Projecto de Lei nº
423/VII,
Sobre a emissão de certificados por estabelecimentos públicos de ensino superior
Intervenção do deputado Bernardino Soares
26 de Novembro de 1997
Este não é um debate sobre a iniquidade do princípio de pagamento de propinas ou sobre a injustiça das leis 20/92 e 5/94 do Governo PSD, nem sobre a legitimidade que detinham todos os que as contestaram.
Não se trata neste debate de julgar ou interferir na situação de boicote que muitos estudantes levaram a efeito face à imposição do pagamento de propinas.
Do que se trata é de analisar e resolver diversas situações que sem qualquer legitimidade foram impostas a inúmeros estudantes que escolheram boicotar o pagamento de propinas como forma de luta contra a sua imposição pelos Governos anteriores.
Passado todo este tempo continuam a existir situações ilegais em diversas instituições de ensino superior público, no que diz respeito à certificação das habilitações literárias e do progresso curricular dos estudantes.
É difícil apurar com absoluta precisão qual o universo de estudantes que continuam a ver cerceado o seu direito à certificação dos sucessos escolares e à progressão ou conclusão dos respectivos cursos.
Sabe-se no entanto que nos três anos lectivos em causa (92/93, 93/94 e 94/95) foram 27 260 (vinte e sete mil duzentos e sessenta) os estudantes que não pagaram as propinas, nas universidades, institutos politécnicos e instituições de dupla tutela.
Conhecem-se também as situações existentes em diversas instituições. Desde a Universidade de Coimbra às Universidades Clássica, Nova e Técnica de Lisboa, passando por outras, continuam a existir situações de recusa dos certificados aos estudantes sob as mais diversas formas.
E se nalgumas situações os estudantes recebem um certificado, embora com referência ao seu não pagamento de propinas, outras há em que lhes é absolutamente vedado o direito a terem este documento.
Para além das discrepâncias entre instituições existem também dentro das próprias instituições situações desiguais. Refira-se a título de exemplo o caso da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Nesta escola foram numa primeira fase emitidos os certificados aos estudantes que não pagaram propinas, mediante o pagamento da taxa respectiva; mas a partir de determinada altura deixaram de ser emitidos os diplomas a estes estudantes iniciando-se as situações de ilegalidade.
Neste momento, entre os estudantes que não pagaram as propinas na FCSH há três situações diferentes: os que solicitaram o diploma, pagando a taxa correspondente (cerca de 20 mil escudos) e o receberam; os que o solicitaram, não tendo sido aceite o seu pedido; e os que o solicitaram e pagaram a taxa mas que pela mudança de atitude da escola entretanto operada não receberam o diploma.
Para além de serem recusados os certificados geram-se ainda situações de injustiça relativa.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
As várias instituições do ensino superior público são, do ponto de vista jurídico, institutos públicos, aplicando-se-lhes o regime do direito administrativo. Assim, a aplicação dos poderes públicos que detêm deve obedecer estritamente ao princípio da legalidade.
Sendo que os regulamentos ou actos administrativos emanados dos órgãos destas pessoas colectivas públicas carecem de fundamento legal, são ilegais todos os que não estejam justificados por uma previsão legal.
As situações visadas com a presente iniciativa legislativa têm origem nas leis 20/92 e 5/94 que instituíram o pagamento de propinas pelos estudantes de ensino superior público. O valor das propinas seria fixado pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos dentro dos limites e dos parâmetros estabelecidos pela lei.
A lei 5/94 estabelece também a sanção a aplicar nos casos de não pagamento de propinas que consiste na caducidade de inscrição nesse ano lectivo. E nada mais! Não há qualquer referência à recusa de certificados de habilitações como sanção para o não pagamento de propinas.
Assim sendo, qualquer regulamento ou acto administrativo emanado de uma instituição de ensino superior que recuse a um estudante a certificação do seu percurso escolar padece do vício de violação de lei já que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento nela.
Ora neste caso não há fundamento legal para tal sanção. Nem sequer se pode invocar a norma do artigo 15º da lei 20/92 que atribui aos órgãos competentes das instituições a competência para fixar as normas necessárias à boa execução da lei. Boa execução da lei não se confunde com coacção para a sua aplicação através de sanções ilegais, nem é respeitador do princípio da legalidade instituí-las sem que estejam alicerçadas na lei.
Não é também invocável em relação a este projecto de lei a eventual existência de um perdão genérico das dívidas dos estudantes que não pagaram propinas. É absolutamente claro que o Projecto não se debruça sobre esta matéria nem se imiscui nesta esfera. Só poderia haver um perdão genérico relativamente a sanções legalmente previstas, o que não é o caso.
Chegados a este ponto importa explicitar o efeito real que se pretende atingir com este projecto de lei. Não se trata de uma iniciativa de efeito declarativo que se limite a afirmar a falta de fundamento legal de determinados actos das instituições de ensino superior públicas. Trata-se sim de, reconhecida a ilegitimidade destas actuações, estabelecer um prazo para que as instituições supram tais irregularidades.
É por isso que se propõe que num prazo de um mês sejam emitidos todos os certificados de habilitação literária em falta por recusa das instituições em atribuí-los com pretenso fundamento no incumprimento das leis 20/92 e 5/94.
Esta é uma necessidade real e imperiosa para todos os que continuam a ver negado o direito à comprovação do seu percurso académico sem qualquer legitimidade. É uma necessidade dos que vêem cerceado o seu direito de acesso ao emprego por não terem comprovação cabal da sua habilitação literária.
E mesmo para os que discordam das posições assumidas por estes estudantes não pode deixar de estar claro que estamos perante sanções ilegítimas, que são até aplicadas diferentemente a estudantes em situações semelhantes e que devem ser rapidamente eliminadas.
Por isso se impõe a rápida solução das situações irregulares que ainda subsistem, algumas delas desde o ano lectivo de 1992/93 e o fim das perturbações que, por esta via, continuam a existir na vida destes estudantes ou ex-estudantes.
Por isso se justifica a aprovação deste projecto de lei como instrumento para pôr fim com celeridade a todas estas injustiças.
Disse.