Um ano depois da Sentença da
Maia
Nota da Comissão do PCP para os problemas e movimento
das mulheres
17 de Janeiro de 2003
As mulheres portuguesas que por diferentes situações das suas vidas recorrem ao aborto clandestino, continuam sujeitas à pena de prisão. Passou um ano, sobre a leitura da sentença do julgamento da Maia onde 17 mulheres de fracos recursos económicos viram as suas vidas devassadas, bem como outros arguidos, nomeadamente técnicos de saúde e assistentes sociais.
Portugal continua a não ter legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez para as mulheres que entendam a ela recorrer e, hipocritamente, continua a empurrá-las para a clandestinidade com todas as graves consequências que acarretam para a sua saúde, bem-estar e dignidade.
Hipocritamente, houve uma pesada condenação para a enfermeira-parteira como se, se desconhecesse a existência de uma rede clandestina onde milhares de mulheres têm recorrido e recorrem por não haver legislação que enquadre a interrupção voluntária da gravidez.
Já em Janeiro do ano passado, o Comité das Nações Unidas, no texto para a Eliminação das Discriminações contra as Mulheres, manifestou a sua preocupação face às “leis restritivas do aborto em Portugal, especialmente porque os abortos clandestinos têm impactos negativos na saúde das mulheres e no seu bem-estar”. No mesmo documento, o Comité instou Portugal a desenvolver um diálogo nacional sobre o direito das mulheres à saúde reprodutiva e também sobre as leis restritivas do aborto, tendo solicitado ao Estado Português que “no próximo relatório inclua informação sobre a morte ou doença das mulheres resultantes do aborto clandestino”.
A existência de uma maioria parlamentar de direita na Assembleia da República veio criar novas dificuldades a que nesta legislatura, como seria justo, necessário e imperioso, esta fosse interprete, finalmente, do apelo dramático que a realidade do aborto clandestino constitui e legislasse para lhe por cobro.
O PCP está consciente que “todas as mulheres são vitimas de uma lei penal geradora de mais danos do que aqueles que visa prevenir, sejam do foro físico ou psíquico” como se afirma no preâmbulo do seu projecto-lei 1/IX sobre a I.V.G. apresentado a 10 de Abril de 2002. Com esta nova iniciativa legislativa, o PCP quis salientar que, apesar das novas dificuldades, nada o faz abdicar da despenalização da IVG como um elemento essencial para a defesa da dignidade das mulheres e para o eficaz enfrentamento de um grave problema de saúde pública.
Entretanto, há diversas e preocupantes manifestações da actual maioria PSD/CDS-PP em tentar impor para a esfera do Estado valores e princípios de actuação que contrariam direitos civilizacionais presentes no actual quadro legal existente, no nosso País e seguido por todas as instâncias internacionais no que confere aos direitos sexuais e reprodutivos.
Assim, o PCP sublinha que é necessário estar atento e apela ao desenvolvimento de esforços para uma ampla movimentação social e política que defenda o importante património legal existente em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, exija o seu cumprimento ao Governo e aos diversos agentes envolvidos e prossiga a luta pela despenalização do aborto no nosso País.