Projecto
de Lei nº 511/VII
Que proíbe a aplicação de taxas suplementares às comunicações
telefónicas
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
16 de Abril de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Quando, em 15 de Janeiro passado, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP,
debatemos neste Plenário o então anunciado novo tarifário da Portugal Telecom,
tivemos a oportunidade de declarar que para o PCP não estava em causa a introdução
de aperfeiçoamentos e simplificações no sistema tarifário, a redução do número
de escalões geográficos, a alteração da modulação horária ou o alargamento das
áreas das chamadas locais.
O que para nós estava em causa era essa reestruturação do sistema tarifário
servir de pretexto para introduzir aumentos de preços que penalizam injustificadamente
os utentes residenciais.
O que estava em causa, a final, era a criação de uma dita "taxa de activação"
que, penalizando fortemente as chamadas telefónicas de menor duração, atinge
directamente a faixa de utilizadores que deveria estar mais protegida pela função
social das telecomunicações.
Durante esse debate a maioria desta Assembleia reprovou de forma inequívoca
a então intenção manifestada pela Portugal Telecom e pelo Governo de virem a
impor essa taxa de activação, financeiramente penalizadora e claramente ilegal
por não estar prevista na Convenção de Preços e por violar a Lei dos Serviços
Públicos , já que consubstancia a imposição de um autêntico consumo mínimo aos
utentes do serviço telefónico.
Foi essa mesma taxa de activação que suscitou um tão forte quanto legítimo e
justo movimento de protesto popular que, para além de outras manifestações públicas,
recolheu já mais de 105.000 assinaturas de cidadãos de todo o País, que assim
entenderam mostrar de forma clara o seu repúdio pela criação e imposição autoritária
dessa taxa. Protesto popular que daqui saudamos e ao qual manifestamos a inequívoca
solidariedade do PCP.
E é essa taxa socialmente injusta, economicamente injustificável e legalmente
insustentável, que impôs e justifica a apresentação pelo PCP do projecto de
lei que hoje discutimos.
Foram a arrogância, a prepotência, a teimosia e a insensibilidade social do
Governo e da Portugal Telecom que exigiram e impuseram a apresentação deste
projecto de lei pelo PCP.
O Governo e a Portugal Telecom, com arrogância não quiseram ter em conta a manifestação
de vontade claramente expressa pela maioria desta Câmara no passado dia 15 de
Janeiro.
O Governo e a Portugal Telecom, teimosa e insensivelmente, recusam reconhecer
a profunda razão do protesto popular que atingiu uma dimensão invulgar no nosso
País.
Ao fim e ao cabo, o Governo e a Portugal Telecom, de forma prepotente, demonstraram
à saciedade total indisponibilidade para emendarem a mão, reconhecendo o erro
em que incorreram e corrigindo-o definitivamente.
Ainda ontem, na véspera da discussão e votação do Projecto de Lei do PCP, a
Portugal Telecom resolveu vir a público dar conta de um eventual estudo sobre
os resultados da aplicação do novo tarifário.
Estudo que, desde logo, não garante as necessárias isenção e imparcialidade,
já que terá sido feito pela própria empresa que se apresenta como juiz em causa
própria. Mas que, mesmo assim, parece mostrar que a Portugal Telecom não tem
a consciência tranquila. Porque o que a Portugal Telecom veio dizer foi apenas
o seguinte: por efeito do novo tarifário, 26,3% dos clientes residenciais tiveram
aumentos de preços superiores a 2% e 73,7% tiveram uma variação de preços igual
ou inferior a 2%. É significativo que o Presidente da Portugal Telecom não tenha
informado a opinião pública daquilo que parceria óbvio. Isto é, de qual a percentagem
de clientes residenciais que, com o novo tarifário, beneficiaram de uma baixa
de preços! Sendo certo, por acréscimo, que a Portugal Telecom propagandeou em
Janeiro que o resultado seria uma redução média de 5,2% ...
Entretanto a DECO informou ontem a Assembleia da República que "das facturas
a que já aplicou os dois tarifários (o de 1997 e o de 1998) em quase todas se
verificam aumentos de preços".
Independentemente disto, repito, o que está efectivamente em causa é a criação
e aplicação da taxa de activação. E sejamos claros. A Assembleia da República,
através do debate aqui realizado no dia 15 de Janeiro, já recomendou ao Governo
a eliminação da malfadada taxa de activação. E os utentes das telecomunicações,
através dos businões e das mais de 105 mil assinaturas que subscreverem a petição
enviada à Assembleia da República, reforçaram forte e inequivocamente essa mesma
recomendação.
Por isso, se se pretende acabar com a taxa de activação injusta e ilegal não
há mais lugar a recomendações mas apenas a sua revogação. A única via possível,
neste momento, para garantir eficazmente os direitos dos consumidores é aquilo
que o PCP propõe: a proibição de cobrança aos utentes do serviço fixo de telefone
de qualquer taxa ou montante suplementar que não resulte exclusivamente da duração
da comunicação telefónica!
Não se trata de proibir a Portugal Telecom de "cobrar um preço estabelecido
em tarifário emitido ao abrigo de um contrato de concessão outorgado pelo Estado".
Bem pelo contrário. Trata-se de proibir que a PT cobre um preço que esse contrato
de concessão não lhe permite cobrar. Porque o contrato de concessão apenas permite
à concessionária cobrar os preços dos serviços que presta. Do mesmo modo que
a Convenção de Preços para o triénio 1998-2000 impõe que os preços a cobrar
obedeçam aos princípios da orientação para os custos e da transparência.
Nada disto está presente na taxa de activação. O serviço de instalação de uma
linha telefónica é autonomamente paga pelo utente, através da taxa de instalação.
O serviço de acesso à rede telefónica é mensalmente suportado pelo utente com
o pagamento da taxa de assinatura.
O serviço de comunicação telefónica é pago pelo preço dos impulsos de acordo
com o tempo que dura a comunicação.
A verdade é que a taxa de activação não paga serviço nenhum. Contra o que dispõe
a lei das bases da concessão do serviço público de telecomunicações.
Identicamente, a taxa de activação não obedece ao princípio da orientação pelos
custos que a Convenção de Preços impõe. A menos que fosse dada guarida à tese
que o representante do Instituto de Comunicações de Portugal chegou a tentar
ensaiar na Comissão de Economia: a de que durante o tempo em que se está a fazer
a marcação do número de telefone para onde se pretende ligar, existe um custo
para a Portugal Telecom por ocupação da linha telefónica!
Sucede, porém, que tal tese, de tão peregrina e ridícula, conduziria a um resultado
que nem a Portugal Telecom nem o Governo se disporiam a aceitar: resultado esse
que significaria exigir igualmente o pagamento da taxa de activação mesmo quando
se não conseguisse a ligação telefónica, por a linha de destino estar ocupada
ou por o respectivo utente não se encontrar em casa.
A verdade, nua e crua, é que a Convenção de Preços celebrada entre o Instituto
de Comunicação de Portugal, a Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência e
a Portugal Telecom, que define o quadro geral aplicável aos serviços de telecomunicações
prestados e o regime de preços relativo ao serviço fixo de telefone e da interligação,
define os conceitos de "taxa de instalação", de "taxa de assinatura"
e de "impulso". Mas não define, e por isso não permite, nenhum conceito
de "taxa de activação" ou de um seu qualquer sucedâneo.
Por isso, também, que para nós não têm razão de ser as reservas suscitadas quanto
a eventual inconstitucionalidade do nosso Projecto de Lei. Designadamente quando
o Senhor Presidente da Assembleia da República, no seu despacho de admissão,
a sustenta na presunção "que os preços fixados - nomeadamente no
que dizem respeito à activação da chamada - respeitam essa convenção".
De facto, essa presunção não se confirma! A Convenção, que define dezenas de
conceitos, incluindo todos os que respeitam aos preços passíveis de cobrança
pela concessionária, não integra o conceito de "taxa de activação".
Nem permite, directa ou indirectamente, preços mais elevados para o primeiro
impulso, já que este conceito é definido na Convenção como "unidade de
medida utilizada para o cálculo do preço de uma comunicação telefónica, consoante
a sua duração, bandas horárias e zonas de comunicação".
A propósito desta hipotética causa de inconstitucionalidade, não posso nem quero,
aliás, deixar de criticar vivamente a deturpação que o Deputado relator da 1ª
Comissão fez do despacho do Senhor Presidente da Assembleia da República. Concretamente.
No seu despacho o PAR escreve: "Presumo que os preços fixados (...)
respeitam essa convenção". No Relatório, o Deputado relator escreve que
o PAR sustenta no seu despacho que "Os preços fixados (...) respeitam essa
convenção"!
É feio que um Deputado deturpe o que o PAR escreve.
Não é ético que um Deputado se sirva de tais processos para, à falta de melhor
razão, procurar impor a sua oposição política a um projecto de lei.
Por outro lado, a questão que o Projecto de Lei do PCP suscita não é qualquer
fantasmagórica revogação ou alteração unilateral do contrato de concessão do
serviço público de telecomunicações ou da convenção de preços, celebrados entre
o Governo e a Portugal Telecom. O nosso projecto de lei decorre e visa, precisamente,
o facto de o novo tarifário da Portugal Telecom não se conter nos limites e
nos princípios estabelecidos naqueles instrumentos contratuais. Se o Governo
não repõe a legalidade e a transparência, como o deveria ter feito, só resta
a via da Assembleia da República para defender os legítimos direitos e interesses
dos utentes dos serviços telefónicos.
Por acréscimo, as dúvidas de constitucionalidade agora suscitadas são idênticas
às suscitadas relativamente às "portagens do Oeste". E é um facto
incontornável que o Tribunal Constitucional, o órgão competente nesta matéria,
não acolheu essas dúvidas e reafirmou o seu entendimento de que o princípio
da separação de poderes comporta uma dimensão garantística que exige o controlo
democrático-parlamentar do executivo.
Por isso, e em suma, se Partidos da oposição houve que criticaram vivamente
a criação da "taxa de activação" e agora hesitam em votar favoravelmente
e aprovar o projecto de lei do PCP que lhe visa pôr cobro, tal não decorrerá
tanto de eventuais dúvidas de constitucionalidade, mas fundamentalmente de uma
opção política clara: ou para favorecer e apoiar o Governo ou no âmbito de uma
estratégia do "quanto pior... melhor".
Em qualquer dessas circunstâncias, a verdade objectiva é que esses partidos,
se não votarem favoravelmente o Projecto de Lei do PCP, darão o dito por não
dito, à boa maneira do Partido Socialista. E darão mostras de que nada os impede
de sacrificar os direitos dos consumidores às suas tácticas políticas. Atitude
tão reprovável quanto a do Governo e da Portugal Telecom.
Pela parte do PCP a posição é clara. Criticámos atempadamente a taxa de activação,
apoiamos a legítima e justa luta dos utentes dos serviços telefónicos, condenamos
politicamente a surdez do Governo, mas queremos, fundamentalmente, acabar com
aquela iníqua e ilegal taxa em defesa dos direitos e interesses dos consumidores.
Fique cada um com as suas atitudes e com as consequentes responsabilidades.
Disse.