3. A abertura dos oceanos
no encontro/confronto de povos e culturas


Historiador

A Viagem é hoje ócio, ocupação e aventura para centenas de milhões de seres humanos. Viagens por terra, mar e ar. No espaço interplanetário foguetões e satélites aproximam o espaço e o tempo.

A nossa aventura contemporânea mergulha o seu êxito no impulso proporcionado nos séculos XV e XVI pela abertura das rotas oceânicas. A Terra tornou-se então contraditoriamente maior e mais pequena. Maior porque recuperou, para o conhecimento europeu, um novo continente, a América; porque ampliou a África, a Ásia e mergulhou na Oceania. Mais pequena porque se tornou finita enquanto o Universo, com Giordano Bruno, se alargava ao infinito.

Sem substimar a navegação milenar no Mediterrâneo nem as viagens multisseculares de chineses, malaios e muçulmanos no Índico e no Pacífico Ocidental, podemos afirmar que a aventura quatrocentista do Atlântico Central e Sul teve o seu começo num pequeno passo. Em 1434, Gil Eanes, de Lagos, no seguimento de viagens anónimas de pescadores, marinheiros e mercadores, incitado e financiado pelo Infante D. Henrique, transpôs a porta mítica que encobria os segredos do Mar Oceano.

Desde então, o Atlântico abriu-se pouco a pouco. Mas as viagens que escancararam as estradas atlânticas para os outros mares e continentes ocorreram nos finais do século XV e primeiros anos do século XVI: viagens de Bartolomeu Dias (1498), de Cristóvão Colombo (1492), de Vasco da Gama (1498), de Pedro Álvares Cabral (1500), de Gaspar Corte Real (1500), viagem de Fernão de Magalhães (1521).

Bartolomeu Dias, com navios e navegadores portugueses mas onde não faltaram raparigas da Guiné e dois escravos angolanos, descobriu o Cabo da Boa Esperança e a comunicação do Atlântico e do Índico. Cristóvão Colombo alcançou um novo continente, a América, morrendo na convicção de que aportara ao Japão. Vasco da Gama abriu a auto-estrada marítima de mais de 3 000 léguas para Calecute, com um tempo de percurso de 5 a 7 meses, unindo duradoiramente por mar o Ocidente ao Oriente. Pedro Álvares Cabral atingia a costa do Brasil. Gaspar Corte Real alcançava a Terra Nova e o mar dos bacalhaus. Fernão de Magalhães ligava o Atlântico ao Pacífico, pelo Oriente, e provava a esfericidade da Terra.

Estas viagens foram possíveis pela revolução operada nos transportes marítimos. Antes de mais, a invenção da navegação astronómica permitia, através da medição da altura dos astros, achar, a qualquer momento, o ponto do navio no alto mar e facilitava a audácia da navegação nocturna. Acrescente-se o desenvolvimento da cartografia, da técnica de construção de caravelas, naus e galeões e a prática de pilotos, cosmógrafos, mestres e marinheiros, durante mais de um século, sobre as tábuas das naus.

Segundo o testemunho de Luís de Camões que sulcou o Atlântico, o Índico e o Pacífico, nos seus veleiros, os nautas vigiavam, vestiam “o forjado aço,/ sofrendo tempestades e ondas cruas,/ vencendo os torpes frios no regaço/ do Sul, e regiões de abrigo nuas,/ engolindo o corrupto mantimento,/ temperado com um árduo sofrimento” (1).

Pelo seu lado, o humanista João de Barros escrevia enaltecendo a viagem de Vasco da Gama: “Não se achava escritura de Gregos, Romanos ou de alguma outra nação que contasse tamanho feito como era três navios com obra de cento e sessenta homens, quase todos doentes de novas doenças de que muitos faleceram, com a mudança de tão vários climas por que passaram, diferenças dos mantimentos que comiam, mares perigosos que navegavam, e com fome, sede, frio e temor que mais atormenta que todas as outras necessidades, obrar neles tanto a virtude da constância e preceito de seu rei que, pospostas todas estas cousas, navegaram três mil e tantas léguas, e contenderam com três ou quatro reis tão diferentes em lei, costumes e linguagem, sempre com vitória de todas as indústrias e enganos da guerra que lhe fizeram” (2).

Povoavam-se os mares mas a morte estava sempre aparelhada. Na viagem de Pedro Álvares Cabral, quatro dos treze navios ficaram sepultados nas águas do Cabo da Boa Esperança e nelas o seu descobridor Bartolomeu Dias. Em 1552, o galeão grande São João naufragou na costa do Natal. Valia, contando a fazenda do rei e a das partes, um conto de ouro e transportava cerca de quinhentas e trinta pessoas, duzentas delas portugueses e os mais escravos. No arrojar desgovernado do galeão à costa morreram quarenta portugueses e setenta escravos. Depois, caminhando pelos matos, assolados pela fome e a cobiça dos negros, foram caindo um a um, que no final poucos escaparam. Dona Leonor, mulher do capitão Manuel de Sousa Sepúlveda, lutou quanto pôde para que não a despissem os africanos. Confortava-a o marido lembrando-lhe que todos nascemos nus. Quando finalmente a desnudaram, cobriu o corpo com os seus cabelos, abriu uma cova na areia onde desceu até à cintura com um filho menino ao colo. E ali ficou até morrer lamentada pelo choro dos escravos.

Europa/África

Quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, a Humanidade agrupava-se em mundos isolados que se abririam e confrontariam com o sulcar das estradas oceânicas. A África Negra mantinha-se fechada sobre si própria. Com a frente atlântica percorrida pelas barcos portugueses, adquiriam-se e trocavam-se novos conhecimentos, escoavam-se mercadorias, particularmente escravos e ouro, mas a África interior, a África profunda ficava ainda mal iluminada.

Ao serviço do Infante D. Henrique e em navios portugueses, o veneziano Cadamosto fala do espanto com que os negros africanos olhavam os europeus. As bombardas, cujo estrondo causava grandíssimo medo, seriam cousa do diabo. A gaita de foles, tocada por um marinheiro, toda vestida de cores e com franjas à roda, cuidavam eles que era um animal vivo que cantava com diversas vozes. “E tinham para si que os olhos que se pintam na proa dos navios eram verdadeiramente olhos, e que o navio via por eles onde caminhava pelo mar, pensando que nós éramos grandes encantadores e quase comparáveis ao diabo; pois que os homens, que andam por terra, tinham muito trabalho em saber os caminhos, de uns para outros lugares e nós andávamos por mar (o qual eles tinham ouvido dizer era tão grande) e apesar de estarmos tantos dias sem ver terra, sabíamos aonde estávamos” (3).

Os olhos cristãos, europeus e mercantis de Cadamosto enalteciam as mercadorias africanas, os escravos, o marfim, os papagaios, o ouro e exaltavam as excelentes oportunidades de riqueza. “Vende-se um cavalo bom por nove até catorze escravos, segundo a bondade dos cavalos” (4). Em 1444, quando Antão Gonçalves desembarcou em Lisboa com cinquenta e cinco escravos, juntou-se na Ribeira uma multidão que ia alagando as caravelas, trocando as murmurações do passado por louvores ao Infante D. Henrique “quando viam levar aqueles cativos em cordas ao longo daquelas ruas” (5).

As viagens de navegadores conhecidos e ignorados desenharam pouco a pouco um novo rosto de África ou melhor das Áfricas ultrapassando a visão ptolomaica: África do Magrebe, do Sara, a África dos negros de cabelo revolto que se estendia do rio Senegal até ao sul do continente subindo pela parte oriental até ao reino do Preste João ou Etiópia. A África das cidades mouras e negras da África Oriental. Da ilha de Madagáscar. A África do sultão do Egipto em estreita ligação com a Ásia Menor. África, mãe dos escravos que em navios negreiros desembarcavam em ferros a arrotear as Américas.

Europa/América

As viagens de Cristóvão Colombo, de Pedro Álvares Cabral, de Américo Vespúcio e de outros navegadores ligaram a Europa à quarta parte nova que não vinha nas Sagradas Escrituras, a América. Numa primeira concepção, os europeus consideraram os ameríndios como povos sem F, L, R, isto é, que não tinham Fé, nem Lei, nem Rei, concepção redutora que legitimava a imposição da ideologia e das culturas europeias.

Mas no primeiro momento, o espanto sobrepôs-se à cobiça. “Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas. E estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto” (6). E Pero Andrade Caminha, que chegara a Porto Seguro na armada de Pedro Álvares Cabral, escreve noutro passo: “E uma daquelas moças era toda tinta, de fundo a cima, daquela tintura, a qual, certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela” (7).

Trinta anos volvidos, Pero Lopes de Sousa confirmava esta visão idílica: “Todos traziam arcos e frechas e azagaias de pau tostado e eles com muitos penachos todos pintados de mil cores. E chegaram logo, sem mostrarem que haviam medo, senão com muito prazer, abraçando-nos a todos... Ficaram tão contentes e amostravam tamanho prazer que parecia que queriam sair fora de seu siso e assim me despedi deles” (79).

Na Ropica Pnefma, publicada em 1531, João de Barros sustentava que não há “qualquer diferença de uns homens precederem os outros”. E o padre Manuel da Nóbrega pôs na boca do irmão ferreiro Mateus Nogueira, desafiado para a questão de saber se os índios eram nossos próximos e homens como eles, a resposta de que “tanto vale diante de Deus, por natureza, a alma do Papa como a alma do vosso escravo Papaná” (8) .

O problema é que a alma do Papaná residia num corpo escravo. A caça ao homem, as guerras e as novas doenças cedo provocaram intenso sofrimento e mortandade nas tribos ameríndias. Mais ou menos escravizados, expulsos pela força das terras do litoral, os próprios índios “livres” das aldeias dos jesuítas não viveriam muito melhor que os escravos nominais, segundo o testemunho do padre António Vieira em carta ao rei Afonso VI: “a injustiça que se usava com os índios livres, servindo-se deles os Portugueses sem lhes pagarem o seu trabalho, se tem evitado em grande parte com o modo de repartição que se dispõe no regimento, posto que as ocasiões de serviço, ou chamado serviço de Vossa Majestade, têm sido tantas estes dous anos, que não tiveram os pobres índios lugar de lograrem os seis meses que Vossa Majestade lhes manda dar para acudirem a suas lavouras e casas, e para conhecerem que não são cativos. Raro é o índio das aldeias que em cada um destes dous anos não tenha servido mais de dez meses; e com tudo, ainda os Portugueses se queixam, como se puderam os índios no mesmo tempo servir aos particulares e mais ao comum” (9).

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, erigiram-se novas sociedades no novo continente, assentes na agro-indústria do açúcar que sacrificava milhares de escravos nas goelas de fogo dos engenhos; ou assentes nas vastas planuras abertas à criação de gado. Os escravos africanos constituíam a massa humana maior dessas novas sociedades e marcaram-nas profundamente com os seus traços civilizacionais.

Europa/Ásia e Oceania

Das viagens para o Índico e o Pacífico, testemunham as cartas, as crónicas, os textos literários como a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Ao longo desses textos, as cidades, os campos e as montanhas desfilam como se as olhássemos dum navio em movimento. Soldados, cativos, mercadores, espiões, mercenários, missionários, roubadores do mar. Os deuses acompanham os homens: o deus da tristeza, o deus dos mil deuses, o deus dos enfermos, o deus das honras das mulheres, o deus dos átomos do sol que contrastavam com o deus dos cristãos. Por não ter renegado a fé católica, um irmão de Fernão Mendes Pinto explodiu usado como bala num tiro de bombarda. A estátua da deusa Amida, assente numa tribuna de quatorze degraus, em prata e com os cabelos de ouro, rosto bem assombrado, as mãos postas ao céu, trazia nos lugares secretos duas ostras de pérolas guarnecidas de ouro. Depois que Deus alagara o mundo em que se afogara todo o género humano, mandara do céu da Lua a deusa Amida para repovoar a Terra. Do seu sovaco direito nasciam machos, do sovaco esquerdo as fêmeas.

Depois de Calecute (1498), os portugueses chegaram a Ceilão (1506), Ormuz (1507), Samatra (1509), Malaca e Molucas (1512), China (1513), Ganges (1516), Japão (1543).

O encontro com estes barbados do Ocidente provocava espanto e interrogações. “Homens que por indústria e engenho voam por cima das águas todas, para adquirirem o que Deus não lhes deu, ou a pobreza neles é tanta que de todo lhes faz esquecer a sua pátria, ou a vaidade e cegueira que lhes causa a sua cobiça é tamanha que por ela negam a Deus e seus pais” (10).

O confronto atinge por vezes extrema violência contra os “malditos cafres, sem lei, do cabo do mundo, usurpadores, por sumo grau de tirania, de reinos alheios das terras da Índia e ilhas do mar”.

Acusados de furtar e pregar, perdidos na imensidade dos mares orientais e das suas milhares de ilhas, acossados pelas tempestades, a febre da cobiça e os sobressaltos da morte, estes homens do cabo do mundo traficavam, lutavam, rezavam, endureciam e mudavam de pele, muitas vezes sem retorno.

 

Horizonte planetário

A abertura das estradas oceânicas nos séculos XV e XVI proporcionou a intensificação dastrocas, a circulação de novos produtos, homens, animais, plantas, técnicas, ideias, encontro e confronto de culturas. As viagens destapavam o corpo escondido da Terra, revelavam novos povos, novos climas, alargavam o horizonte até aos confins do planeta.

Os cristãos não eram afinal a grande massa da Humanidade. Comportavam-se como a rã de Esopo. A maioria dos homens seguiam outras culturas e religiões. Os muçulmanos não estavam apenas na Terra Santa e às portas do Ocidente, espalhavam-se por todos os mares do Oriente.

A abertura dos oceanos provocou um aumento extraordinário da riqueza dos Estados europeus envolvidos no comércio desigual, interregional e internacional, e acelerou ao mesmo tempo o desenvolvimento das forças produtivas. Só nos primeiros cinco anos, decorridos sobre a primeira viagem de Vasco da Gama, rumaram ao Oriente mais de sessenta navios poderosamente equipados e artilhados. Uma esquadra, como a de Pedro Álvares Cabral, que reuniu treze navios e um milhar e meio de homens, valia mais que uma rica e poderosa vila que arriscasse as vidas e os haveres na fortuna das águas.

Para garantir o comércio e a conquista, criavam-se feitorias, fortalezas, estabeleciam-se territórios coloniais, só dissolvidos no século XX. O comércio alternava com o saque. Assaltavam-se em pleno mar navios descuidados carregados de riquezas. Saqueavam-se cidades como Quíloa, Mombaça, Malaca. Em Sofala e noutros portos da África Oriental, trocava-se ferro pelo seu peso em ouro. Segundo João de Barros, feitor da Casa da Índia, o comércio da pimenta e das drogas podia multiplicar por cinco, vinte, cinquenta vezes o valor do capital investido.

Portugal esteve durante mais de um século na vanguarda do movimento de abertura dos oceanos. Lisboa, garrida e sonora de línguas e cores, desejada pelas oportunidades de riqueza que proporcionava, atraía mercadores e aventureiros de toda a Europa e absorvia escravos de todos os continentes. Mas em Portugal o Estado mercador não usava nem sabia as manhas de mercador. Ufanava-se da limpeza de sangue e da ortodoxia da fé. E desde cedo, Antuérpia, depois Amsterdão e Londres, tornaram-se as grandes praças financeiras.

A revolução técnica, científica e mental, entretanto operada, marcou profundamente os tempos modernos. A Terra deixou de ser o centro do Universo, afinal gira à volta do Sol, mesmo que os inquisidores o neguem e prendam Galileu ou queimem Giordano Bruno. Também Jerusalém deixou de estar no centro da Terra. O navegador e cosmógrafo lisboeta Duarte Pacheco Pereira mostrava matematicamente que o centro da Terra era uma linha imaginária, a linha equinocial, e Jerusalém situava-se tão só a 33 graus a norte dessa linha.

Os intelectuais do século XVI não renegavam o corpo de saberes herdado do passado mas começavam a exigir que o pusessem à prova da experiência que é a “madre de todas as cousas”. Reconhece-se que o saber defronta obstáculos geográficos e temporais. Porque navegaram, os portugueses emendaram Ptolomeu e as antigos geógrafos gregos e romanos. Além disso o saber progride com o avançar do tempo. Como escreveu Garcia da Orta: “o que hoje não sabemos, amanhã o saberemos”; sabe-se “num dia mais pelos Portugueses que em cem anos pelos Romanos”. E conhecer não é o mesmo que ser pois, ainda segundo Garcia da Orta, saber “é dizer o que é”.

Descobrem-se novas terras, novos mares, novas estrelas, como diria Pedro Nunes. Evangelizam-se povos com mão armada e também com martírio e novos métodos linguísticos. Transfegam-se riquezas, ideias, técnicas, homens, animais e plantas. Há guerra e paz armada com violência extrema de todas as partes. Há fome de honra, coragem para além do que pode a força humana. No limite descobre-se a antropofagia e a recusa dela. Trocam-se objectos, cerimónias, vocábulos. Confrontam-se os homens e as culturas.

Nas sociedades europeias cresce então um vento revolucionário que impõe as diferentes Reformas e envolve o continente em longas e cruentas guerras de religião. Anseia-se por uma sociedade mais justa, conceptualizam-se sociedades igualitárias com a abolição da propriedade privada. Em 1516, o inglês Tomás Moro publica em Lovaina o livro A Utopia. O seu herói é o navegador português Rafael Hitlodeu. Ele navegou os mares, desembarcou em terras desconhecidas, viveu nas cidades da ilha da Utopia, onde vigorava uma sociedade igualitária. “O fim das instituições sociais na Utopia é, antes de mais nada, atender às necessidades do consumo público e individual, depois deixar a cada um tanto tempo quanto possível para se libertar da servidão do corpo, cultivar livremente o espírito, desenvolver as suas faculdades pelo estudo das ciências e das letras. É neste completo desenvolvimento que eles baseiam a verdadeira felicidade” (11). E acrescentava: Os utopianos “consideram louco aquele que se julga mais nobre e mais importante, porque veste uma lã mais fina, lã cortada do dorso de um carneiro, e que antes dele já o carneiro usou. Admiram-se que o ouro, inútil na sua natureza, tenha adquirido um valor fictício de tal modo considerável, que seja mais valioso do que o homem, se bem que só o homem lhe tenha dado esse valor e se sirva dele para diferentes fins, segundo o seu capricho” (12).

Nos primeiros anos do século XVI sonhava-se com uma sociedade mais justa mas também se lutava por ela oferecendo as vidas. Encabeçando a rebelião dos camponeses da Alemanha, Tomás Muntzer tentou em 1525 criar a fraternidade na Terra que, segundo ele, era anunciada aos filhos de Deus nas Sagradas Escrituras. A nova liberdade cristã, defendida com a vida por este teólogo revolucionário, não era para viver no Além mas nesta vida terrena. Só na Terra e numa sociedade igualitária, o Povo seria livre e “Deus sobre ele reinará” (13).

Notas:
(1) Luis de Camões, Os Lusíadas, Porto, Maranus, 1935, Canto VI, estrofe 97.
(2) João de barros, Ásia, Década I, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988, p. 170.
(3)"Navegação Primeira de Luís de Cadamosto" in V. Magalhães Godinho, Documentos sobre a Expansão Portuhguesa, III, Lisboa, Edições Cosmos, 1956, p. 162.
(4) Ibidem, p. 160
(5) Gomes Eanes de Zurara, Crónica de Guiné, Porto, Livraria Civilização, s/d., p. 169.
(6) Pero Andrade Caminha, Carta de Achamento do Brasil, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1974, p. 37.
(7) Ibidem, p. 47.
(8) Pe. Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil e mais Escritos, Coimbra, Universidade, 1955, p. 234.
(9) Pe. António Vieira, Sermão de Santo António aos peixes e Carta a D. Afonso VI, Lisboa, Seara Nova, 1972, p. 68.
(10) Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, Cap. CXXII.
(11) Tomás Moro, A Utopia ou o Tratado da Melhor Forma de Governo, Lisboa, Biblioteca Cosmos, 1947, p. 73.
(12) Ibidem, p. 89.
(13) Marianne Schaub, "Tomás Muntzer: A Nova Imagem de Deus e o Problema do Fim da História", in Filosofia do Mundo Novo, direcção de François Châtelet, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1974, p. 36.

«O Militante» - N.º 252 - Maio/Junho 2001