Projecto de Lei nº 269/VII (PCP)
Altera os montantes das coimas e multas resultantes de infracções a normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, trabalho de menores, discriminação em função do sexo, duração do trabalho, trabalho suplementar, pausas e intervalos de descanso, pagamento de retribuições e salário mínimo nacional
Intervenção da deputada Odete Santos
5 de Fevereiro de 1998

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Se o Projecto de Lei outros objectivos não tivesse, um pelo menos já teria conseguido.

Na verdade, o Governo veio anunciar, hoje mesmo, com grande aparato, Ter preparado um texto visando a alteração de montantes de coimas, e alargamento do regime de contra-ordenações a matérias hoje excluídas do mesmo.

Por acaso este anúncio coincidiu com o debate do Projecto de Lei do PCP apresentado na mesa da Assembleia da República em Janeiro de 1997. Há cerca de 1 ano!

Mas o atraso do Governo é manifesto. A campanha publicitária é de facto uma pré - campanha, dado que se anuncia que o diploma só será apresentado em Conselho de Ministros daqui a uns 3 meses.

A verdade é que anterior Ministra da Qualificação e Emprego anunciou na Assembleia, por mais de uma vez, ter pronto o diploma, e prometeu, numa das suas últimas vindas à Comissão de Trabalho, apressar a apresentação do mesmo.

E já lá vamos em mais de metade do mandato...

Não conhecemos o concreto conteúdo do diploma que o Governo anunciou, a não ser aquilo que nos é transmitido pela comunicação social.

Mas desde já uma das soluções anunciadas nos parece questionável. Até melhor elucidação.

É que nos parece que a referência à multa exígua relativamente a violação do direito à greve, e a sua actualização num diploma relativo a coimas, assenta numa errada qualificação jurídica daquela medida sancionatória. A multa aplicável pela infracção de violações do direito à greve, é uma multa criminal convertível em prisão no caso de não pagamento. Parece insólito que se avance pelo caminho de descriminalização em matéria de direitos colectivos de trabalhadores, quando, nesta matéria e também em matéria de direitos individuais, quando está em causa a violação de bens jurídicos que concretizam direitos sociais e económicos no cerne da ordem axiológica constitucional, se reclama e se caminha no sentido da neocriminalização.

E convirá começar por afirmar que o P.C.P já há muito que defende a neocriminalização de condutas que violam direitos fundamentais dos trabalhadores. Este Projecto de aumento das coimas não afasta essa neocriminalização, que consta aliás de um Projecto de Lei de alteração ao Código Penal apresentado há mais de meio ano na mesa da Assembleia. E no qual se retomam e se ampliam as propostas que apresentámos em 1995, aquando da revisão do Código Penal e que foram lamentavelmente rejeitadas pelo P.S.D.

Que teve nessa altura um óptima oportunidade para cumprir o que constava do Acordo Económico e Social de 1991 e que era a reformulação do ilícito criminal em matéria de direito de trabalho.

Mas o P.S.D., não só não cumpriu o que subscreveu, não só rejeitou, por não criminalizáveis, condutas como as relativas ao incumprimento de normas de Higiene Segurança e Saúde no Trabalho, causadoras de mortes e de graves sequelas físicas e psíquicas nos trabalhadores, como piorou ainda a tipificação do crime de exploração do trabalho infantil, hoje muito dificilmente enquadrável no artigo 152º do Código Penal.

Nesta matéria como noutras que rigorosamente se devem definir, de acordo com a importância do bem jurídico definido pela ordem axiológica constitucional, entende o P.C.P. que, para além das matérias já atrás referidas, se deve seguir o exemplo de outras legislações comparadas, como a da Espanha, que enveredaram pela neocriminalização de algumas condutas violadoras de direitos dos trabalhadores em casos como:

Devendo também fazer-se uma cuidadosa ponderação da punição a adoptar nos casos de salários em atraso, melhorando a criminalização constante do nº3 do artigo 13º da Lei 17/86; e ainda nos casos de despedimento por motivos ideológicos, por exemplo.

A neocriminalização teria um importante efeito dissuasor, que é o mais importante.

Com efeito, tal como afirma a doutrina espanhola, em matéria de direito penal do trabalho, as penas de privação da liberdade podem até ser de duração muito limitada, pois os seus destinatários são pessoas " muito sensíveis à privação da liberdade e à perda do status com que se relaciona a eficácia intimidatória da prisão, inclusive de muito curta duração, constatando-se, por investigações criminológicas levadas a cabo nos mais diversos âmbitos geográficos, que é a sanção económica mais temida pelos delinquentes de colarinho branco"

Também a doutrina nacional ( Jorge Leite e Monteiro Fernandes, este já no remoto ano de 1969) vem reclamando que a punição jurídico-pública do trabalho se opere através da acção punitiva do Estado carregada de eticidade, transferindo-se tal acção para o plano do ilícito criminal de justiça ( Monteiro Fernandes).

Para que o legislador não contribua, como diz Jorge Leite, para que a sociedade represente como normais condutas verdadeiramente criminosas.

Vem isto ao caso para situar o Projecto de Lei do P.C.P., com o qual não se pretendeu invadir esferas onde as condutas já se encontram criminalizadas, nem apresenta propostas relativamente a áreas que devem ser criminalizadas, admitindo mesmo que relativamente a outras, possa ser acolhida uma posterior criminalização.

Mas na verdade, Senhor Presidente e Senhores Deputados, há coimas hoje manifestamente desajustadas, desactualizadas, que nenhum efeito preventivo têm relativamente à violação de normas protectoras dos trabalhadores.

Assim, acontece, por exemplo, relativamente às normas que definem em que condições pode ser prestado trabalho suplementar.

A verdade, é que tais normas são diariamente violadas em sectores de grande poder económico, que de trabalho suplementar sem qualquer remuneração se servem ,à margem da lei, para reduzir o número de trabalhadores ao seu serviço.

É o que acontece, por exemplo, no sector bancário, no qual tendo sido anunciado que havia 11.000 trabalhadores excedentes, cerca de 70.000 trabalhadores bancários trabalham diariamente 1h ou mais horas por dia, sem nada receberem! Sendo certo que, 70.000 horas diárias, feitas suplementarmente, correspondem a cerca de 10.000 postos de trabalho.

Revelando-se a lei, relativamente ao montante das coimas, como nas outras áreas delimitadas pelo Projecto- a sinistralidade laboral, os salários em atraso, o pagamento do salário mínimo nacional, os horários de trabalho, a discriminação em função do sexo, o trabalho de menores- manifestamente insuficiente.

E este é o âmbito do Projecto de Lei.

Convém começar por explicitar que propomos o aumento do limite máximo das coimas que podem ser aplicadas às empresas singulares para 2.000.000$00 no caso de dolo, e para 1.000.000$00 no caso de negligência, sendo certo que os actuais limites de , respectivamente, 750.000$00 e 375.000$00, são manifestamente irrisórios.

Relativamente aos montantes máximos, estávamos limitados, porque prezamos a unidade do sistema jurídico, pela proposta do Governo, hoje lei, relativamente à violação das regras da segurança social, que apenas elevava o montante máximo das coimas das empresas singulares, mantendo o máximo ( 9.000 contos) relativamente às empresas colectivas.

Elevámos os montantes mínimos e máximos das coimas relativos a violações de normas administrativas respeitantes a regras sobre segurança e higiene e segurança no trabalho, para o dobro ou para o décuplo, de acordo com a data em que foram fixadas as coimas existentes, para o décuplo no caso de violação de normas administrativas relativas a horário de trabalho e a salários em atraso.

Estabelecemos uma coima, no mínimo de 200.000$00 para o caso de não pagamento do salário mínimo nacional, se o dobro das importâncias em dívida-regra estabelecida para fixar o montante da coima, for inferior aos referidos 200.000$00.

Propomos a elevação das coimas relativas ao trabalho de menores, que em certos casos podem ir até 2.400.000$00 contra os 1.200.000$00 actuais, sendo certo que, nesta matéria, para além da sanção administrativa deve prever-se a criminalização da conduta

Prevêem-se ainda coimas no caso de incumprimento das normas que estabelecem pausas ou intervalos de descanso incluídas nos horários de trabalho, entre 30.000$00 a 150.000$00 por cada trabalhador relativamente ao qual se verifique a infracção.

Propõe-se a elevação para o décuplo dos montantes mínimos e máximos das coimas aplicáveis sempre que se verifiquem discriminações em função do sexo.

Prevê-se a actualização anual das coimas com base na taxa de inflação por forma a que a lei não fique rapidamente desajustada.

Propomos mesmo a actualização anual das coimas fixadas em unidades de conta, que, como se sabe, são agora actualizáveis apenas de 2 em 2 anos.

Estabelece-se ainda um sistema que obriga ao pagamento das quantias devidas aos trabalhadores simultaneamente com o pagamento voluntário das coimas para que os trabalhadores não tenham de recorrer à acção cível do trabalho, tornando-se assim possível o recebimento mais célere das quantias a que os trabalhadores têm direito.

Propõe-se um novo sistema de publicação de decisões, com afixação nos locais de trabalho, e publicação num dos jornais mais lidos do país, para além da publicação no Diário da República, dado que aquelas publicitações é que melhor servem as finalidades de desincentivar os potenciais infractores.

Propõe-se que as Associações Sindicais se possam constituir assistentes em processo contraordenacional.

Em caso de reincidência os limites das coimas são elevados para o dobro no caso de 1ª reincidência, para o triplo na Segunda, e assim sucessivamente.

Adita-se às sanções acessórias, a sanção de privação do direito a subsídio ou a benefício outorgado por entidade ou serviço público.

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

As normas contraordenacionais ou criminais são necessárias ao Direito do Trabalho.

Contudo, essas normas serão desvalorizadas se não houver uma intervenção dor órgãos fiscalizadores da aplicação das leis laborais. E se não houver, mesmo por parte da legislação substantiva um claro sinal de que continua a vigorar no sistema jurídico o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador.

O laxismo do Estado cria, nesta matéria, o desvalor respeitante a bens jurídicos caros à Constituição da República.

E esse laxismo põe em causa um dos mais valiosos esteios da Democracia: Os Direitos fundamentais dos Trabalhadores.

Disse.