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Projecto de Lei n° 10/VII
Aprova medidas para o desenvolvimento da rede pública de Educação Pré-Escolar


(Preâmbulo)

A Educação Pré-Escolar, em Portugal, é considerada como um sub-sistema no quadro do Sistema Educativo.

Ao longo dos anos, o papel desempenhado pela Educação Pré-Escolar foi sendo encarado de acordo com dois tipos de funções: Uma, que atribui ao Jardim de Infância finalidades sobretudo decorrentes do apoio às famílias. Outra, primordialmente orientada para as necessidades do desenvolvimento da criança.

A segunda faceta da Educação Pré-Escolar foi ganhando credibilidade e terreno e hoje podemos dizer que no espaço Jardim de Infância o aspecto essencial é educativo e a resposta a aspectos sociais subordina-se ao primeiro, ainda que não deva ser subestimado.

É nesta óptica que os principais diplomas legislativos, em Portugal, consideram a Educação Pré-Escolar. Desde a Constituição de República até à Lei de Bases do Sistema Educativo, passando pela Lei n° 5/77 que rege o sistema público de Educação Pré-Escolar e pelo Estatuto dos Jardins de Infância (Decreto- Lei n° 542/79).

A Constituição da República, no seu artigo 73°, atribui ao Estado a responsabilidade da criação de "um sistema público de educação Pré-Escolar" no quadro de uma "rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população".

A Lei n° 5/77 define como objectivos principais do sistema público de Educação Pré-Escolar, entre outros, favorecer o desenvolvimento harmonioso da criança e contribuir para corrigir efeitos discriminatórios das condições sócio-culturais no acesso ao sistema escolar.

O Estatuto dos Jardins de Infância (1979) entende que a Educação é assumida pela acção conjugada da família, da comunidade e do Estado e baseia o desenvolvimento da rede de Jardins de Infância num Plano Nacional de Educação Pré-Escolar.

A Lei de Bases do Sistema Educativo assume a Educação Pré-Escolar com um papel formativo de carácter complementar e/ou supletivo da acção educativa da família com a qual deve haver profunda cooperação. E estabelece no seu artigo 5° como objectivos da Educação Pré-Escolar:

a) Estimular as capacidades de cada criança e favorecer a sua formação e o desenvolvimento equilibrado de todas as suas potencialidades;

b) contribuir para a estabilidade e segurança afectivas da criança;

c) favorecer a observação e a compreensão do meio natural e humano para melhor integração e participação da criança;

d) desenvolver a formação moral da criança e o sentido da responsabilidade, associado ao da liberdade;

e) fomentar a integração da criança em grupos sociais diversos, complementares da família, tendo em vista o desenvolvimento da sociabilidade;

f) desenvolver as capacidades de expressão e comunicação da criança, assim como a imaginação criativa, e estimular a actividade lúdica;

g) incutir hábitos de higiene e de defesa da saúde pessoal e colectiva;

h) proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades e promover a melhor orientação e encaminhamento da criança.

A legislação existente em Portugal faria prever um desenvolvimento acentuado no terreno mas tal não acontece na prática. Actualmente apenas 35,6% das crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos são abrangidas pela Educação Pré-Escolar, sendo que só 24% usufrui da rede pública de Jardins de Infância do Ministério da Educação.

Esta percentagem representa um atraso considerável em relação aos outros países da CE e coloca-nos na cauda da Europa. Nos restantes países da CE, a taxa global de crianças dos 3 aos 6 anos de idade abrangidas pela Educação Pré-Escolar é em todos os países superior a 80% excepto na Inglaterra e na Grécia, e a taxa de cobertura das crianças de 5 anos é superior a 90%.

É importante referir que a taxa de cobertura se torna mais alta quando a Educação Pré-Escolar aparece vinculada ao Ministério da Educação e ligada às estruturas do ensino público.

A baixa percentagem de crianças a frequentar a rede pública de Jardins de Infância é, só por si, o indicativo da fraca importância que foi dispensada pelos Governos PSD a este sector e que se pode demonstrar pela ausência do Plano Nacional de Educação Pré-Escolar, imperativo legal desde 1979; pela não publicação, em quatro anos seguidos, de portarias de criação de lugares de Jardins de Infância que permitiriam a passagem de cerca de 800 lugares para a rede pública, tutelada pelo ME; pela mudança de atitude face à Educação Pré-Escolar, que o programa de Governo aprovado em 1991 considerou apenas como um apoio social às famílias, apesar de ser unânime o reconhecimento da Educação Pré-Escolar como factor essencial para o desenvolvimento das crianças e para o seu sucesso educativo; pela publicação do Decreto-Lei nº 173/95, de 20 de Julho, que é uma evidente manobra para transferir para outros (autarquias e sector privado) a responsabilidade de desenvolver a rede de jardins de infância, não assegurando o estado a sua gratuitidade e simultaneamente insistindo no estrangulamento da rede pública de educação Pr-e-escolar.

A diferença abissal entre o número de crianças a frequentar o 1° ano do 1° ciclo do Ensino Básico e a frequentar a Educação Pré-Escolar justifica que se tomem medidas urgentes no sentido de recuperar o atraso.

O PRODEP e a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, já no final da década de oitenta previam que em 1993 se atingisse a taxa de cobertura de 90% para as crianças de 5 anos e 50% para as de 3/4 anos. É urgente alcançar esta meta.

Nesta perspectiva, torna-se necessário elaborar e aprovar um Plano Nacional de Educação Pré-Escolar que pressuponha um conhecimento aprofundado das realidades e dos meios disponíveis e que seja o resultado de um diálogo consequente entre o Ministério da Educação através das suas áreas de coordenação regional e as autarquias locais, as associações de pais, e sindicatos dos professores.

Este plano deverá reflectir as realidades nacionais e as respostas objectivas às suas necessidades. É sabido que existem diferenças acentuadas na distribuição da população pelo território nacional, bem como no tipo de família existente e até nos próprios hábitos de vida das famílias.

As assimetrias regionais em termos de desenvolvimento têm conduzido à desertificação humana em certas zonas do País com a concentração desordenada de população noutras. Assim, enquanto que em muitas zonas do interior o número de crianças por aldeia é diminuto, nos bairros suburbanos das metrópoles há uma concentração bastante grande de crianças. Esta situação produz, de uma forma genérica, outra característica diferenciadora, a constituição da própria família e o seu enraizamento e o consequente aparecimento da família nuclear no segundo caso, com muitas horas fora de casa e do contacto com a criança enquanto no primeiro se mantém a família tradicional com um grande envolvimento comunitário da criança, não só com a família mas também com os vizinhos.

A vida da criança não se restringe à família assim como não se restringe ao Jardim de Infância. Tão pouco ambos em conjunto preenchem todo o seu universo de interesses. Assim, é necessário que a Educação Pré-Escolar ao nível das responsabilidades de quem governa seja uma opção e não um recurso, seja pensada, projectada e realizada em função da criança e partindo das suas potencialidades e necessidades várias.

Estas necessidades várias vão desde a alimentação à ocupação das crianças durante as longas horas de ausência dos pais, em "actividades complementares do Jardim de Infância", que não podem ser o prolongamento do Jardim de Infância, mas deverão dar novas respostas a novas questões do citado universo de interesses.

É neste quadro e visando responder às necessidades inventariadas que o Grupo Parlamentar do PCP, na sequência de iniciativa idêntica tomada na VI Legislatura e recusada pelo PSD, propõe o presente Projecto de Lei sobre Medidas de Desenvolvimento da Rede Pública da Educação Pré-Escolar, que tem como traços essenciais:

- Assegurar a concretização do direito de todas as crianças à Educação Pré-escolar, dando resposta às suas necessidades de desenvolvimento global.

- Planificar a Educação Pré-escolar através de um Plano de desenvolvimento que se traduza no alargamento da rede pública de Jardins de Infância, por forma a garantir, no prazo de três anos, a universalidade da frequência da Educação Pré-escolar pelas crianças entre os 5 e os 6 anos e a possibilidade dessa frequência por todas as crianças entre os 3 e os 5 anos.

- Estabelecer a gratuitidade da frequência da rede pública da Educação Pré-escolar.

Prever a existência de actividades complementares das actividades educativas do jardim de infância, visando responder às necessidades de acompanhamento das crianças durante o horário de impedimento do agregado familiar.

Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1°

(Objecto)

A presente lei estabelece o quadro geral da rede pública de educação pré-escolar e institui mecanismos de garantia da sua efectiva realização e funcionamento.

Artigo 2°

(Rede pública de educação pré-escolar)

1. Cabe ao Estado, no desenvolvimento do sistema público de educação pré-escolar, assegurar a criação, funcionamento e manutenção de uma rede de jardins de infância que cubra as necessidades de toda a população, tendo em conta as necessidades educativas das crianças dos 3 aos 5 anos.

2. O Governo, ouvidos designadamente, o Conselho Nacional de Educação, as Autarquias Locais, os Sindicatos cujos associados intervém na Educação Pré-escolar, as Associações de Pais e Encarregados de Educação e instituições ligadas à criança, apresentará na Assembleia da República até ao fim do ano de 1996 um plano nacional de desenvolvimento da Educação Pré-escolar, de acordo com os objectivos estabelecidos na presente lei.

Artigo 3°

(Plano nacional)

1- O Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação Pré-escolar referido no artigo anterior tem como objectivo assegurar a concretização do direito de todas as crianças à Educação Pré-escolar e traduz-se no alargamento da rede pública de Jardins de Infância, por forma a garantir, no prazo de três anos:

a) A universalidade da frequência da Educação Pré-escolar pelas crianças entre os 5 e os 6 anos de idade;

b) a possibilidade da frequência da Educação Pré-escolar por todas as crianças entre os 3 e os 5 anos de idade.

2 - Para os efeitos da presente lei, entende-se por universalidade, a garantia dada a todas as crianças de frequentar a Educação Pré-escolar, salvo opção em contrário dos pais ou encarregados de educação.

Artigo 4°

(Criação de jardins de infância)

O Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, aprovará, através de Portaria, a criação dos lugares de jardins de infância que sejam necessários para o cumprimento dos objectivos estabelecidos na presente lei.

Artigo 5°

(Frequência)

A Educação Pré-escolar destina-se a crianças a partir dos 3 anos de idade completados até 31 de Dezembro do ano de ingresso.

Artigo 6°

(Gratuitidade)

A frequência da rede pública da Educação Pré-escolar é gratuita.

Artigo 7°

(Actividades)

As actividades dos jardins de infância devem ser definidas mediante conteúdos, métodos e técnicas compatíveis com a prossecução dos objectivos da Educação Pré-escolar consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo.

Artigo 8°

(Formação de pessoal)

Compete ao Governo planear e promover a formação inicial dos educadores de infância e do pessoal técnico de apoio, bem como garantir a respectiva formação contínua.

Artigo 9°

(Jardins de infância não públicos)

Compete ao Estado, através da Inspecção Geral de Educação, o controlo da criação e da actividade dos jardins de infância não públicos designadamente na sua adequação aos princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos legalmente definidos para a Educação pré-escolar.

Artigo 10°

(Providências financeiras)

As verbas necessárias à execução da presente lei serão inscritas no Orçamento do Estado do ano subsequente à sua aprovação.

Artigo 11º

(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento de Estado posterior à sua aprovação.


Assembleia da República, 31 de Outubro de 1995

Os Deputados,