O assassinato de Lumumba

 

Poucos acontecimentos da história recente serviriam de alvo a uma campanha de desinformação tão encarniçada como a guerra travada pelo establishment belga contra o primeiro governo congolês de Patrice Lumumba. As intervenções estrangeiras iniciaram-se pouco depois da independência da colónia belga, que se verificou a 30 de Junho de 1960; foram primeiro os soldados belgas que desembarcaram no Congo, depois os capacetes azuis. Bruxelas e as outras potências ocidentais, operando sob a cobertura das Nações Unidas, queriam a qualquer preço derrubar o governo nacionalista de Lumumba e instalar um regime neocolonial, colocando assim o país à mercê de trusts e holdings, que há já dezenas de anos o dominavam. Muito rapidamente o Ocidente obteve os seus primeiros sucessos: em Setembro de 1960, o governo congolês e o parlamento, que tinham confiança em Lumumba, foram afastados pelo coronel Mobutu. Esta guerra contra os nacionalistas congoloses teve o seu apogeu provisório quando, a 17 de Janeiro de 1961, Lumumba e dois dos seus colaboradores mais proóximos foram assassinados de pé com auxílio dos militares e funcionários belgas.

Durante perto de quarenta anos, estas páginas negras serão mantidas em silêncio, não sendo incluídas nos livros de história. Sob pena de perder prestígio, créditos e outras facilidades, ninguém ousou fazer uma análise séria e descrever a crise congolosa tal como ela verdadeiramente se desenrolou. Nenhum político tomou a iniciativa de submeter os Arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros a uma inspecção cuidadosa, nem de consagrar um debate ou inquérito parlamentar a este assunto. Pelo contrário: uma vez eliminado o governo Lumumba, tentaram arrancar aos africanos a própria história deste derrube. E não se contentaram em eliminar fisicamente Lumumba: quiseram impedir que a sua vida e o seu trabalho se tornassem uma donte de inspiração para os povos africanos; quiseram apagar a qualquer preço o seu projecto nacionalista que visava a criação de um Estado-nação unificado e uma economia que servisse as necessidades do povo. Para que nunca mais renascesse um novo Lumumba, era necessário a qualquer preço que as suas ideias e a sua luta contra a dominação colonial e neocolonial fossem apagadas da memória colectiva.

O que vale para a desestabilização e o derrube do governo congolês, vale a fortiori para o que foi o coroar desta obra de destruição: o assassinato do ex-primeiro-ministro congolês. Ainda o corpo de Lumumba não estava frio e já La Libre Belgique, diário de Bruxelas e porta-voz de ex-colonizador, se descartava de problemas descrevendo o crime como fruto da imaturidade política dos congoleses: «O que aconteceu demonstra, infelizmente, que em África e em alguns países que tiveram uma evolução semelhante, o acesso à democracia continua a ser um assunto de assassinos. (1) À excepção de algumas ligeiras diferenças, encontramos ainda hoje esta tese.

(...)

Pode dizer-se que O Assassinato de Lumumba é um livro comprometido? Não está de modo nenhm excluído que o leitor seja tomado por um sentimento de irritação ou até de cólera ao ler este livro, sobretudo se tivermos em conta o facto de que a ler este livro, sobretudo se tivermos em conta o facto de que a vítima deste crime era não só um primeiro-ministro legalmente eleito mais igualmente o dirigente de um movimento nacionalista embrionário que, em caso de vitória sobre o Ocidente, teria podido influenciar positivamente o curso da história em África. A carreira política de Lumumba, que foi curta e fulgurante, inspirou um bom número de escritores políticos: eles chamaram-lhe «um meteoro no firmamento africano», segundo as palavras de Jean-Paul Sartre. Mas Lumumba desapareceu tão depressa como apareceu? E terá apenas desaparecido? Em política, o factor tempo toma outros significados. Para muitos africanos, a figura de Lumumba permanece uma fonte viva de inspiração política: com efeito, a tarefa com que Lumumba se via confrontado há quarenta anos continua ainda hoje por cumprir nas suas grandes linhas.

(1) La Libre Belgique, 14-2-1961.

«O Militante» - N.º 252 - Maio/Junho 2001