Índice Cronológico Índice Remissivo
Projecto de Lei nº 113/VII
Novo regime da Tutela Administrativa
A Lei nº 87/89, de 9 de Setembro,
que estabelece o regime jurídico da"Tutela Administrativa
das autarquias locais e das associações de municípios
de direito público" não corresponde às
exigências constitucionais de respeito pela autonomia do
poder local, permitindo ingerências abusivas na vida dos
órgãos autárquicos. A coberto da lei vem-se
desenvolvendo um clima de suspeição generalizada
sobre as autarquias e os respectivos eleitos, mesmo em casos em
que tal não se justificaria, o qual não contribui
para a defesa da imagem das instituições públicas.
Assim, o PCP reapresenta na Assembleia
da República este projecto de lei com vista à revogação
dos dispositivos fundamentais da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro,
e à sua substituição por outras soluções,
democráticas e conformes com a Constituição.
Fá-lo num quadro em que, para além da reiterada
posição da Associação Nacional de
Municípios Portugueses e das autarquias em geral quanto
à sua necessidade, se manifestam igualmente noutros sectores,
incluindo na área do governo, opinião que parecem
acompanhar este objectivo.
O presente projecto clarifica as sete
questões centrais que devem prioritariamente ser objecto
de alteração no quadro da revisão legislativa
sobre Tutela.
Primeira questão: conceito de
tutela administrativa.
A Constituição ao configurar
o regime da tutela administrativa fá-lo de forma clara
e inequívoca. A tutela administrativa é meramente
inspectiva e exerce-se somente através do controlo de legalidade.
Fica excluído constitucionalmente
qualquer poder de orientação da actividade dos órgãos
autárquicos ou de substituição nas suas competências
ou ainda que consubstanciem qualquer forma de controlo de mérito.
Segunda questão: competência
do governador civil.
Este projecto clarifica os limites de
actuação do governador civil, explicitando que este
não pode exercer funções que devem caber
em exclusivo ao Governo.
Terceira questão: competências
para a aplicação de medidas sancionatórias.
A tipificação das sanções
que podem decorrer do exercício da tutela administrativa
e a atribuição da competência para a sua aplicação
exclusivamente aos tribunais administrativas é essencial
para garantir a autonomia das autarquias locais.
Não é admissível
nem justificável atribuir ao Governo o poder de, à
margem dos tribunais, aplicar uma sanção tão
grave como é a dissolução de um órgão
autárquico. Esta é uma competência que deve
ser jurisdicionalizada.
Cabe aos tribunais e só aos tribunais
a apreciação eventual da aplicação
das medidas sancionatórias e a verificação
da existência de uma ilegalidade grave.
Quarta questão: parecer do órgão
autárquico.
É a própria Constituição
que exige, no nº 2 do artigo 243º, que as medidas tutelares
restritivas da autonomia local sejam obrigatoriamente precedidas
de parecer de um órgão autárquico.
Neste sentido, prevemos que sempre que
o processo deve prosseguir para eventual aplicação
de sanções haja lugar à emissão de
parecer pela assembleia regional (ou assembleia distrital, enquanto
não forem instituídas as regiões administrativas).
Quinta questão: tipificação
das sanções.
Já dissemos que as medidas sancionatórias
decorrentes do exercício da tutela estão tipificadas
na lei e são somente duas: a perda de mandato e a dissolução
do órgão autárquico. A Lei nº 87/89
vem instituir uma outra pena acessória: a inelegibilidade.
Ora, a inelegibilidade não tem
de decorrer da perda de mandato e da dissolução
do órgão e é, aliás, de duvidosa constitucionalidade,
como aponta o Acórdão do Tribunal Constitucional
-- nº 364/91 (processo nº 367/91).
Sexta questão: recursos.
Com este projecto de lei queremos ainda
garantir o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo das
decisões dos tribunais administrativos de círculo.
E quanto aos efeitos dos recursos, repor o regime normal para
a questão da suspensão de actos administrativos.
Ao estabelecer o efeito suspensivo para
os recursos pretende-se tão-só garantir a estabilidade
dos órgãos do poder local.
Sétima questão: conceito
de ilegalidade grave.
A finalizar, há ainda a questão
da ilegalidade grave.
A lei nº 87/89 não precisa
minimamente este conceito, o que, conjugado com os poderes do
Governo na aplicação da sanção de
dissolução do órgão autárquico,
é fonte de instabilidade e arbitrariedade.
No artigo 8º deste projecto de
lei é definido o conceito de acto ou omissão ilegal
grave de forma clara e que não suscita quaisquer espécie
de dúvidas ou más interpretações.
Nestes termos e com estes fundamentos,
os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam
o seguinte projecto de lei:
1. A tutela administrativa sobre as
autarquias locais consiste na verificação do cumprimento
da lei por parte dos órgãos autárquicos e
dos seus titulares e tem natureza meramente inspectiva.
2. A tutela administrativa exerce-se
com respeito pelo princípio da autonomia do poder local,
com exclusão de qualquer forma de tutela de mérito.
O exercício dos poderes de tutela
cabe ao Governo, estando vedado ao governador civil a promoção
directa de inquéritos.
A prática, por acto ou omissão,
de ilegalidades graves pode determinar a aplicação
das seguintes sanções:
Dissolução do órgão
autárquico, se forem resultado de acção ou
omissão destes; Perda de mandato de membro ou membros do
órgão autárquico, se tiverem sido praticados
individualmente por membros de órgãos autárquicos.
1. Quando haja lugar ao prosseguimento
do processo, o Governo enviará o relatório e conclusões
da entidade tutelar, acompanhados dos processos instaurados, à
assembleia regional para emissão de parecer.
2. A assembleia regional emitirá
o seu parecer no prazo máximo de 30 dias.
3. A assembleia regional pode requerer
os esclarecimentos que entender necessários às entidades
tutelares e tuteladas.
É da exclusiva competência
dos tribunais administrativos de círculo a aplicação
das sanções previstas no artigo 3º.
No caso de o processo para eventual
aplicação de sanções, o Governo enviará
obrigatoriamente, no prazo de 30 dias, o processo, o relatório
e conclusões ao Ministério Público, junto
do tribunal administrativo de círculo competente, para
este propor, se for caso disso, acção administrativa
no prazo máximo de 10 dias.
A aplicação das sanções
decorrentes do exercício da tutela não determina
a inelegibilidade dos membros dos órgãos autárquicos.
1. Das decisões proferidas pelos
tribunais administrativos de círculo sobre perda de mandato
e dissolução do órgão autárquico
cabe sempre recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
2. O recurso a que se refere o número
anterior sobe imediatamente nos próprios autos e tem efeito
suspensivo.
Para efeito do presente diploma, entende-se
por acto ou omissão ilegal grave a actividade ou omissão
dolosa e intencionalmente violadora da Constituição
ou da lei e que vise prosseguir fins alheios ao interesse público.
Enquanto não forem criadas as
regiões administrativas, a competência atribuída
no presente diploma às assembleias regionais é transitoriamente
exercida pelas assembleias distritais.
São revogadas todas as disposições
legais contrárias à presente lei, incluindo as da
Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, e as disposições
de leis especiais.