Projecto de Lei n.º379/VII
Sobre a Lei das Associações de Deficientes

Intervenção do deputado Bernardino Soares
08 de Janeiro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Desde sempre que as pessoas com deficiência são discriminadas. Trata-se de uma verdadeira e gritante violação dos direitos humanos que acontece em todos os países e sociedades, independentemente do seu maior ou menor desenvolvimento ou das suas diferenças culturais.

As Nações Unidas dedicam desde há muito atenção aos direitos das pessoas com deficiência. Assim, o ano de 1981 foi Ano Internacional das pessoas deficientes e a reflexão desenvolvida desde então levou uma década depois à adopção das "Regras Gerais sobre a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência".

Para além da existência de políticas anti-sociais que penalizam exponencialmente os deficientes, mesmo em relação ao resto da sociedade, instala-se o desrespeito dos direitos específicos dos deficientes.

Quer isto dizer que para além de sofrerem as agruras das políticas anti-sociais que também no nosso país campeiam há vários anos, enfrentam ainda a negação dos seus direitos e apoios mais elementares.

A isto se junta a estigmatização cultural e social que continua a existir. A realidade é a do desrespeito e desconhecimento dos direitos que, embora insuficientes, já foram alcançados. São direitos por vezes desconhecidos mesmo pelos próprios.

Só por isso, seria já clara a importância do papel das associações de deficientes como veículo fundamental e indispensável para a defesa, a divulgação e o alargamento dos direitos das pessoas com deficiência. Mas também pela sua actividade própria, pelo envolvimento que conseguem dos seus associados para a resolução dos problemas que os afectam, são as Associações de Deficientes o principal motor da diminuição do fosso que impede a plena integração das pessoas com deficiência na sociedade.

A nossa Constituição reconhece a importância destas organizações e obriga o Estado a apoiar o seu esforço. Também as Regras Gerais das Nações Unidas lhes dedicam um artigo no sentido de serem apoiadas e de participarem na definição das políticas oficiais a nível local, regional e nacional.

Em Portugal o trabalho das Associações de Deficientes tem sido o mais importante contributo para que a vida das pessoas seja melhorada e para que a sua plena integração seja cada vez mais conseguida. A capacidade de intervenção nas diversas áreas específicas a que se dedicam bem como a conjugação de esforços que conseguem atingir mostram inequivocamente a força e a valia do movimento associativo dos deficientes.

São exemplos disso a existência da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes que entre outras iniciativas levou a cabo, há pouco mais de um ano, o 2º Parlamento Nacional de Deficientes do qual saíram diversas propostas concretas que na sua maioria continuam por concretizar por este Governo.

Por todas estas razões se impõe uma lei como a que o PCP propõe. Que reconheça direitos e assegure a participação plena e intervenção das Associações de Deficientes enquanto contributo na definição das políticas e da legislação no domínio da reabilitação e integração social das pessoas com deficiência.

Propõe-se ainda que lhes sejam dados instrumentos para uma mais eficaz defesa dos direitos e interesses dos deficientes, com especial destaque para a possibilidade de se constituírem assistentes nos processos-crime por violação de direitos de pessoas com deficiência.

Propõe ainda o PCP diversas isenções e regalias que auxiliem as Associações de Deficientes a suportar os custos do seu funcionamento e actividade.

A leitura do projecto do PCP, apresentado alguns meses antes dos do PSD, praticamente dispensa a leitura do Projecto de Lei nº 436/VII do PSD.

Para manifestar a sua concordância com o proposto pelo PCP bastaria ao PSD declará-lo aqui no Plenário. O PSD resolveu ir mais além e produziu um projecto de lei que, deixando de fora direitos importantes, é apenas uma síntese empobrecedora do projecto do PCP.

É provavelmente a necessidade do PSD massajar a sua própria consciência, pesada e atormentada por muitos anos de uma política que esqueceu a integração dos deficientes, degradou as suas condições de vida e ignorou os protestos e os direitos de participação das suas associações representativas.

O caso é tanto mais grave agora quanto se verifica que afinal e mesmo direitos fundamentais como o do crédito de tempo para os dirigentes associativos ficam esquecidos.

O crédito de tempo para os dirigentes associativos não é um privilégio; é um direito e uma necessidade, não tantos dos dirigentes mas sobretudo das suas associações e de todos os deficientes.

Muito do que, apesar de tudo, foi feito para a integração dos cidadãos portadores de deficiência deve-se à acção das associações de deficientes tantas vezes lutando contra políticas e medidas contrárias aos seus direitos.

Por isso, alargar a capacidade de acção das associações de deficientes, dando melhores condições aos seus dirigentes e consagrando os seus direitos é melhorar a defesa e a concretização de uma cada vez maior integração dos cidadãos portadores de deficiência na nossa sociedade.

Mas o PSD propõe ainda no seu projecto uma medida que acaba por denunciar algum menor empenhamento na valorização das Associações de Deficientes. Trata-se da proposta que atribui ao Governo a competência para avaliar se uma Associação desta área tem ou não representatividade genérica.

É uma ingerência na autonomia do movimento associativo para a qual não se encontra qualquer justificação. Mais do que isso, ignora a realidade das Associações de Deficientes e até a capacidade destas em organizar-se numa Confederação, que já existe.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Embora com atraso, tem neste momento a Assembleia da República a possibilidade de dotar de um quadro legal bastante mais favorável as Associações de Deficientes. Não ficarão com os problemas das pessoas com deficiência. Mas pelo menos temos agora a oportunidade de dar melhores condições àqueles que mais lutam pelos deficientes e que são eles mesmos.