Índice CronológicoÍndice Remissivo

Projecto de lei nº 6/VII
Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal têm direito


Segundo o "Portrait Social de L'Europe", editado pelo EUROSTAT em 1991 Portugal, com 32,7% de pobres, era o país da Comunidade com maior percentagem de pobreza, considerando como pobre as pessoas cujo rendimento seja inferior a metade do rendimento médio do respectivo país.

Este importante grupo de cidadãos (1/3) preenche as estatísticas da exclusão social aos quais a comunidade deve solidariedade, reconhecendo o direito a todos a um rendimento mínimo garantido que seja factor de inserção dos cidadãos mais pobres na sociedade.

Esta mesma preocupação levou a Comunidade a adoptar, em 24 de Junho de 1992, uma recomendação aos Estados-membros para que estes reconheçam "no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana" (recomendação 92/441/CEE).

Portugal, a Itália e a Grécia são os únicos países da União Europeia que não consagraram ainda o direito a um rendimento mínimo, garantido pelo Estado.

O PCP foi o primeiro partido a apresentar na Assembleia da República na VI Legislatura - em 93/05/06, seguido pelo PS, que apresentou o seu projecto em 94/02/25 - um projecto de lei visando a fixação de um rendimento minimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal teriam direito. Foram ambos rejeitados com os votos contra do PSD e do CDS-PP.

Na última campanha eleitoral, para as eleições de 1 de Outubro de 1995, a criação de um rendimento minimo, garantido ou de subsistência, foi um compromisso eleitoral de várias forças políticas, incluindo do partido do novo Governo.

Com a eleição de uma nova Assembleia, o PCP, obedecendo a compromissos eleitorais, reapresenta hoje o seu projecto de lei visando a criação de um rendimento minimo de subsistência.

O rendimento mínimo de subsistência proposto é de 50% do salário mínimo nacional para um agregado de 1 pessoa.

São, assim, abrangidos todos os cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos e suas famílias cujos rendimentos não atinjam, como valor base, 50% do salário mínimo nacional ponderado em função do agregado familiar. Para um agregado familiar de 1 pessoa o valor será de 50%; para 2 pessoas, 75%; para 3 pessoas, 87,5% e para um agregado superior a 3 pessoas o rendimento mínimo assegurado será igual ao salário mínimo nacional.

Importa sublinhar que os encargos decorrentes da aplicação da lei serão suportados pelo Orçamento de Estado e não pelo Orçamento da Segurança Social uma vez que ele é configurado com um sistema exterior ao sistema de Segurança Social e não exclui as prestações sociais a que o cidadão tenha direito naquele sistema.

Quando, neste caso, o cidadão aufira pensões ou outras prestações de montante inferior ao rendimento mínimo de subsistência que o projecto de lei propõe, o Estado garantir-lhe-á uma prestação pecuniária no valor da diferença entre o rendimento individual ou familiar e o rendimento mínimo de subsistência.

Os beneficiários do regime proposto gozam ainda dos seguintes direitos e regalias:

a) isenção do pagamento da taxa moderadora para o acesso aos serviços de urgência, às consultas e a meios complementares de diagnóstico e terapêutica em regime de ambulatório;

b) comparticipação total do Estado no custo dos medicamentos;

c) subsídio especial de renda previsto para os casos de manifesta carência;

d) isenção do pagamento de quaisquer taxas cobradas pela prestação de serviços públicos.

Com o presente projecto de lei, o Grupo Parlamentar do PCP, consciente de que o valor proposto é mínimo e aberto à melhoria de todo o articulado, pretende criar as condições para apoiar os cidadãos mais pobres e inseri-los na sociedade, diminuindo os factores de marginalidade e exclusão social.

Nestes termos, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:













Artigo 1°

Direito à fruição de um rendimento

mínimo de subsistência

1. Todo o cidadão residente em Portugal tem o direito a usufruir de um rendimento mínimo que lhe garanta a sua subsistência.

2. 0 Estado tem o correspondente dever de garantir àqueles cidadãos e suas famílias, um rendimento mínimo definido nos termos da presente lei.

Artigo 2°

Beneficiários

Os cidadãos residentes em Portugal com idade igual ou superior a 18 anos e suas famílias, cujos rendimentos não atinjam o valor fixado na presente lei como rendimento mínimo, têm o direito a obter do Estado uma prestação pecuniária mensal calculada em função dos critérios fixados nos artigos 4° a 6°.

Artigo 3°

Condições de atribuição

1. É condição de atribuição da prestação, quando o requerente se encontre na situação de desemprego, a disponibilidade para o trabalho.

2. A disponibilidade obriga o requerente a colocar-se à disposição dos Serviços de Emprego e à aceitação de emprego ou trabalho conveniente ou formação ou reconversão profissional.

Artigo 4°

Definição de rendimento mínimo

1. O rendimento mínimo varia em função da composição do agregado familiar do requerente nos termos do quadro seguinte, correspondendo o valor do índice 100 a 50% do salário mínimo nacional:

N° de pessoas do agregado familiar Índice

1 100

2 150

3 175

3 200

2. Considera-se como fazendo parte do agregado familiar do requerente o conjunto de pessoas que com ele vivam em comunhão de mesa e habitação.

Artigo 5°

Determinação do rendimento

individual ou familiar

1. Na determinação em concreto do rendimento individual ou do agregado familiar do requerente são tidos em conta todos os rendimentos de que beneficiem, nomeadamente:

a) rendimentos de trabalho;

b) rendimentos de património;

c) pensões a que tenha direito pelos regimes de protecção social;

d) subsídio de desemprego;

e) subsídio de estágio;

f) outros subsídios, com ressalva do disposto no n° 2.

2. Para o efeito do número anterior não são tidos em conta as pensões de alimentos, o abono de família, as bolsas de estudo e o subsídio de renda.

Artigo 6°

Cálculo da prestação pecuniária

A prestação pecuniária referida no artigo 2° é igual à diferença entre o valor do rendimento mínimo definido no artigo 4° e o valor do rendimento realmente auferido pelo requerente, calculado nos termos do artigo 5°.

Artigo 7°

Procedimentos

1. A atribuição da prestação pecuniária depende de requerimento do interessado.

2. O Governo, através de decreto-lei, definirá qual a entidade ou entidades competentes para apreciar os requerimentos, decidir a atribuição da prestação e realizar os respectivos pagamentos e regulamentará os procedimentos administrativos a adoptar que deverão obedecer aos princípios da simplicidade, celeridade e eficácia.

Artigo 8°

Prova do rendimento individual

ou familiar

O rendimento individual ou familiar do requerente é apreciado pelas entidades competentes através das respostas a um questionário e das diligências a que considerem conveniente proceder oficiosamente.

Artigo 9°

Outros direitos e regalias

1. Os beneficiários da prestação pecuniária atribuída nos termos do presente diploma gozam ainda dos seguintes direitos e regalias:

a) isenção do pagamento de taxas moderadoras para o acesso aos serviços de urgência, às consultas e a meios complementares de diagnóstico e terapêutica em regime de ambulatório;

b) comparticipação total do Estado no custo dos medicamentos;

c) subsídio especial de renda previsto no artigo 27° da Lei n° 46/85, de 20 de Setembro e no artigo 4° do Decreto-Lei 68/86, de 27 de Março para os casos de manifesta carência, enquanto se mantiver a sua qualidade de beneficiários;

d) isenção do pagamento de quaisquer taxas cobradas pela prestação de serviços públicos.

2. O Governo deve promover a realização de programas de inserção social e inserção na vida activa dos cidadãos abrangidos pelo disposto no presente diploma.

Artigo 10°

Recurso

1. Da decisão final sobre a matéria regulada pelo presente diploma cabe recurso para os tribunais administrativos.

2. O recurso a que se refere o número anterior tem carácter urgente.

3. Nos recursos interpostos nos termos do número 1 presume-se a situação de carência económica do requerente para efeitos de obtenção de apoio judiciário.

Artigo 11°

Caducidade

1. A atribuição da prestação pecuniária é válida pelo período de um ano, renovável por iguais períodos após verificação de que as condições para a sua atribuição não sofreram alteração.

2. A modificação das circunstancias em que foi atribuída a prestação implica a sua alteração ou extinção.

Artigo 12°

Publicidade

O Governo organizará os meios necessários à divulgação da presente lei e à publicidade dos procedimentos a seguir pelos interessados para o exercicio do direito por ela criado.

Artigo 13°

Financiamento

Os encargos decorrentes da aplicação da presente lei são suportados pelo Orçamento de Estado.

Artigo 14°

Entrada em vigor

1. A presente lei entra em vigor na data da publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior á sua aprovação.

2. O Governo publicará o decreto-lei a que se refere o artigo 7°, n° 2 de forma a que este entre em vigor na mesma data de entrada em vigor da presente lei.


Assembleia da República, 31 de Outubro de 1995

Os Deputados,