Trabalho sazonal
Exploração do trabalho juvenil

 

Márcia Espada
Membro do Executivo da Comissão Regional do Algarve da JCP

Estamos em Julho e o Algarve tem pleno emprego. Em cada montra um papelinho: «Procura-se Empregada(o)». Em cada restaurante: «Procura-se Empregada de Copa»…

Felizes, contentes com a ilusão de ganharmos dois meses de salário superior ao salário mínimo nacional, e com as gorjetas sempre sobra um bocadinho mais, lá vamos nós «colaborar» com as empresas… E com mais ou menos praia, mais ou menos calor, assim continuamos até ao final do Verão…

Chegamos a Setembro e o pleno emprego, tal como o calor, dispersa-se e enfrentamos, mais uma vez, a realidade do trabalho sazonal, que se esfuma como um sonho de Verão.

O massivo fluxo turístico que acorre ao Algarve nos meses de Verão faz com que a procura de mão-de-obra especializada, ou não, dispare. E o que é que acontece? As entidades «empregadoras», não querendo perder esta oportunidade de lucro fácil, dão azo às situações ilegais: horas extraordinárias não remuneradas, são contratos precários (de três meses) e ainda um sem número de trabalhadores sem contrato de trabalho.

Regra geral, são os jovens em férias escolares, ou a viverem as primeiras experiências como trabalhadores, o alvo preferido, para já não falar dos jovens-licenciados à procura de emprego.

Mas porque é que as pessoas com contrato se submetem à realização de horas extraordinárias muitas vezes sem retribuição? É que a tão utilizada pressão psicológica... o patrão até pode nem dizer directamente mas fá-lo de modo subtil... e, sinceramente, entendo, porque é bem mais fácil trabalhar mais umas horas por dia e garantir o contrato por mais algum tempo, do que chegar ao final e, por qualquer razão, este não ser renovado... e ficar sem emprego o resto do ano!

Os contratos de trabalho de três meses... existem se o patrão não puder mesmo evitá-lo... e passado esse tempo: RUA!!!

E como é que alguém se submete a trabalhar sem contrato de trabalho? Normalmente são jovens estudantes que aproveitam as férias escolares para ganhar uns trocos. São mesmo uns trocos, muitas vezes nem metade daquilo que deveriam receber se tivessem a sua situação legalizada.

Outro público-alvo dos empresários são os estudantes das escolas de Turismo e Hotelaria da região que, para verem os seus estudos concluídos, têm de realizar um estágio numa empresa, Não interessa se estão a fazer alguma coisa relacionada com o que aprenderam durante o curso, o que interessa é que trabalhem durante esse tempo e adquiram a «experiência profissional» necessária à conclusão do curso! Curiosamente, este estágio, apesar de fazer parte do currículo e contar para a média final de curso, não é garantido pelas escolas. Os alunos têm de procurá-lo pelos seus próprios meios. Como os estágios têm como data pré-definida os meses de Verão, até nem é uma tarefa complicada - complicado é conseguir um estágio remunerado.

Se tivermos em conta que a maior parte dos alunos se encontra deslocado da sua região, é necessário recorrer mais uma vez ao «paitrocínio» para se manterem durante esse tempo e esperar mais um pouco pela tão desejada independência.

Que mais pode uma empresa querer? Mão-de-obra qualificada sem necessidade de remuneração, é ouro sobre azul!

São muito poucas as empresas que dão qualquer contributo monetário. Contudo, existem algumas que oferecem o chamado subsídio de refeição: «ora toma lá uns trocos para comeres e continuares a alimentar esta empresa… porque afinal agora fazes parte desta grande “família”»! Mas o caso muda de figura quando o tempo de estágio está para acabar (e o Verão também). A conversa é outra: «a empresa está a atravessar uma fase difícil, não se justifica o actual número de funcionários… apesar da sua prestação ter sido muito enriquecedora para a empresa lamentamos mas vamos ter de dispensar os seus serviços» - e lá se vai a esperança de que toda a exploração dos últimos meses viria a dar frutos! O tão desejado emprego foge num ápice...

Passado o Verão, a realidade regional de desemprego e trabalho precário volta aos moldes conhecidos e que se repetem por todo o país. A sazonalidade, fenómeno característico das zonas turísticas, com uma época alta muito marcada, cria dificuldades nas populações, dificuldades que dificilmente serão contrariadas sem políticas regionais coordenadas que promovam outros aspectos turísticos para além do sol e da praia, e sem uma aposta forte noutros sectores produtivos que absorvam mão-de-obra permanentemente e que promovam o desenvolvimento económico real da região.

A aposta em sectores-chave como as pescas e a indústria transformadora a estas associada foi assumidamente deixada ao abandono, ao ponto de, actualmente, o sector estar a definhar.

A aposta num turismo com uma vertente que não se esgote quando o termómetro desce poderá ser uma das formas de combater a sazonalidade, ao mesmo tempo que se diversifica a oferta deste ramo que actualmente é centrado na praia e que está sempre sujeito à instabilidade (muitas vezes desprezada) da conjuntura política internacional «insegurança», ambiental «maré negra» e das «modas turísticas» «chega de Algarve, agora queremos é Andaluzia!».

Outra das medidas apregoadas para o combate à sazonalidade é a implementação de campos de golfe por toda a região, esquecendo-se do turista português que, da maneira como a coisa vai, nem tem dinheiro para comprar os sapatos… quanto mais os tacos!

Para que a sazonalidade seja realmente combatida será necessária uma aposta noutros sectores produtivos e não exclusivamente no turístico…

Será necessário que se renove a indústria de pesca e da sua transformação. Estamos num local privilegiado, com mão-de-obra especializada e todas as condições para que isso aconteça. Importantes infra-estruturas de apoio a este sector foram criadas, inclusive com fundos da União Europeia. Muito falta para fazer, mas grave é que, com as condições existentes, este imenso recurso económico esteja a ser entregue à exploração estrangeira enquanto a nossa frota pesqueira é entregue para abate, salvo raras excepções. A maior parte das empresas de transformação desta matéria-prima fecharam, muito embora do outro lado da fronteira se mostre que esta é uma indústria que ainda tem muito para dar, pois continuam a abrir novas unidades conserveiras na outra margem do Guadiana.

Mas porque é que os «grandes senhores» da política nacional se hão-de preocupar com isso se o que as empresas turísticas arrecadam durante os meses de Verão é mais que suficiente para «sobreviverem» o resto do ano? E para quê a criação de novos postos de trabalho permanentes se o desemprego faz bem ao sector? Quanto maior a oferta de mão-de-obra mais barata ela sai!

«O Militante» - N.º 278 Setembro/ Outubro 2005