4º
O artigo 5º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 5º
(Extensão do asilo)
Os efeitos do asilo devem ser declarados extensivos ao cônjuge e aos filhos menores solteiros ou incapazes de peticionário ou, sendo este menor de 18 anos, ao pai e à mãe.
Artigo 5º
O nº 1 do artigo 9º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 9º
(Efeitos do asilo sobre infracções relativas à entrada no país)
1 - O estrangeiro ou apátrida que entre irregularmente no
território nacional a fim de obter asilo deve apresentar o seu pedido às autoridades,
logo que possivel, podendo fazê-lo oralmente ou por escrito.
2 - (Sem alteração).
3 - (Sem alteração).
4 - (Sem alteração).
5 - (Sem alteração).
Artigo 6º
É revogado o artigo 10º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro.
Artigo 7º
O artigo 11º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 11º
(Competência para decidir do asilo)
Compete ao Ministro da Administração Interna decidir sobre os pedidos de asilo, sob proposta da Comissão Nacional para os Refugiados.
Artigo 8º
O artigo 12º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 12º
(Comissão Nacional para os Refugiados)
1 - A Comissão Nacional para os Refugiados é uma entidade
pública independente, que funciona junto do Ministério da Administração Interna, com
competência para analisar os pedidos de asilo e apresentar propostas sobre a sua
concessão.
2 - A Comissão Nacional para os Refugiados é composta por:
a) Um Magistrado Judicial designado pelo Conselho Superior da Magistratura, que preside.
b) Um membro designado pelo Ministro da Administração Interna.
c) Um membro designado pelo Ministro da Solidariedade e Segurança Social.
d) Um membro designado pelo Conselho Português para os Refugiados.
3 - O estatuto da Comissão Nacional para os Refugiados será aprovado por Decreto-Lei a
publicar no prazo de noventa dias após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 9º
È aditado ao artigo 13º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, um novo número, com a seguinte redacção:
Artigo 13º
(Pedido de asilo)
1 - (Sem alteração).
2 - (Sem alteração).
3 - (Sem alteração).
4 - (Sem alteração).
5 - Os requerentes que apresentem o pedido para além do prazo previsto no número
anterior têm de justificar a extemporaneidade da apresentação, sob pena de
indeferimento.
6 - (Anterior nº 5).
7 - (Anterior nº 6).
Artigo 10º
É aditado à Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, um novo artigo com a seguinte redacção:
Artigo 13º - A
(Garantias dos requerentes de asilo)
1 - Os requerentes de asilo serão informados do
procedimento a seguir e dos seus direitos e obrigações no decurso do processo, numa
língua que possam entender, devendo ser-lhes assegurado:
a) O direito a dispor de intérprete, se necessário, para a adequada compreensão das
suas razões por parte dos serviços competentes.
b) A oportunidade de apresentar todos os factos e circunstâncias relativas aos seus
casos, bem como todos os elementos de prova de que disponham.
c) O direito a recorrer a advogado que lhes preste apoio no decurso do processo e a
beneficiar de assistência judiciária.
d) A possibilidade de, em qualquer fase do processo, entrar em contacto com os serviços
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou do Conselho Português para
os Refugiados.
2 - Os representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou do
Conselho Português para os Refugiados têm o direito de ser informados sobre o andamento
dos processos que acompanhem e de contactar pessoalmente os requerentes de asilo, dispondo
para esse efeito de livre acesso a áreas reservadas.
Artigo 11º
O artigo 15º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 15º
(Instrução e relatório)
1 - (Sem alteração).
2 - (Sem alteração).
3 - Finda a instrução, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elabora imediatamente um
relatório, que envia, junto com o processo, à Comissão Nacional para os Refugiados.
4 - (Sem alteração).
Artigo 12º
O nº 1 do artigo 16º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 16º
(Proposta e decisão)
1 - No prazo de 15 dias a contar da recepção do processo
enviado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Comissão Nacional para os
Refugiados elabora e apresenta uma proposta fundamentada ao Ministro da Administração
Interna, da qual dá simultaneamente conhecimento ao representante do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados.
2 - (Sem alteração).
3 - (Sem alteração).
Artigo 13º
É aditado ao artigo 17º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, um novo número com a seguinte redacção:
Artigo 17º
(Publicação, notificação e recurso)
1 - (Sem alteração).
2 - (Sem alteração).
3 - O recurso apresentado perante o Supremo Tribunal Administrativo suspende os efeitos da
decisão, até trânsito em julgado.
Artigo 14º
São revogados os artigos 19º e 20º da Lei nº 70/93, de 29 de Setembro, referentes ao processo acelerado.
Os Deputados